Um pacto de fãs para fãs

O selo goiano Mandinga Records faz somente discos de 7 polegadas e investe em itens de colecionador para bandas brasileiras e gringas

Postado em: 02-02-2016 às 00h00
Por: Redação
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O selo goiano Mandinga Records faz somente discos de 7 polegadas e investe em itens de colecionador para bandas brasileiras e gringas

José Abrão

Muita gente diz que o mercado musical em mídia física morreu junto com os CDs, mas a cada dia mais pessoas nadam na direção contrária, revivendo a era do vinil. Não apenas consumindo música dessa forma, mas lhe atribuindo um novo significado: você pode ter 20 mil canções no seu computador e outras 500 no celular, mas em vinil, você só vai ter as suas bandas e discos favoritos. Partindo daí, muitas gravadoras e bandas têm investido em formatos diferenciados ou de luxo, como, por exemplo, a gringa Mastodon, que investe pesado na arte dos seus encartes e em bolachões coloridos.

Pensando nessa nova ideia de qualidade e consumo, surgiu em Goiânia o selo Mandinga Records, especializado não apenas em vinil, mas em um tipo muito específico de vinil: os compactos de 7 polegadas. Para não instruídos na arte da antiga mídia, os discos vêm em três tamanhos: o LP (long play) geralmente usado para álbuns completos, o EP (extended play) curto demais para ser um álbum, mas maior que um single, e o single (ou compacto), geralmente com espaço para três ou quatro músicas. Embora no mercado musical o jargão e definição de EP e single continuem sendo usados, na época do vinil a coisa era mais séria, pois o espaço do disco limitava muita coisa.

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A Mandinga foi criada por Pedro Rabelo, da banda goiana Bang Bang Babies. Ela surgiu em 2014 após ele passar anos fascinado em vinis. A banda, inclusive, gravou em vinil em 2011 o EP Natural, lançado pelo selo Tosco e prensado na República Tcheca, abandonando o CD, usado em seus dois trabalhos anteriores. “Estamos na ativa desde 2006, né? A gente começou a ficar aficionado por vinil em 2011, e em 2014 estávamos com dificuldade de fazer o disco do jeito que a gente queria. Então eu pensei: por que não abrir meu próprio selo?”, disse Rabelo.

Depois de gravar o compacto da própria banda, ele percebeu que não existia um selo para isso. Quem quisesse lançar um compacto tinha que se virar. “Vi que não tinha isso no mercado, que quem fazia lançamento em compacto fazia sozinho, algo bem punk, bem ‘faça você mesmo’. Então eu criei o selo para fazer o disco do Bang Bang Babies e decidi continuar fazendo com bandas que eu gosto”, conto.

O primeiro trabalho para fora foi com o pessoal da banda Jazz Beat Committee, de São Paulo. “O pessoal da Jazz já tinha intenção de lançar o material deles desde antes. Aí eu falei com eles, a gente trocou uma ideia e eles ficaram interessados. A gente dividiu os custos e foi bom para eles e para nós. Eles conseguiram o produto que queriam e nos ajudaram a divulgar a mar­ca”, falou Rabelo. O pessoal da banda também ficou bem satisfeito. “O Pedro chamou a gente para prensar esse EP, fazia uns meses que tínhamos lançado na net e ele teve a idéia de por tudo em vinil. Aproveitamos a opor­tunidade para fazer uma turnê de lançamento assim que o vinil ficou pron­to. Fomos para Brasília, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, entre outras cidades”, disse.

A banda, inclusive, é composta por amantes do vinil. “Todos os membros da banda tocam em outros projetos que frequentemente lançam material em vinil. Esse é o formato preferido no nosso meio do ga­ra­ge rock, blues, punk e afins. Todos nós da banda colecionamos vinil”. Para eles, lançar em bolacha não é uma excentricidade. “Eu não vejo o vinil como algo peculiar, esse formato é bem comum para amantes da música e músicos. O mercado de vinil tem crescido em todo o mundo e as bandas vão continuar prensado vinil enquanto tiver fãs comprando”.

