Eles vieram para ficar: para o bem e para o mal

Menos de um mês desde a chegada do aplicativo ‘Pokémon Go’ no Brasil, e a batalha entre os que são a favor e contra o jogo segue acirrada nas mídias sociais

Postado em: 27-08-2016 às 06h00
Por: Toni Nascimento
Imagem Ilustrando a Notícia: Eles vieram para ficar: para o bem e para o mal
Menos de um mês desde a chegada do aplicativo ‘Pokémon Go’ no Brasil, e a batalha entre os que são a favor e contra o jogo segue acirrada nas mídias sociais


Elisama Ximenes

Na infância de quem foi contemporâneo ao desenho Pokémon, ansiava-se pela hora em que o anime japonês passava. O horário das 11h15 era esperado para mudar para a Record, quando a Eliana apresentava o desenho que conquistou as crianças dos anos 1990. Hoje, transformados em adultos, eles não precisam mais de hora marcada para visitar o mundo Pokémon. Com o recém-lançamento do aplicativo Pokemón Go, basta alguns cliques no celular, e, pronto: que comece a caçada aos monstros. 

O jogo foi lançado no Brasil no último dia 3 de agosto, e divide opiniões. Enquanto uns acharam a ideia genial e, como a espera pelo desenho televisivo, ansiaram pela chegada do aplicativo ao Brasil, outros acham a ideia alienante. Há ainda os religiosos que, tal qual na época do auge da animação, acusam o poder demoníoco do jogo. Como tudo o que viraliza, o jogo tem suas vantagens e desvantagens. O fato é que, desde sua chegada, não se houve falar em outra coisa.

Continua após a publicidade

Quem passa pela Praça Universitária, não importa a hora, encontra aglomerados de pessoas andando, para lá e para cá, com sua cabeças baixas, concentrados na tela do celular e o polegar pronto para engatilhar quando aparecer um Pokémon para captura. Já foi apurado que o aplicativo é mais usado que o Twitter e o Tinder.

Fora de Goiânia, é comum que os pontos principais de encontro dos jogadores sejam em praças ou locais públicos. Isso porque é uma característica das pokestop estarem localizadas em pontos históricos e culturais das cidades. Pokestops são pontos no mapa que guardam variedades do jogo para coletar. Nelas, é possível encontrar pokebolas, Pokémons, incensos, ovos etc. Mariana Damasceno, 17, conta que há uma pokestop na própria escola. No entanto ela conta que não houve muita mudança na rotina escolar. “Já era proibido utilizar o celular nos intervalos entre as aulas, só somos autorizados no intervalo mesmo”, conta.

Apesar de não ter assistido ao desenho na época em que era transmitido na TV aberta, Mariana acompanhou o anime japonês mais recentemente. Quanto à própria rotina, ela conta que não houve grande mudança. “A única coisa é que antes meu celular ficava desligado pela manhã, e agora eu deixo ligado”, relata. Mariana checa o aplicativo a cada uma hora, mas, mesmo assim, está em segundo lugar na lista de mais acessados pela estudante no celular; o spotify está em primeiro.

O psicólogo Danilo Suassuna explica que o que atrai no jogo é o fato de se tratar de uma realidade aumentada. “Essa geração não tem mais a noção de do que é real e do que não é real, não há mais a diferença on e off”, explica. Por isso que as crianças têm mais facilidade para lidar com as novas tecnologias. “A criança não compreende que existe o ligado e o desligado”. A vantagem, para ele, é justamente o fato de o aplicativo possibilitar que as pessoas desloquem-se de casa e, dessa maneira, saiam de trás do computador. “Agora, os jogadores estão tomando sol, interagindo com o meio ambiente, mesmo que com o intermédio da tecnologia”, opina. Segundo ele, a interação com o ambiente, antes, tinha um outro significado, era a interação pela interação, agora, há o intermédio da tecnologia que mistura o existente com o não existente.

Mariana conta que não está saindo mais de casa devido ao jogo, porque o fato de ser menor de idade não a permite sair muito. Já a cientista social Lídia Freitas relata que um dos maiores impactos do jogo em sua rotina é a motivação a sair mais de casa. “Eu saio e ando muito mais; tenho frequentado muito mais praças e ruas próximas à minha casa e até ido para outros bairros nos fins de semana”, relata. Além disso, Lídia conta que os momentos em que está em movimento são os preferidos para jogar. “Eu estou sempre jogando quando estou caminhando na rua, dentro do ônibus ou passando por um lugar diferente. Isso geralmente em espaços externos. Em espaços fechados, não há muita necessidade de jogar, porque os Pokémons raramente aparecem quando vc está parado ou não está ao ar livre”, opina.

