“Pior dia da minha vida”: como mãe busca aliviar a dor da perda do filho

O luto prolongado é preocupante, uma vez que ao não aceitar a partida de um ente querido, o enlutado desenvolve uma série de problemas de saúde, tanto físicos quanto psicológicos, segundo a psicóloga

Postado em: 27-11-2023 às 08h41
Por: Ronilma Pinheiro
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O luto prolongado é preocupante, uma vez que ao não aceitar a partida de um ente querido, o enlutado desenvolve uma série de problemas de saúde, tanto físicos quanto psicológicos, segundo a psicóloga | Foto: Arquivo pessoal

“Com sete dias apenas que havíamos descoberto a leucemia, ele faleceu. Foi o pior dia da minha vida. Era como se o chão estivesse se abrindo diante de mim”, relembra a diarista Josélia Borges, 41, o dia da morte do filho Arthur Diego Borges, de 10 anos.

No dia 11 de julho de 2020, a criança que aparentemente não tinha problemas de saúde, começou a apresentar febre e sangramento nas gengivas. Preocupada, a mãe levou o menino ao hospital para fazer exames de rotina. O diagnóstico foi de LMA M3 – subtipo da leucemia mieloide aguda que tem como principal característica uma maior probabilidade do paciente ter trombose e hemorragia – e naquela quinta-feira, Artur não voltou para casa com a mãe, ele precisou ficar internado no Hospital da Criança, que fica no setor Sul de Goiânia, onde passou seus últimos sete dias de vida.

“Na sexta feira à tarde do dia 16 de julho, o médico deu a notícia de que o meu único filho havia falecido”, conta a mãe que após três anos desde a partida precoce do filho, ainda não consegue levar uma vida normal e já perdeu inúmeros empregos devido às crises de ansiedade e depressão, causadas pela perda.

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O luto é um processo esperado que ocorre com todas as pessoas em algum momento da vida, após uma perda importante. Essa perda pode ser em função de um ente querido, um rompimento afetivo, pela perda da capacidade física ou psicológica, pela mudança de cidade, de casa. “Tudo aquilo que envolve uma transformação na vida da gente leva a uma situação de luto. Não precisa ser necessariamente a morte, mas todas as situações de perda das quais nós temos um vínculo com aquilo que se foi”, explica a psicóloga Célia Ferreira, doutora em psicologia que atua na área de psicoterapia em situações de luto e suicídio.

A especialista divide o luto em quatro fases, são elas: aceitar a realidade da perda; elaborar a dor da perda; se ajustar ao ambiente onde está faltando a pessoa que faleceu; dá continuidade à vida após “reposicionar” em termos emocionais a pessoa que faleceu. A psicóloga destaca que não necessariamente o enlutado precisa seguir essa ordem, mas cada pessoa passa por um processo específico. “Existem pessoas que podem caminhar em certa direção e depois voltar a sentir emoções, que pelo tempo esperaria que já tivesse sido resolvido”, pontua.

Humano

Apesar do luto ser um processo natural para a humanidade, existem situações e sinais que o enlutado apresenta em alguns casos, que podem ser preocupantes, segundo Célia. Isso acontece quando a pessoa que perdeu um ente querido, por não viver o luto de forma “adequada”, consequentemente instala o chamado “luto crônico”. “Esse caso acontece quando o indivíduo reprime as emoções e retarda o sofrimento, o que também pode ser caracterizado como a negação, quando a pessoa não aceita a morte”, explica.

Ao não aceitar a partida de um ente querido, o enlutado desenvolve uma série de problemas de saúde, tanto físicos quanto psicológicos, uma vez que há um desgaste emocional muito grande. “A pessoa precisa passar pelos processos normais de luto, como chorar, se revoltar, ficar triste, às vezes ter problemas para se alimentar ou para dormir”, detalha. Segundo a especialista, quando a pessoa deixa de viver essas fases, é preocupante, uma vez que quando se ignora esses processos, essas emoções, consequentemente, não passam.

