Pesquisadoras goianas relatam receio de corte nas bolsas de pesquisa

As bolsas são as principais fonte de recursos para estudantes que atuam na área de pesquisa científica

Postado em: 07-12-2022 às 08h00
Por: Sabrina Vilela
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As bolsas são as principais fonte de recursos para estudantes que atuam na área de pesquisa científica. | Fotos: Arquivo pessoal

Bibliotecária, Sara da Cruz Vieira, de 25 anos, ingressou no mestrado em março. Ela pesquisa o comportamento informacional do corpo docente da Universidade Federal de Goiás (UFG), nas áreas de ciências humanas e ciências sociais aplicadas, em relação à agenda racial e temáticas étnico-raciais. 

A bolsa tem contribuído para ela se dedicar ao mestrado, pois desenvolver pesquisa e trabalhar é algo bastante difícil. “A bolsa me auxilia a ter uma dedicação mais exclusiva, apesar de não ser o suficiente,  ela tem me ajudado muito nesse processo”, aponta.

A bibliotecária afirma ter receio de perder a bolsa ou que ela seja bloqueada por um tempo, após o anúncio de que o Ministério da Educação (MEC) estaria sem verba para custear as bolsas. “Eu como muitos estudantes temos contas a pagar, temos que comer, cuidar da nossa saúde e sem esse dinheiro cumprir com esse compromisso se torna impossível. Pensar nesse cenário é realmente desesperador”.

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Sara da Cruz Vieira ainda faz críticas ao atual governo sobre as políticas de educação do atual governo. “O atual governo tem nos mostrado que não se preocupa com a educação do país, atingindo quem pode fazer a diferença, atrasando as pesquisas e as pesquisadoras e pesquisadores através do corte das bolsas. É lamentável”. 

Sara faz parte dos 100 mil bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que podem ser prejudicados pela falta de pagamento. 

MEC está sem verba

O ministro da Educação Victor Godoy se reuniu, na última segunda-feira (5), com membros do grupo temático de Educação do gabinete de transição e ficou decidido que a situação orçamentária do MEC passará por acompanhamento devido à falta de verba para bolsistas. A preocupação exposta na reunião foi de que o próximo governo não possa dar continuidade às políticas públicas voltadas para áreas de pesquisa visto que a pasta não possui recursos para isso. 

Ex-ministro da Educação, José Henrique Paim destacou que é realizada uma negociação. “[A pasta] está negociando com a área econômica, mas a gente precisa acompanhar de perto porque pode implicar em alguma dificuldade para o próximo governo”. 

Já Godoy confirmou que os cortes nos orçamento que foram determinados pelo ministro Paulo Guedes estão sendo resolvidos com o Ministério da Economia. Os cortes levaram ao bloqueio de R$ 1,68 bilhão, desses R$ 244 milhões são voltados para o ensino superior. 

Corte de repasses

Como justificativa para o bloqueio das verbas, Godoy afirmou ainda que pode ter relação com o repasse que o Ministério da Economia terá que fazer para cumprir a Lei Paulo Gustavo de incentivo à cultura. A determinação é por conta de pedido do  Supremo Tribunal Federal (STF).

Se a situação não mudar, pode faltar o pagamento das parcelas de dezembro a 14 mil médicos residentes de hospitais federais e de 100 mil bolsistas da Capes. 

Para que a situação seja resolvida é necessário aumentar em 30%, no Orçamento de 2023, os recursos destinados ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Além de 40% as verbas destinadas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Cenário de incertezas

Vice-presidenta regional Centro-Oeste da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Dayse Jorge Lima, destaca que a notícia da falta de verba para bolsistas foi recebida indignação e receio. Ela afirma que o receio existe, mas que está no processo de articulação dentro da direção da Associação de Pós-Graduandos (ANPG). 

“Inclusive estamos em reunião com a equipe de transição da ciência que tem a participação do  presidente ANPG Vinícius Soares. Os pós-graduandos da UFG estão em estado de preocupação, pois as agências de fomento federais exigem dedicação exclusiva, e isso faz com que a única renda dos discentes venha apenas das bolsas de pós-graduação”.

Ela relembra ainda que em 2023 irá completar 10 anos sem reajuste no valor das bolsas. Segundo ela, o valor atual faz com que o pós-graduando esteja em estado de sobrevivência. Muitos estudantes na UFG já relatam que irão parar suas pesquisas caso não recebem suas bolsas, de acordo com a vice-presidenta. “Assim que saiu a notícia entramos em processo de articulação e conversa com corpo discente da pós-graduação”.

O objetivo da reunião, segundo Dayse Jorge, é que a equipe possa se organizar para defender e lutar pelas bolsas, seja indo às ruas ou entrando em contato com MEC para que o Ministério esclareça toda a situação e tome as providências necessárias que garantam o pagamento das bolsas de mestrado e doutorado.

Bolsas que garantem a sobrevivência 

Representante discente do doutorado em Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Kamilla Santos ingressou como bolsista no início deste ano e já conseguiu uma bolsa pela Capes. De acordo com ela, os pagamentos nunca haviam atrasado e a esperança era que o novo governo fizesse o reajuste de “valores defasados”. 

Kamilla Santos afirma que a notícia sobre a falta de verba para pagar as bolsas chegou na noite da última segunda-feira, 5. Em seguida ela e outros membros foram checar as contas e realmente estava zerada visto que normalmente o valor da bolsa cai todo dia 5 pela manhã. 

“O receio é imenso de que a gente não receba por um tempo. As notícias não são agradáveis e as nossas bolsas estão com valor defasado há mais de 10 anos, mas o pouco que a gente recebe serve para o nosso sustento. Visto que o bolsista não pode ter outra fonte de renda oficial, não pode trabalhar em outro local. A dedicação é exclusiva. E como nos dedicar sem saber se teremos como nos sustentar nos próximos meses?”, questiona Kamilla.

A realidade vivenciada pela maioria dos bolsistas é de que precisam pagar aluguel, internet, cesta básica e ainda tem os gastos com a própria pesquisa que não são baratos. E essas ações se tornam desafios porque muitos tiveram que deixar a cidade natal para estudar na capital e gastam com transporte ao percorrer grandes  distâncias.  

Ela conta ainda que os bolsistas estão muito assustados com a situação. “A sensação é de medo de não saber se vão receber, porque todos têm compromissos. Uma aluna que é de outro país e estuda em nosso programa estava muito preocupada pois tinha até esta semana para pagar o aluguel e a bolsa não caiu”. 

A falta de bolsas afeta negativamente as pesquisas em andamento no país, segundo a representante. “Como fazer pesquisa se não sabemos se teremos um teto ou alimentação do mês se a bolsa não cair? Dá pra fazer pesquisa sem bolsa? Dá! Mas é muito precário e só quem consegue é quem já tinha dinheiro ou alguém para te sustentar antes de entrar na pós. Mas se você depende da bolsa para o seu sustento e para fazer a pesquisa, ninguém vai ter cabeça para isso. Já vi, em outros momentos, vários discentes desistirem do programa porque não têm como se manter e continuar a pesquisa. Tenho muita preocupação que esse cenário volte a acontecer”. Até o momento não foi repassada nenhuma informação oficial para os estudantes. 

O cenário classificado como desesperador para muitos bolsistas é apenas a amostra do que o campo de pesquisa pode se tornar sem o incentivo correto. As pesquisas realizadas nos mais diversos campos contribuem para a evolução do conhecimento. Além na área da saúde para a cura de doenças e desenvolvimento de vacinas, as pesquisas ajudam a avançar a tecnologia que possibilita a abrangência de outros setores.

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