Pessoas com deficiência sofrem no transporte público de Goiânia

Falta de manutenção dos elevadores e implementação da sinalização para pessoas com deficiência visual revolta passageiros

Postado em: 24-03-2023 às 08h37
Por: Everton Antunes
Imagem Ilustrando a Notícia: Pessoas com deficiência sofrem no transporte público de Goiânia
Falta de manutenção dos elevadores e implementação da sinalização para pessoas com deficiência visual revolta passageiros | Foto: Divulgação

Passar pelas catracas, competir com outras pessoas por espaço nos terminais e esperar nos locais de embarque: essas são algumas das situações presentes no cotidiano do goianiense que utiliza o transporte coletivo. Contudo, para uma pessoa com deficiência, é nesse contexto que “as dificuldades começam, por exemplo, já no próprio ponto de ônibus”, segundo o engenheiro de transportes Marcos Rothen. 

Desde relatos sobre a falta de manutenção dos elevadores, que permitem o acesso de cadeirantes, até a necessidade de sinalização para pessoas com deficiência visual, especialistas e usuários do transporte coletivo apontam falhas nas frotas de veículos da Grande Goiânia. Além disso, é notável o desrespeito dos demais usuários, bem como dos condutores, em relação às pessoas com deficiência. 

Frota 

De acordo com a Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC), o transporte público da Região Metropolitana de Goiânia (RMG) abrange 18 municípios. O sistema de transportes abarca 21 terminais de integração e, aproximadamente, 300 linhas de ônibus. 

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No que diz respeito à garantia da inclusão de pessoas com deficiência no transporte coletivo, é oferecido o serviço “Transporte Acessível”, que consiste no atendimento exclusivo para quem é cadastrado na Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC). Esse veículo conta com nove vagas para cadeirantes e outras nove para pessoas com mobilidade reduzida. 

No entanto, “não podemos dizer que ter uma frota que contempla ônibus acessíveis não seja significativo, pois o é, mas temos, ainda, um longo caminho a percorrer” ressalta Cintia Isabel, professora do curso de Engenharia de Transportes da Universidade Federal de Goiás (UFG). A docente explica que a garantia da mobilidade para essa parcela da população vai além dos ônibus.

Obstáculos 

Na visão de Isabel, a democratização do transporte coletivo é composta de “múltiplos fatores”. “Nós não podemos nos restringir a pensar no veículo mas também em todo o ambiente de acesso para essa pessoa conseguir se deslocar: estamos falando de calçadas, rampas, terminais, pontos. Não somente do deslocamento em si, mas da informação”, preconiza.

A pesquisa “Percepção de Pessoas com Deficiência sobre Acessibilidade no Transporte de Passageiros” conduzida pela professora, juntamente com o aluno Rafael Silva, registrou queixas dos usuários de transporte público. “Uma grande parcela dos participantes reportou as dificuldades enfrentadas desde o terminal, o acesso da sua casa ou do seu trabalho, até o ponto de ônibus”, relata.

O relatório também revela que os passageiros com algum tipo de deficiência – seja visual, seja física – indicaram os terminais Bandeiras e Goiânia Viva com “bons”, enquanto que o Padre Pelágio e Praça da Bíblia classificam-se como “ruins”. No diagnóstico de Cintia, isso “revela que há uma falta de padronização dos nossos terminais. Acabam sendo realidades diferentes, a depender da região do município”.

Outro alvo de críticas dos entrevistados desta pesquisa diz respeito à conduta dos motoristas de ônibus que, agem com “má vontade”, “ignoram um pedido ou, às vezes, dão informação equivocada”. A docente adiciona que “existem relatos muito marcantes, nessa pesquisa, sobre a falta de conscientização. Pode-se dizer que os colaboradores acabam, muitas vezes, insultando esses usuários”. 

Sobre a manutenção dos veículos e mecanismos que garantem a acessibilidade de pessoas com deficiência aos transportes, foram reportados casos de inoperância dos elevadores, que suspendem os cadeirantes durante o embarque. “Os elevadores só vivem estragados, eles não dão manutenção”, reclamam as testemunhas. 

Em contrapartida, Tarcisio Abreu, presidente da CMTC, informa a esta reportagem que “quando se trata de acessibilidade, toda a frota do transporte público na Região Metropolitana tem elevadores que atendem os nossos cadeirantes”. Ademais, “dentro da garagem, todos os motoristas passam por treinamento e, aos ônibus, ao sair da garagem, é obrigatório que preencham uma checklist, onde é feita toda a avaliação referente aos elevadores”.

O presidente ainda reforça “a luta diária da CMTC para que os passageiros sejam realmente bem atendidos”. Por fim, ele incentiva que os usuários dos transportes coletivos da capital entrem em contato com a ouvidoria – na posse das informações sobre o horário, o número do ônibus e a linha – e formalize uma reclamação, para que a companhia tome as providências.

Relatos

A dona de casa Fátima Ferraz, 45, mora em Trindade, é cadeirante e conta que sente medo de utilizar os ônibus da Região Metropolitana. “Teve uma vez que eu fiquei chorando na Praça A. O motorista não quis fazer o pessoal sair do meu lugar, que era meu por direito, para eu entrar. Ele foi embora e me deixou, cheguei muito atrasada no trabalho e tive o ponto cortado”, recorda.

Já Deborah Carvalho, 39, conselheira fiscal, também é cadeirante e denuncia a omissão dos motoristas, o desrespeito dos demais usuários e a precariedade do transporte coletivo. “Os passageiros brigam por causa daquele lugar que é reservado para pessoas com deficiência. Em relação aos elevadores, a manutenção não é feita conforme deveria”, lamenta a passageira. 

Transporte democrático

Rothen sugere: “para um melhor atendimento aos que têm alguma deficiência ou  dificuldade de locomoção, é necessário que haja uma modernização da frota. Hoje, muitas cidades brasileiras utilizam ônibus com piso baixo”. Dessa forma, a altura entre o meio fio e o veículo é reduzida, o que permite o acesso de cadeirantes.

O engenheiro de transportes também cita que, no caso do vão presente entre o ônibus e as plataformas dos eixos da capital, é possível adotar rampas automatizadas. Para ele, o atual quadro dos coletivos goianienses “deixa a ideia de que a preocupação com as pessoas com deficiência ainda não faz parte do cotidiano de quem administra o nosso transporte”.

Isabel também chama a atenção para as necessidades de garantir a acessibilidade de pessoas com deficiência visual – por exemplo, com sinalizações dentro do veículo, através de avisos sonoros sobre a próxima parada. É preciso “fazer esse trabalho de conscientização para que haja o respeito à diversidade, somos pessoas diversas”, finaliza.  

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