Célia relaciona o não luto à cultura neoliberal, onde precisa-se sempre produzir e dar resultados, deixando de lado as emoções humanas já que não há tempo para parar, fazendo com que a sociedade muitas vezes não legitime a dor da perda e consequentemente o processo pelo qual enlutado está passando. “Por exemplo, uma pessoa perde alguém no fim de semana e três dias após ela volta ao trabalho.  As pessoas nesse local acham que está tudo bem, mas na verdade isso não quer dizer que ela está num processo de luto tranquilo”. Segundo  a psicóloga,  muitas vezes essa pessoa evita demonstrar e acaba não legitimando as dores e os sentimentos decorrentes desse momento na vida.

Culpa

Outra situação que pode levar ao adoecimento em decorrência do luto, é quando o indivíduo se sente responsável pela morte do ente querido. Esses casos são frequentes em sitações de suicídio, segundo Célia. “Ela acha que poderia ter feito algo que poderia ter dado uma assistência melhor, ter levado em outro médico ou que poderia ter feito algo que pudesse impedir a morte daquela pessoa”. O sentimento de culpa, em muitos casos leva o enlutado a episódios depressivos e até causar outras enfermidades psicológicas e físicas. Essas pessoas têm mais dificuldades para retomar a vida na sociedade e evitam encontrar pessoas que possam perguntar acerca da morte do parente, segundo a especialista.

A perda de alguém amado, faz com que nos sintamos inseguros quanto aos conhecimentos sobre a vida. Nos sentimos incapazes. É um mundo novo e desconhecido. Desse modo, é necessário ter um apoio psicológico mais direcionado para poder voltar à vida de uma forma mais positiva e não fazer algo só porque é obrigatório, é o que orienta a psicóloga.

“Quando uma mãe perde um filho único, ela perde a vontade de viver”, diz psicóloga

Sorriso era a marca de Arthur Diego, que morreu aos dez anos, deixando um vazio em casa e na escola em que estudava | Foto: Arquivo pessoal

Segundo a psicóloga Célia Ferreira, quando uma mãe perde um filho, ela fica sem respostas para a própria existência. Essa mulher faz inúmeros questionamentos e um deles é:  “o que eu sou agora, não sou mais mãe?”. Quando se tem apenas um filho essa situação é ainda mais delicada e muitas vezes essa mãe perde até o desejo de viver. “Ela não sente mais uma expectativa de construir sonhos, porque quando se perde um filho, se perde, eu diria, a noção de futuro”.

É comum criar expectativas sobre a vida de um filho, como querer vê-lo crescer, ir para escola, passar pela fase da adolescência, fazer faculdade, ficar adulto, casar e formar uma família. Quando esse ciclo é interrompido, essa mãe ou pai, perde a expectativa de futuro. Perder um filho é diferente de perder um pai. “Quando perdemos nossos pais, nós perdemos uma parte de nossa história, que ficou lá com essas pessoas queridas, a nossa história fica alterada. Mas uma mãe, quando perde um filho, perde a noção de futuro”, explica.

Na maioria dos casos, essa mulher irá precisar de auxílio psicológico com um profissional, para conseguir voltar a ter uma vida normal. “É uma pessoa que precisa de um suporte, não só de amigos ou de familiares”.

A psicóloga afirma ainda que o luto de um filho pode interferir na vida do casal, que é diretamente afetado com a morte daquele sonho interrompido. “O casal pode ser tão afetado com a morte do filho, que muitas vezes ocorre uma separação, porque é insuportável os sentimentos que eles têm”, afirma. Isso se dá, porque muitas vezes a perda gera um bloqueio na comunicação dos cônjuges e consequentemente eles acabam se afastando e posteriormente, rompem os laços matrimoniais. 

Esse foi o caso de Josélia Borges. A perda do filho e a não aceitação da morte por parte do marido levou o casal a um fim inesperado, o divórcio de um casamento de mais de 17 anos. “Ele disse que era impossível continuar morando na casa em que viveu por 10 anos com o filho. Certo dia saiu de casa para trabalhar e não voltou mais”, relembra o último dia em que viveu com o marido.

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