A mulher que nunca precisou de homens

A DC Comics acaba de lançar trailer do filme Mulher Maravilha, com estreia prevista para junho de 2017

Postado em: 27-07-2016 às 09h00
Por: Sheyla Sousa
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A DC Comics acaba de lançar trailer do filme Mulher Maravilha, com estreia prevista para junho de 2017

Elisama Ximenes

Durante a valsa, ele olha em seus olhos e confessa: “Não posso deixar você fazer isso”. “O que eu faço não tem a ver com você”, ela rebate, irredutível, olhos nos olhos. Este é um dos diálogos do trailer de Mulher Maravilha, lançado no último fim de semana. A prévia era a única não tão esperada pelas fãs da editora estadunidense DC Comics, por isso, surpreendeu. O filme é dirigido por Patty Jenkins e estrelado por Gal Gadot. A amazona representa um paradoxo de conquista e retrocesso da representatividade da mulher nos quadrinhos. Por ser uma protagonista de sua história, que não tem a imagem ligada diretamente a um homem, a existência da Mulher Maravilha é uma vitória para as mulheres. Por outro lado, o desenho sexualizado de seu corpo, nos quadrinhos e desenhos animados, reforça a objetificação da mulher.

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De acordo com as dicas que o trailer dá sobre o filme, que deve ser lançado no ano que vem, o enredo parte do primeiro contato de Diana com homens. A partir daí, a amazona sai do seu universo das Amazonas para o mundo que conhecemos, onde há a presença masculina. É nessa transição de realidades que Diana passa a ser a Mulher Maravilha ou, como no original, Wonder Woman, com um ‘W’ bem marcado no peitoral de sua roupa. No dia 8 de dezembro deste ano são comemorados 75 anos desde a sua criação. E, desde então, algumas características marcam a identidade da heroína em seus fãs, dentre elas, a superforça, as habilidades super-humanas, o avião invisível e o laço.

Para além da estética, o papel de Diana na Terra é pautado pela verdade e pela Justiça. Pensando só por esse lado, a alusão ao Super-Homem, super-herói mais aclamado da DC, seria fácil de ser feita. No entanto Diana tem um diferencial que é crucial para a construção da sua figura heroica, que é a luta antipatriarcal. E, no trailer, isso fica bem marcado no diálogo destacado no primeiro parágrafo deste texto. Neste sentido, a criação desta personagem foi crucial para a ressignificação da figura do herói nos quadrinhos, que era centrada no ideal masculino com músculos exaltados e desproporcionais. 

Mais que uma amazona, Diana é a princesa das Amazonas da Ilha de Temíscira, porque é filha da rainha Hipólita. Sua missão no mundo dos homens é de estabelecer a paz a partir da defesa da verdade e da vida na luta entre os mortais e os deuses. Isso porque a existência das amazonas está diretamente ligada à mitologia grega. A justificativa para concepção apenas de mulheres em seu universo é porque elas teriam ganhado a vida graças a Zeus. Por isso, considerando que a única função crucial dos homens na vida das mulheres é de reprodução, as Amazonas não têm a necessidade de que homens participem de sua comunidade. Mais um fator de empoderamento feminino levantado mesmo que na esfera da mitologia e dos quadrinhos.

Se hoje o número de mulheres heroínas aumentou nos quadrinhos, apesar de não ser maioria, é por causa da criação da Mulher Maravilha. Apesar da preservação da essência da personagem, ao longo destes 75 anos, a heroína evoluiu e passou por mudanças. A sua importância para a DC foi tamanha que, hoje, é considerada parte da trindade da editora. Dessa trindade, fazem parte ela, Batman e o Super-Homem. Dentro dessa lógica de trio, muitas vezes, a heroína funcionou como apaziguadora entre os dois heróis na Liga da Justiça.

Apesar de ser tão representativa de uma luta antipatriarcal e antimachista, a história de sua criação é, constantemente, marcada por um machismo velado. Isso porque, apesar de a Mulher Maravilha ter sido uma ideia de Elizabeth Holloway Marston, sua criação é creditada, unicamente, ao seu esposo Dr. William Moulton Marston. De fato, quem pensou em criar um super- herói com as características da Mulher Maravilha foi o homem. De acordo com documentos, a ideia do psicólogo era criar uma figura que fosse pautada pelo amor. É aí que entra a esposa com a ideia de personificar essas características em uma mulher. Os dois, então, juntos, desenvolveram Diana.

A sua ida para os Estados Unidos ocorre, porque uma das amazonas teria a missão de levar Steve Trevor, piloto da força aérea americana que caiu na Ilha do Paraíso, de volta ao seu país. Para isso, a rainha promoveu uma série de provas, e a vencedora seria a responsável pela missão. A princesa foi proibida de participar pela mãe, mas se disfarçou e ganhou as provas. Diana parte, então, para a missão e se apaixona por Steve. O nome Diana Prince foi apropriado pela Mulher Maravilha como disfarce no mundo dos homens: com a identidade secreta, passava por enfermeira da força aérea americana. 

Em 1968, sua história sofreu mudanças. Com a comemoração do 10.000º ano das Amazonas na Terra, as mulheres tiveram de voltar para outra dimensão, onde reporiam suas forças. Diana, no entanto, recusou-se a ir, perdendo seus poderes e afastando-se da Liga da Justiça. O que a motivou a ficar foi a vontade de limpar a imagem de Steve, que teria sido acusado de alta traição pelos Estados Unidos – o que, trazendo para a realidade fora dos quadrinhos, pode representar uma metáfora às relações abusivas em que a mulher tem de recusar o crescimento pessoal em detrimento à manutenção de um relacionamento.

Nessa lógica, Diana ganha um perfil mais próximo ao da humanidade, e é com essas características que estrelou o seriado As Aventuras de Diana. Com a morte de Steve, a heroína conhece um mestre japonês que a ensina artes marciais. E é dessa maneira que a Mulher Maravilha segue em sua missão de paz, mas sem os braceletes e demais acessórios costumeiros, sem falar da superforça. Em 1972, a editora da  revista feminista Ms. Magazine, Gloria Steinem, indigna-se com a perda de poderes da personagem e publica uma capa da heroína com seus trajes originais. Com isso, a DC se vê obrigada a devolver os poderes para Diana. Para não retomar a figura anterior do nada, a editora faz com que as amazonas retornem à Terra, arrependidas de terem deixado o planeta, e, assim, Diana recupera seus poderes.

De fato, com a história de altos e baixos da personagem, tanto no âmbito da ficção, quanto na sua construção que extrapola os quadrinhos, contribuiu para que mulheres fossem vistas como super poderosas. A figura da donzela em perigo, obrigatória nas histórias de quadrinhos masculinos, não seria possível existir aqui. Ainda mais que estamos falando de uma super-heroína construída em um período extremamente heteronormativo. Na lógica do universo de Diana, quem está em perigo são os homens, que precisam das mulheres amazonenses para o estabelecimento da paz, da verdade e da Justiça. Se for analisar a lógica dessa necessidade, dá para entender que os problemas do mundo estão, justamente, ligados à lógica patriarcal em que está inserido. O problema da Terra é a dominação desigual masculina. Com isso, a única saída é trazer mulheres fortes e poderosas para uma reversão da situação, já que o mundo patriarcal não é suficiente.

 

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