Goiás é o terceiro estado mais violento em operações policiais
Especialista aponta para um plano consistente, com metas e políticas voltadas para a redução da letalidade policial
Goiás é o terceiro colocado no índice de mortes ocasionadas por intervenções policiais em todo o país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, publicado em com dados referentes ao ano anterior. A taxa é de 8 por 100 mil habitantes, mas apresentou redução do número de mortos em intervenções policiais. No ranking, em primeiro lugar está o Amapá, com 17,1 de mortes por ações policiais civis e militares e depois o Sergipe, com 9.
A média do Brasil foi de 2,9, primeiro recuo desde 2013, quando iniciou a série. Em entrevista ao O Hoje, o Conselheiro e Vice-Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (OAB-GO), Roberto Serra, afirma que não avalia o cenário de forma positiva. “Essa “medalha de bronze” revela que não há, efetivamente, no Estado de Goiás, uma política pública de redução da letalidade policial, o que acaba contribuindo para o aumento do índice refletido no Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, aponta.
Contudo, ele pondera que não está criticando a atuação das forças policiais. “Existe uma grande maioria de profissionais íntegros e dedicados, que buscam da melhor forma proteger a sociedade e reduzir a violência, colocando a sua própria vida e a de seus familiares em risco”, enfatiza.
Por outro lado, as estatísticas mostram que a maior letalidade policial, ou seja, a maior quantidade de mortes decorrentes de intervenção policial, não gera a diminuição do número dos crimes patrimoniais ou contra a vida nem a diminuição do número de policiais feridos ou mortos. “Por isso, enxergar a questão de segurança pública apenas em intervenções policiais não resolverá o problema da criminalidade”, avalia.
Roberto aponta para um plano consistente, com metas e políticas voltadas para a redução da letalidade policial. “Continuaremos sendo um dos Estados com mais mortes decorrentes de intervenções policiais civis e militares. Segundo ele, torna-se imprescindível a existência de um plano efetivo, com medidas objetivas, cronogramas específicos e previsão dos recursos necessários para implementar medidas voltadas à melhoria do treinamento dos policiais.
“Inclusive em programas de reciclagem, e que contemplem a sensibilização para a necessidade de respeito aos direitos humano; aperfeiçoamento dos protocolos de abordagem policial, busca pessoal, e do uso proporcional e progressivo da força, em conformidade com a Constituição Federal e com os parâmetros internacionais; instalação de câmaras de vídeo e de áudio nos coletes dos policiais e nas respectivas viaturas automotivas, propiciando não apenas evitar dúvidas quanto à legalidade da ação estatal, como também a sua utilização para atender a eventual demanda judicial e administrativa”, sugere.
Suporte humano e técnico
Além disso, ressalta a necessidade de um aperfeiçoamento da unidade de Promotores de Justiça dotada de amplo suporte material, humano e técnico. “Visando o aprimoramento dos mecanismos de controle externo da atividade policial, e que as investigações conduzidas pelo Ministério Público sejam as mais eficientes possíveis”, finaliza.
Já o advogado criminalista, professor e pesquisador da área, Alan Kardec Cabral Júnior, alerta que esse crescimento é preocupante, já que são homicídios pelas mãos do Estado. De acordo com ele, em algumas vezes, casos como estes contam com o encobrimento do sistema de justiça criminal. “Ou seja, podemos estar passando o recado que a pena de morte é permitida. Porém, quem faz esse julgamento? O próprio policial na rua, sem direito a ampla defesa e ao contraditório”, questiona.
Polícia deve matar mais”
O tenente-coronel da Polícia Militar de Goiás (PM-GO) fez uma declaração em uma entrevista de que a “polícia deve matar mais”. Ele é ex-chefe de segurança do governador Ronaldo Caiado (União Brasil) e deixou o comando de segurança de Caiado, em março deste ano, para disputar as eleições para deputado federal pelo Podemos.
Edson também ficou conhecido após executar o criminoso Lázaro Barbosa há cerca de um um ano. Com a fala polêmica, o Estado emitiu uma nota sobre o assunto. Segundo o órgão, o tenente-coronel não integra mais a segurança pessoal do governador e emitiu uma opinião pessoal, “que não representa as diretrizes e a política de segurança do governo de Goiás”.
Também destaca que o policial nunca teve participação na gestão da segurança pública de Goiás, “que é de responsabilidade exclusiva da Secretaria de Segurança Pública”. “Em Goiás, a polícia age com firmeza, mas dentro da legalidade. A criminalidade caiu consideravelmente nos últimos anos por consequência de um trabalho integrado das forças de segurança, pelo uso da inteligência, pelo investimento na valorização e qualificação dos profissionais que atuam na rua e pela intolerância com a corrupção”, afirma a nota.
Prevalência de mortes é em adolescentes e jovens, pretos e pardos
O levantamento mostra que o perfil das vítimas de intervenções policiais no país não tem demonstrado mudanças significativas ao longo dos anos, com prevalência de homens, adolescentes e jovens, pretos e pardos entre as vítimas. No último ano, 99,2% das vítimas eram do sexo masculino.
Em relação à faixa etária, 52,4% das vítimas tinham no máximo 24 anos quando foram mortas, percentual que sobe para 74% se considerarmos as vítimas de até 29 anos, ou seja, as vítimas de intervenções policiais são consideravelmente mais jovens que as vítimas de mortes violentas intencionais, em que 74% das vítimas são jovens de até 29 anos.
No Brasil, os principais argumentos equivocados giram em torno de três afirmações: a) a de que negros são mais mortos porque são maioria; b) a de que negros são mais mortos não porque são negros, mas porque são pobres, e c) a de que a economia das periferias e favelas, onde há maior concentração de negros, têm por motor a atividade criminosa.
Conforme o estudo, esse dado precisa ser matizado pela melhora na qualidade do preenchimento dos boletins de ocorrência das Polícias Civis. Isto porque, em 2020, 36,4% dos registros não tinham o campo raça/cor/etnia informado e em 2021 este percentual caiu para 31,1%. “Ainda assim, o que a melhora da qualidade da informação está mostrando é que o percentual de pretos e pardos vítimas de intervenções policiais é ainda mais elevado do que supúnhamos, chegando a 84,1% de todas as vítimas com raça/cor identificados”.
Redução
Apesar do elevado número de mortes em decorrência de ações policiais – 12,9% de todas as Mortes Violentas Intencionais (MVI) do país – o Brasil viu este número reduzir pela primeira vez em 2021, quando 6.145 pessoas foram vitimadas, redução de 4,2% em relação ao total de vítimas no ano anterior. Ainda de acordo com o documento, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, foram assassinadas 6.416 pessoas pela polícia no Brasil.
O documento ressalta que, embora esta redução mereça ser celebrada, elevadas taxas de mortalidade por ações policiais permanecem em vários estados, indicando que abusos e execuções permanecem como prática de algumas instituições policiais, misturando-se a casos de uso legítimo da força.
Mais violentas
O Anuário também apontou as 30 cidades mais violentas do Brasil entre 2019 e 2021. 13 delas são parte da Amazônia Legal. Na região, a taxa de violência letal foi 38% superior à média nacional (no Brasil, essa foi de 22,3 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes; na Amazônia Legal, 30,9). Segundo levantamento, a cidade mais violenta do País foi São João do Jaguaribe (CE). Em seguida aparecem: Jacareacanga (PA), Aurelino Leal (BA), Santa Luzia D’Oeste (RO), São Felipe D’Oeste (RO) e Floresta do Araguaia (PA).