O mesmo vale para os caras da banda Drakula, também de São Paulo, que lançou material pela Mandinga. “Todos nós do Drakula somos colecionadores de discos. Sempre foi um sonho lançar material da banda em vinil. Em 2011 reunimos quatro selos e lançamos o EP 7 polegadas Vilipêndio a Cadáver, com 300 cópias numeradas e em pouco tempo vendemos toda a tiragem. Em 2015, já com as músicas do Death Surf prontas, resolvemos ampliar as parcerias e o número de cópias, prensamos 400 unidades e convidamos ao todo seis selos para o projeto. Um deles foi a Mandinga. Conheci o Pedro exatamente através de um compacto do Bang Bang Babies, e desde então começamos a nos falar pela internet e entre uma conversa e outra fechamos essa parceria”, contou o guitarrista Renan Fattori. 

Ele acredita que há algo muito especial no vinil que o faz favorito entre músicos e fãs. “Além da sonoridade única, acredito que o vinil resgata o momento de ouvir música, ler o encarte, conferir todos os detalhes das fotos e desenhos, uma obra de arte para fãs de música que aos poucos monta sua coleção com suas bandas favoritas”. Rabelo diz o mesmo. Ele compara o vinil com uma pizza. “Você pode comer algo feito ali, rapidão, quase instantâneo, ou pode sen­tar e esperar uma bela pizza assada no forno à lenha. A ideia não é a praticidade, é fazer algo bem feito, diferente. É fazer al­go alternativo que, co­mo o vinil, pode até durar para sempre. Isso é que é legal”.

O motivo para fazer ape­nas os discos de 7 polegadas, e não o LP, é para executar algo único, exclusivo. “Fa­zemos só o compacto de 7 polegadas, só o single. Esse é o nosso diferencial. Ele não é um formato comercial, ele é mais um artigo de colecionador, tanto que só fazemos 300 cópias. Por isso e para limitar o custo. O LP é mais comerciável, mais viável como um álbum completo. Até pensamos em lançar um álbum em LP, mas aí ele será feito por outro selo e não pela Mandinga”, explica Rabelo. Ele continua, dizendo que é um formato muito popular entre bandas independentes: “Há um diálogo entre fãs no mundo inteiro desse formato. A gente fechou com uns caras de fora, da África do Sul, que já divulgaram o som deles na Europa e tal. Mandei nosso som para eles, eles divulgaram, conversamos muito, falei sobre o compacto e era do jeito que os caras queriam. Eles já estavam com material pronto, repassaram para nós e em coisa de duas semanas já estava tudo pronto, tudo planejado e acertado. É a facilidade da inter­net (risos)”.

A banda em questão é a Dyna Jets. Ela lançou seu single The Calling com a Mandinga. Pedro entrou em contato com o vocalista Johnny Tex quando ele ainda tocava na banda The Future Primitives. “Eu e o Pedro mantivemos contato. Escolhi fazer no formato de single e EP porque as músicas são enérgicas e curtas, mui­tas com menos de dois minutos. É um material curto, fácil de digerir. Acaba tão rápido que a pessoa quer ouvir de novo”, disse Tex, que considera um compacto uma forma especial de gravação. Atualmente, a Mandinga está trabalhando para lançar o single de uma banda de Porto Rico, chamada Los Vigilantes. “Foi igual ao Dyna Jets. Eu dei a ideia nos caras e eles já estavam com o material pronto, com quatro faixas, e já mandaram pra gente”, conta Rabelo.

Segundo ele, só tem um problema: o frete. “Es­te é um dos maiores problemas, o nosso correio é muito caro e demorado. Ainda mais para fora. Eles sempre ficam muito chocados com o preço do fre­te”. Johnny Tex, que teve que importar os 300 discos para a África do Sul, concorda, mas acredita que vale a pena. “Sim, ainda vale muito a pena. E o Pedro dividiu os custos, então foi muito gentil da parte dele”. Rabelo diz que está procurando uma entregadora. “Queria ter um contato melhor de distribuição, mas mesmo com o frete alto a galera compra. Os fãs são muito dedicados”, conta. 

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