Febre Maculosa acende alerta à saúde: especialistas explicam riscos e cuidados

Transmissor da febre maculosa, o carrapato-estrela pode grudar em mais de um animal e até em seres humanos

Postado em: 19-06-2023 às 07h54
Por: Alexandre Paes
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Transmissor da febre maculosa, o carrapato-estrela pode grudar em mais de um animal e até em seres humanos | Foto: Divulgação

A febre Maculosa, transmitida pelo carrapato-estrela, tem causado medo na população. No estado de Goiás, foram registrados 5 casos da doença nos últimos cinco anos, isso é o que apontam os dados divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde (SES). De acordo com dados do Ministério da Saúde (MS), a febre maculosa é causada por uma bactéria do gênero Rickettsia, transmitida pela picada do carrapato. A doença não é contagiosa, o que significa que ela não pode ser transmitida de uma pessoa para outra.

Para entender mais sobre a doença, o Jornal OHoje conversou com especialistas que explicam sobre os sintomas, o tratamento e como se prevenir. “Esse carrapato-estrela é do gênero amblioma, e está presente nas áreas de mata, de regiões próximas a córregos, a lagos, onde os hospedeiros definitivos dessa bactéria são as capivaras, os cavalos entre outros animais. Quando o humano vai até essas regiões e é exposto a esses carrapatos, ele pode ser picado e receber essa bactéria na corrente sanguínea”, explica Moara Santa Barbara, médica infectologista.

Atualmente existem áreas endêmicas no Brasil, principalmente no interior de São Paulo, na zona rural. Para se ter uma ideia, nos últimos 10 anos (2013 a 2023), o Brasil registrou 2.059 casos de febre maculosa. Desse total, 1.292 casos foram na Região Sudeste. Desde o início deste ano, 53 casos ocorreram em todo o país, dos quais 30 se concentraram no Sudeste, é o que aponta o MS. Com relação aos óbitos causados pela doença do carrapato, foram contabilizados 703 no Brasil desde 2013, dos quais 623 foram no Sudeste. Até 14 de junho de 2023, o Brasil registrou oito mortes.

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“A transmissão da bactéria geralmente acontece não por uma picada simples, mas pela manutenção desse carrapato na pele durante muitas horas. Às vezes chega até quatro a oito horas e a pessoa não sente esse carrapato. E tem os carrapatos pequenos, chamados de carrapatos Mirins jovens, que são muito, muito pequenos, e às vezes não dá para vê-lo a olho nu”, detalha o médico infectologista, Rafael Teodoro de Carvalho Junior. 

No entanto, Rafael ressalta que no Brasil, há outra bactéria que causa uma febre maculosa mais branda, que é a Rickettsia parkeri, mas somente a Rickettsia rickettsii, é transmitida pelo chamado carrapato-estrela. Esse carrapato geralmente é encontrado em animais hospedeiros, como capivaras, cavalos e até cachorros. “Geralmente nas regiões de matas onde o carrapato fica muito presente, as pessoas que andam muito de cavalo sem calca e usando short ficam mais vulneráveis. Como estão com roupa descoberta, o carrapato pode atingir o corpo e morder a pele”, observa.

Moara lembra que, devido as regiões de mata serem de maior propensão da doença, é extremamente importante que o tutor dos animais de estimação faça uma verificação nos pets depois de frequentar esses locais. “Os carrapatos de cachorros, gatos, e animais urbanos em geral não são os mesmos que transmitem e carregam a Rickettsia, mas se esses animais forem aos ambientes, onde os carrapatos podem estar, eles podem contraí-los”, conta a infectologista.

Sintomas da Febre Maculosa

Os sintomas mais comuns, como próprio nome da doença, é uma febre de início súbito associada a muita dor no corpo que é a mialgia, a dor de cabeça ou cefaleia. Após picado, com a evolução da Febre Maculosa é comum o aparecimento de manchas vermelhas nos pulsos e tornozelos, que não coçam, mas que podem aumentar em direção às palmas das mãos, braços ou solas dos pés. Dores nas articulações não são tão comum pode aparecer sintomas gastrointestinais como náuseas, vômitos e diarreia. 

“Depois de alguns dias de febre, geralmente após o segundo dia, pode surgir manchas avermelhadas no corpo, que podem progredir posteriormente pra manchas hemorrágicas que são equimoses. Essa doença pode se agravar acometendo outros sistemas do organismo principalmente o sistema respiratório, causando insuficiência de órgãos, como insuficiência renal e também um sangramento ativo por conta das alterações que essa bactéria causa nos vasos sanguíneos”, aponta Moara.

O diagnóstico oportuno da Febre Maculosa é muito difícil, principalmente durante os primeiros dias de doença, tendo em vista que os sintomas também são parecidos com outras doenças, como leptospirose, dengue, hepatite viral, salmonelose, encefalite, malária, meningite, sarampo, lúpus e pneumonia. No entanto, o médico fará avaliação dos sintomas e perguntará onde você mora ou se esteve em locais de mata, florestas, fazendas, trilhas ecológicas, onde possa ter sido picado por um carrapato, ele também poderá solicitar uma série de exames para confirmar ou contribuir com o diagnóstico. 

Segundo os especialistas, o diagnóstico da febre maculosa é feito através dos exames sorológicos, que tentam identificar os anticorpos da forma IGG e da forma IGM. “Quando a pessoa já apresenta lesões de pele, elas podem ser biopsiadas e se procurar a bactéria por imunofluorescência nesse tecido. Além disso, pode ser pesquisado por biologia molecular utilizando o teste de PCR, para começar o tratamento precoce nos primeiros dias, evitando a progressão para a gravidade”, expõe Rafael.

Busca pela vacina

Um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP) demonstrou a possibilidade de “silenciar a expressão gênica da principal proteína inibidora do apoptose [morte programada das células] no carrapato-estrela”, transmissor da febre maculosa. Com a metodologia, reduz-se o crescimento da bactéria e torna-se o aracnídeo mais resistente à infecção

De acordo com a professora do Departamento de Parasitologia do ICB-USP e coordenadora do estudo, Andrea Cristina Fogaça, a alimentação dos carrapatos foi reproduzida em laboratório, com sangue de coelhos infectados e não infectados por Rickettsia rickettsii e, independentemente da infecção, os parasitas morriam ao se alimentar, o que indicou a possibilidade não só de bloquear a infecção como de conter e diminuir população nos hospedeiros.

“O que meu grupo de pesquisa estuda são as interações que acontecem entre o carrapato e a bactéria que causa essa doença. Nosso objetivo com a pesquisa foi o de entender quais são as interações e as moléculas que são importantes para a interação entre a bactéria e o vetor, porque queremos identificar alguns potenciais alvos para o desenvolvimento de vacinas, tanto para diminuição da população do carrapato como para o bloqueio da transmissão da bactéria”, explicou a pesquisadora para a Agência Brasil.

Ainda não há previsão para a produção de uma vacina contra a febre maculosa, porque novos estudos serão conduzidos nesse sentido. “Não temos no horizonte próximo a perspectiva de uma vacina disponível. E se tivermos e quando tivermos, vamos conseguir uma redução da população do carrapato. Eu acredito que essa proteína levará também a proteção dos animais que são utilizados pelo carrapato para se alimentar, como cavalos, e termos uma redução da população de carrapatos que transmitem a bactéria”, disse.

Os próximos passos da pesquisa são confirmar que a alimentação sanguínea é realmente o fator que promove a apoptose pela produção de espécies reativas de oxigênio e, possivelmente, expandir os experimentos para outras espécies de carrapato.

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