A questão da mobilidade possibilitada pelo jogo foi um instrumento de ajuda para Adam, um adolescente britânico de 17 anos, que é autista. O autismo é um distúrbio que afeta a interação social, a comunicação e o comportamento do indivíduo. Adam descarregava as consequências do distúrbio em jogos. A mãe conta que o garoto passou cinco anos, sem sair de casa, jogando Minecraft, o jogo mais famoso até a chegada do Pokémon Go, e que se trata de uma espécie de Lego digital que permite ao jogador construir mundos virtuais. Antes de Pokémon Go, Adam tremia, passava mal e sentia dores de estômago quando tinha que sair de casa. O trânsito de pessoas e a mistura de barulhos o atordava.

“O jogo tem de ter horários e ser utilizado a seu favor” 

Lídia conta que usar o aplicativo a ajudou, inclusive, a interagir com outras pessoas. Os idosos que frenquentam as praças a que vai capturar pokemons tornaram-se seus amigos. “Já sei o nome de vários, porque sempre vou lá no mesmo horário. Esses dias o senhor que é gari e varre essa praça e a minha rua começou a conversar comigo, lá na Praça, sobre Pokémon e contar da vida dele, e ficamos conversando por 40 minutos”, conta. Segundo ela, sem o jogo, nos dias atuais, ela nunca ficaria 40 minutos conversando com alguém na rua e talvez não conhecesse o senhor que varre a rua de sua casa há 30 anos. Com os grupos no WhatsApp e os diálogos criados devido ao jogo, conheceu, inclusive, seus vizinhos. 

No entanto as críticas à suposta alienação provocada pelo uso do jogo são inúmeras. O psicólogo Danilo Suassuna explica que o problema não é o fato de o jogo levar a pessoa para outro mundo, mas sim o usuário morar nesse mundo. “A alienação não é provocada somente pelo Pokémon; as novelas e WhatsApp também levam a pessoa para outra realidade”, exemplifica. Ele utiliza o próprio Waze para dar esse exemplo. O aplicativo de trânsito que funciona como GPS que identifica radares a prevê engarrafamentos também mexe com esse recurso de realidade aumentada. Para ele, o cuidado que se tem que ter é de impor limites, como todos os artifícios que podem alienar. “O jogo tem de ter horários e ser utilizado a seu favor”, aconselha. Danilo alerta que de nada adianta o pai tirar o filho do jogo, mas continuar mexendo no WhatsApp da mesma maneira alienada. “Eu não acho o jogo mais ou menos alienante do que qualquer outra atividade de lazer. Beber não seria alienante? Jogar futebol não seria também? Não vejo diferença”, opina a estudante de Ciências Sociais.  Segundo o psicólogo pode, ainda, existir uma rejeição ao jogo pelo fato de a pessoa não se sentir boa o suficiente e, para isso, é preciso haver um amadurecimento para evitar a furstração. Já os críticos que nunca jogaram com o aplicativo são lidas pelo psciólogo como falta de conhecimento, porque, para ele, é preciso entender que, como tudo na vida, existem lados positivos e negativos.

O fato é que as críticas ao jogo ainda têm resquícios daquelas feitas à animação na época de sucesso do desenho. As pessoas ainda acreditam que os monstros do jogo podem causar distúrbios na mente das pessoas, interpretados pelos religiosos como ações do demônio. Um post no Facebook atribuía a “satanás” o fato de jovem ter um ataque epiléptico enquanto caçava os monstros. Atribuído ao possível lado obscuro do jogo, também, foi o fato de um casal ter deixado o filho de 2 anos, sozinho em casa, para jogar Pokémon Go (nos Estados Unidos). Para o psicólogo, esse último caso tem mais a ver com uma questão de valores. “Teve o caso do pai que deixou o filho no carro para correr para uma reunião, então não é uma coisa exclusiva do aplicativo”, para ele, a responsabilidade é da pessoa e não do jogo. 

Outra crítica que aparece é a possibilidade de o jogo fazer o mapeamento da casa dos jogadores. Isso porque, ao procurar pelos monstros dentro da residência, empresa ou outra instituição privada, o aplicativo adquire uma foto do local, por meio da câmera e, ainda, o som do local, já que é permitido o acesso ao microfone do dispositivo. Essa possibilidade, no entanto, já estava nos termos de aceite de aplicativos como o Instagram. O que mais assustam aqueles que acreditam que se trata de uma estrategia de espionagem é o fato de que o dono da empresa criadora do jogo já recebeu fundos da CIA – agência de espionagem do governo estadunidense. 

Veja Também