A hora e a vez dos consertos

Comerciante diz que a procura por conserto ‘das coisas’ cresceu devido à crise

Postado em: 29-09-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Comerciante diz que a procura por conserto ‘das coisas’ cresceu devido à crise

O comerciante Joaquim de Souza informa que a procura por conserto de panelas cresceu nestes últimos anos (Wesley Costa)

Raunner Vinícius Soares*

Em meio a crise, o goianiense tem optado por consertar os utensílios domésticos ao invés de comprar novos. Os consertos mais comuns no Mercado de Campinas, por exemplo, são os de panelas e os de liquidificadores, que estragam, segundo o piauiense Joaquim de Souza Oliveira, comerciante há 57 anos no local, porque as pessoas não têm cuidado.

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Joaquim conserta panelas de pressão e panelas comuns, fala que antes de falar dos consertos, primeiro, tem que explicar que quando chegou em Goiânia, foi a Universidade Católica marcar um teste vocacional para o seu cunhado. E ficou um tempo conversando com a moça que o atendeu aguardando uma terceira pessoa dizer o horário e o dia do teste. “Falei para ela que se fosse jovem, e eu fosse estudar, gostaria de fazer um teste desse”. Ela disse, não sou eu que faço o teste, mas para uma coisa eu sei que o senhor não dá. “Para que filha? [eu disse]. Ela: para comércio. E eu disse para ela: não faz assim comigo, do quê que eu vou viver, se eu vivi até agora do comércio.”

Então, o comerciante fala que frequenta a Associação Logosófica que é uma instituição, uma escola, diferente da escola de medicina, porque, segundo ele, a medicina nos ensina a conhecer o outro e a logosofia ensina a conhecer a si mesmo.“Comecei a me observar e constatei que a ‘mocinha’ [do teste vocacional] estava certa, porque eu fico feliz: não com o lucro da mercadoria que eu vendo, mas, na verdade, fico feliz quando tenho a mercadoria que o freguês precisa”, explica. Portanto, Joaquim começou a consertar as panelas pela própria necessidade dos clientes.

O comerciante informa que a procura por conserto de panelas cresceu nestes últimos anos devido à crise e, segundo ele, um dos principais problemas é que a panela de pressão não é uma tradição dos brasileiros, é uma coisa nova, e a maioria das pessoas, dos compradores de panelas de pressão, não sabem como usar. “Este mau uso é que causa defeitos nas panelas e eles trazem para corrigirmos”, pontua.

Joaquim Oliveira relata que quando o cliente traz a panela ele pergunta, “de que a panela se queixa? [risadas]”, “qual é o defeito da panela?”. Assim, segundo ele, o cliente diz o defeito e Joaquim encaminha a panela para o mecânico e ele corrige o defeito. “A maior dificuldade do consumidor, do dono da panela, é que ele tem pressa para cozinhar, usando fogo alto. O certo é usar o fogo baixo, que cozinha no mesmo tempo e gasta menos gás. Muitas famílias têm a primeira panela de pressão e não tem o costume de usá-la.”

O piauiense diz que no Mercado de Campinas, quando começou (há 57 anos), tinha umas quarenta portas, eram todas mercearias, todas vendiam arroz e feijão. “Confirmando a suspeita da universidade, eu vi que para concorrer com os outros, que vendiam arroz e feijão, passei a vender a panela e vendendo a panela, precisa dos outros componentes da cozinha, e vendendo a panela era preciso corrigi-la. Então, começamos a consertá-las.” O comerciante fala que os fregueses vinham e falava, “minha panela está com defeito, quem é que conserta?”. Logo ele pensou, “vamos consertar a panela.”

Liquidificador

O mesmo acontece com o comerciante de consertos de liquidificadores, Siron José de Siqueira. Ele explica que é um bom ramo. “Sai muito mais barato do que comprar um novo e a confiança manda muito, porque, no geral, o cliente já confia e gosta do produto, então ele prefere consertar”, relata Siron.

