Estudantes aprendem que impostos são revertidos em carteiras, giz e merenda

Escola municipal de Aparecida promove aprendizagem e mudanças de comportamento a partir de conhecimento sobre arrecadação e aplicação de recursos públicos

Postado em: 14-11-2023 às 08h30
Por: João Victor Reynol de Andrade
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Escola municipal de Aparecida promove aprendizagem e mudanças de comportamento a partir de conhecimento sobre arrecadação e aplicação de recursos públicos. | Foto: Leandro Braz/ O Hoje

Aos dez anos, João Leandro não sabia, até aquela tarde quente de sexta-feira, dia 10 de novembro, que uma parte do valor que ele paga pelo pacote de bolacha e a latinha de refrigerante no mercadinho em frente à Escola Municipal Nova Olinda, no bairro Nova Olinda, na periferia de Aparecida, é devolvido a ele assim que atravessa a rua, pela faixa de pedestres, e adentra o portão da unidade escolar onde estuda. Essa parte tem nome: tributos, uma fatia que o estado recolhe para transformar em investimentos para a sociedade, como à educação pública. 

Para uma criança do quinto ano, como João Leandro, palavras como contribuição, imposto e taxa soavam estranhas até aquele dia. Dizê-las e explicá-las, no entanto, foi a saída que o diretor da escola, o professor Marcos Acácio, encontrou para conscientizar os alunos sobre o caminho, por exemplo, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) até ao tom da cores dos giz no quadro negro, pintura das paredes e muros, o aroma e o gosto da merenda e ao conforto das carteiras. Ou até mesmo à presença de professores. 

A escola municipal passou por uma reforma e, em junho de 2020, foi reinaugurada de maneira virtual por causa do distanciamento social. O investimento, que englobava várias unidades de ensino, chegou a R$ 10 milhões, para trazer melhoria à educação municipal. 

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Para o jornal O Hoje, o diretor lembra que antes a situação de depredação era desgastante. “A gente ficava apagando ‘incêndios’ e não podendo gastar a verba com outras coisas melhores para os alunos”. 

Por ser uma escola primária, era uma tarefa um tanto complicada trazer a complexidade de informações normalmente debatidas em escritórios contábeis, reuniões de parlamentares e gabinetes da prefeitura para mentalidades infantis. O foco então mais direto e esclarecedor era, com a preservação do patrimônio, mostrar que a economia poderia trazer benefícios como novos brinquedos, melhores salas e um ambiente mais agradável. 

Preocupado com o desleixo dos estudantes com o patrimônio, que, longe da vista de professores, rabiscavam carteiras, pichavam muros e paredes, Marcos recebeu na unidade escolar o coordenador de Educação Fiscal da Secretaria de Economia de Goiás, José Humberto. Durante 40 minutos, o servidor frisou o tanto que é feio estragar a escola. “Quando você chega na escola e quebra carteira, estraga mesa, fechadura, para quem vocês estão dando prejuízo? É para o diretor? É para vocês”, alertou em certo momento. 

José Humberto trouxe advertências e, de maneira didática, dados de quanto é investido de todo o montante arrecadado na educação. Ao menos um quinto do imposto vai direto para ele indiretamente. “De cada 10 reais que você compra, cinco centavos vai pra educação, outro vai para a saúde. A gasolina da ambulância você também paga”. 

O palestrante, com chapéu à cabeça, camiseta preta e crachá da Secretaria de Economia tremulando no pescoço, foi ouvido por cinco salas do quinto ano, em média 50 alunos. Depois de contar à criançada que teve toda a formação escolar em unidades públicas, perguntou: “a gente tem que pagar pela escola?” Um grande “não” ensurdecedor reverberou pelo pátio. 

Logo após, em resposta, o único “sim” de José deixou uns olhares confusos nos ouvintes. “Os seus pais não pagam impostos?”, voltou a indagar e ouviu: “Siiiiim”. Em seguida, explicou: “O dinheiro que seus pais pagam os impostos vai para essa escola, para o salário das professoras”.

Mesmo não conseguindo a atenção unânime, algumas mãos levantaram para fazer perguntas. “O que acontece se eu não pagar impostos?”, pergunta um menino com voz tímida, ao que José responde: “ Você é multado num valor maior que o imposto e o governo pode tomar suas coisas”. E dá a solução: “peguem a nota fiscal”.

 Alguns ficaram atônitos, entre eles, Cauã Victor que, como a maioria, aos dez anos, não sabia nada daquilo. “Sei que imposto é para melhorar a vida”, comentou ele. Mais tarde, quando a equipe do O Hoje perguntou para seu colega João Leandro para que serve o imposto? Respondeu apreensivamente. “Vai pra escola, pra professora e pra gente”, disse o sabido.    

Estratégia é formar contribuintes, mas também fiscalizadores 

Ao fim da palestra, a professora Argemira Fonseca disse que, além da excepcional palestra do servidor da Secretaria de Economia, trabalha o assunto na classe. “[Esse trabalho] é ensino de vida porque a escola tem que ser mais do que ensino educação secular”, diz, cercada pelos alunos. “Esse projeto lida com o ‘ser cidadão’, viver em sociedade, então cumprir com direito e cumprir com o dever [cidadão]”, complementou ela.   

Em seguida, o diretor Marcos Acácio acrescenta: “A gente está conscientizando os nossos alunos e a comunidade sobre a arrecadação dos tributos, a importância de como isso volta para a escola e para outras partes do município”. 

Além disso, destaca o papel democrático da educação, como algo interligado. “[Temos o objetivo] de ter a formação plena do aluno, com consciência, crítico, reflexivo, capaz de mudar a sociedade onde ele está inserido, entendendo o processo de tributação,” relata o diretor.

O coordenador do projeto em Goiás, José Humberto concorda: “O planejamento é além da criança, é incentivar desde cedo como funciona a arrecadação para que ela no futuro se torne um membro até fiscalizador na sociedade dos gastos”. Como afirma, é levar a compreensão dos mecanismos de tributação para que o mesmo se torne um membro ativo na sociedade. 

Além disso, explica que a educação fiscal como plano de governo não é algo novo e sim estabelecido há 30 anos, incluído como lei no estado de Goiás. Cada ano elaborar novos mecanismo e projetos para conscientizar desde os pequenos, adolescentes a adultos de como realmente funciona a tributação. E como, a cada centavo contribuído, vai construindo um mundo melhor: da manutenção da faixa de pedestre em frente à escola, à iluminação do poste, o asfalto e a melhoria da estrutura física da escola e seu papel de construir o futuro.

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