Calçadas inacessíveis e desrespeito marcam a cidade para o cadeirante

Ponto de ônibus sem rampas, coletivo sem rampa e calçadas quebradas e ocupadas fazem parte dos desafios

Postado em: 23-09-2022 às 08h02
Por: Sabrina Vilela
Imagem Ilustrando a Notícia: Calçadas inacessíveis e desrespeito marcam a cidade para o cadeirante
Além da falta de infraestrutura, os pedestres ainda enfrentam o desrespeito por parte dos motoristas que ocupam as calçadas e rampas | Foto: Arquivo Pessoal

Prestadora de serviço, Deborah Fontinelle Carvalho, 38, é cadeirante há 22 anos devido a mielite cervical transversa – inflamação que afeta a medula espinhal em toda sua largura. Para ela, trafegar pelas ruas de Goiânia é um grande desafio visto que não são todos os lugares que possuem rampa de acesso, banheiro adaptado e o transtorno de ter as rampas dos ônibus sempre estragadas. 

Esses problemas fazem parte do dia a dia de Deborah e de outros 17,3 milhões de brasileiros acima de 2 anos de idade que possuem algum tipo de deficiência, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Esse número representava 8,4% da população. Já em Goiás,  nesse período eram 8,5% dos goianos com mobilidade reduzida.

“O poder público tinha que ter uma visão mais ampla com relação à inclusão e acessibilidade, ter um planejamento melhor entre os engenheiros e arquitetos que trabalham com esse tipo de serviço. Para inclusão tem que ter respeito, de ambas as partes”, afirma Deborah.

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Ela destaca que é obrigação do poder público deixar as calçadas adequadas para todas as pessoas, de forma que os cidadãos com mobilidade reduzida possam usufruir. “Todos nós pagamos impostos, então merecemos uma qualidade de vida melhor”.

A chave da acessibilidade é o respeito 

“Minhas maiores dificuldades são as calçadas que muitas vezes não têm rampas rebaixadas e quando encontro uma calçada com rampa normalmente tem um carro  tampando”, desabafa Maria de Fátima Ferraz,45. Ela é cadeirante há 42 devido a uma paralisia infantil e mora no setor Maysa 1, em Trindade. 

Quando ela precisa usar o transporte público o transtorno é ainda maior. Maria de Fátima vai para  a rua esperar o ônibus porque a calçada do ponto é muito elevada. Ela reclama também que por várias vezes têm que esperar outros ônibus porque a maioria está com o elevador estragado. 

“Na minha opinião, para melhorar acessibilidade tem que ter empatia, respeito e amor pela pessoa com deficiência”. Ela acredita que leis voltadas para acessibilidade precisam ser cumpridas, principalmente no que se refere a banheiros adaptados em locais públicos.

A reportagem entrou em contato com as prefeituras de Goiânia e Trindade sobre as reclamações de Deborah e Maria, mas até o fechamento desta edição não obtivemos resposta. 

Arquitetura

Para o arquiteto e urbanista Paulo Renato Alves, os dados e as queixas revelam a necessidade de uma adaptação com relação à acessibilidade na capital. Ele conta também que a necessidade de acessibilidade não é apenas para pessoas com deficiência, mas com outras parcelas da população como idosos, gestantes, obesos e pessoas que tenham que ficar com mobilidade reduzida de forma provisória.

“Goiânia não é uma cidade exemplo de acessibilidade tão pouco próximo disso”, declara o especialista. A justificativa, para ele, é que envolve não apenas construções públicas, mas também construções privadas como comércios e moradias. Ele explica que em Goiânia, em construções com menos de sete anos é exigido que se leve em consideração a NBR 9050 – norma desenvolvida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas. Por se tratar de uma norma muitos não se preocupam em segui-la, apenas projetos mais recentes da prefeitura. 

“Apesar dessa cobrança, muitas construções simples nas áreas periféricas da cidade, que em sua grande maioria não contam com a orientação técnica de um arquiteto, não adotam essas normas de acessibilidade”, pontua ele, ao destacar ainda que nas cidades do interior a situação é ainda pior, visto que a fiscalização não é tão efetiva e a maioria das construções são antigas.

“Por exemplo se eu permitisse que alguém construísse esse comércio na década de 90, mas agora eu acho que a pessoa com deficiência deve ter acesso ao local e exigir rampa, corrimão, orientação tátil. Como cobrar isso de um comerciante que já tinha autorização para funcionar?”, exemplifica. Contudo, a prefeitura começou a fazer essa cobrança ao renovar o alvará de funcionamento.

Alves acredita que é necessário ter um incentivo para que a população se adapte às normas de acessibilidade. Uma forma de fazer isso é  fazer o  recolhimento de imposto para quem fizer com que seu estabelecimento atenda a acessibilidade, conforme ele destaca.

A filha de Paulo teve que ficar dois anos em uma cadeira de rodas e ele afirma que sentiu na pele a dificuldade de não se sentir aceito em qualquer lugar. “A gente abria mão de muita coisa para ficar em casa porque sabia que não teria acesso. A escola dela não tinha acessibilidade, uma escola cara do setor Bueno. Quando ela estava na cadeira de rodas tiveram que transferir a sala dela para o primeiro andar porque não tinha nada que a levasse para a outra. O restaurante da escola era no último andar. Então eu tinha que buscar ela na escola para almoçar e depois deixar ela lá de volta”.

O especialista afirma que, com exceção da Lei das Calçadas, Goiânia não tem outra lei que trate mais detalhadamente sobre acessibilidade. “O que se tem hoje e que é seguido nos projetos arquitetônicos, é a NBR 9050, que traz todas as diretrizes técnicas necessárias para atender às pessoas com deficiência. E é essa norma que é cobrada pela fiscalização de Goiânia.

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