Ele fala que trabalha no mercado desde os 9 anos de idade e hoje tem 54, ou seja, 45 anos de muito trabalho duro. “Estou aqui há uns ‘janeirinhos’ [risadas]”. Quando Siron entrou no Mercado de Campinas trabalhou numa banca de verduras, depois foi lavar carros na porta do Mercado e agora está consertando os liquidificadores.

O comerciante fala que a demanda pelo serviço está muito grande. “Preferi ficar quieto e mexer com isso. E quando você é um funcionário, demora 30 dias para receber o meu salário, e aqui eu recebo na mesma hora. Não passo cartão e nem trabalho com cheque. ‘Pegou e pagou’ e vai para sua casa”, explica o comerciante.  

O comerciante que fugiu da seca e encontrou prosperidade em Goiânia 

Joaquim de Souza Oliveira conta que decidiu sair do Piauí porque, segundo ele, quando via um jornal de nível nacional, eles davam a previsão do tempo e estava sempre seco por lá. “Vejo o meu Estado no mapa em amarelo, que significa seca, quer dizer que não chove. Portanto, foi a seca, a falta de chuva, a falta de oportunidades que me fez vir para Goiás quando eu tinha uns 20 anos”, relata o comerciante.

Joaquim diz que não foi fácil, mas antes de vir para Goiás, estava no Rio de Janeiro. “Lá no Piauí eu trabalhava em serviços braçais, serviço de roça, para comprar o uniforme, o lápis e o caderno. O estudo era muito caro para mim, em consequência eu procurava  aproveitar bem as aulas e no segundo, terceiro e quarto ano, fui o primeiro da classe e a vaidade, tendo uma irmã morando no Rio de Janeiro, pensei que encontraria um ambiente igual, no qual pudesse trabalhar e pagar a escola.”

O piauiense chegou no Rio de Janeiro com o quarto ano do primário completo e só poderia se submeter há trabalhos que pagavam salário mínimo, porém, segundo ele, tinha que pagar uma pensão e, também, a própria alimentação. “Acabei enfraquecendo e o médico que me tratou disse, ‘olha, ou você trabalha, ou estuda. Não pode fazer as duas coisas”, explica.

Logo o comerciante relata que pensou, “se é para trabalhar, eu vou para Goiânia.” Ele não conhecia ninguém de Goiânia. No entanto, o mesmo médico disse, “você tem que ir, na verdade, para Anápolis.” Chegando lá, tinha um gerente de um empresa aérea que era amigo desse médico e que ele devia muitos favores há esse médico.

Este gerente tinha uma máquina para beneficiar arroz em Ceres, que na época se chamava Colônia Agrícola, dirigida pelo Bernardo Sayão, que foi um Engenheiro Agrônomo do Ministério da Agricultura. Lá em Ceres, um outro patrão, não era o mesmo, resolveu comprar um posto de gasolina em Anápolis. Então trabalhava no posto e tinha um salário e o patrão devia muito para o banco. 

Então o comerciante combinou com o patrão para comprar o posto para pagar as dívidas no banco. “O gerente do banco me emprestou o dinheiro para comprar o posto do patrão. Pedi 50 mil cruzeiros eles me emprestaram. Arranjei um avalista. Fui ao banco no outro dia depois de ter feito o negócio buscar o dinheiro, mas chegando lá o gerente disse, ‘este mês não estamos emprestando mais, porque fechou a carteira de empréstimo, só depois do dia 15 do mês que vem.”

No outro mês, Joaquim foi no banco e eles falaram, “não, não abriram ainda para  empréstimos. Só depois do dia primeiro do outro mês.” Depois disso o comerciante foi novamente ao banco e eles não emprestaram. “Não fui mais no banco, porque eu vi que ele não queriam me emprestar o dinheiro. Então, trabalhei dia e noite como frentista, como borracheiro, todos os serviços. Depois, economizei então comprei.”

Em seguida ele vendeu o posto e veio para Goiânia, onde comprou a loja no Mercado de Campinas. Hoje, vendendo e consertando panelas em sua loja há 57 anos, fez uma casa para morar, comprou uma chácara e um carro. “E até hoje consertar e vender panelas parece um ótimo negócio”, diz. (Raunner Vinícius Soares é estagiário do jornal O Hoje sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian) 

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