Desordem e progresso

‘3%’: a primeira série brasileira da Netflix tem seus erros, mas consegue superar as expectativas

Postado em: 08-12-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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‘3%’: a primeira série brasileira da Netflix tem seus erros, mas consegue superar as expectativas

NATÁLIA MOURA 

Muito tem se falado sobre a primeira série brasileira da Netflix, 3%. Algumas pessoas acreditam que ela não atingiu as expectativas, outras já acharam a nova trama maravilhosa. Eu faço parte da segunda opção, e antes que você me julgue por isso eu vou explicar por quê. A série, de oito episódios, realmente peca em alguns aspectos, mas, quando analisamos o todo, percebemos que 3% é uma série vitoriosa. E essa vitória não é só da produção em si, é de todo roteirista e diretor de séries brasileiro. Ter uma série brasileira produzida pela Netflix gera visibilidade para outras produções do País, e isso é fantástico. 

Saindo do geral e indo para o particular, a série se passa em um futuro pós-apocalipto em que a sociedade é divida em dois grandes blocos: o lado de cá, onde 97% da população vivem em extrema pobreza, e o Maralto, onde os 3% “escolhidos como melhores” vivem no luxo com tudo do bom e do melhor à disposição. Para fazer parte dos 3%, ao completar 20 anos todo mundo deve passar pelo Processo: uma série de testes determina se você será escolhido ou não. Se você é eliminado, não existe outra chance; sua vida é destinada, ali, e muitos fazem de tudo para conseguir passar e alcançar a sonhada ascensão social. 

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Um dos grandes erros da série é não deixar claro como essa sociedade se sustenta, nem a partir do trabalho de quem; não fica clara a divisão das pessoas em nenhum dos dois lados. A primeira temporada é focada no Processo. Já encontramos,  logo no episódio piloto, os protagonistas indo para o prédio onde funciona a seleção.  A série gira em torno de sete personagens principais: Ezequiel (João Miguel), Michele (Bianca Comparato), Fernando (Michel Gomes), Joana (Vaneza Oliveira), Rafael (Rodolfo Valente), Marco (Rafael Lozano) e Aline (Viviane Porto).

O elenco foi bem escolhido, mas a tentativa de gerar empatia do público com a personagem Michele saiu pela culatra. A protagonista, já no primeiro episódio, se mostra revolucionária e contrária ao sistema de sociedade onde vive. Mas, com o passar do tempo, o telespectador percebe que Michele não estava ali pelo bem de todos, e sim por vingança. Aliás, a série surpreende ao te fazer gostar dos personagens menos simpáticos, no início, e rejeitar os ‘mais legais’. É o caso de Rafael e Joana: os dois aparecem como os ‘malvadinhos’ do grupo e se mostram, no fim, como os que possuem bondade de verdade. 

No meu caso, eu amava a Joana, desde o início, e todos os episódios só me fizeram ter mais certeza de que ela era a verdadeira rainha de 3%. A começar pela atuação impecável de Vaneza que, diferente  de Bianca, conseguiu chegar a uma interpretação que realmente gerou empatia. Joana era uma mulher pobre da periferia da periferia, totalmente sozinha no mundo. Sofreu abusos e traumas, mas se manteve firme com a cabeça erguida, o tempo todo, e não aceitou ser submissa a ninguém. Para fechar toda essa lacração com chave de ouro a trilha sonora de Joana é Mulher do Fim do Mundo, da grande Elza Soares. E não existe música melhor para esse personagem – com certeza. 

O chefe do processo é Ezequiel que, apesar de se mostrar como perfeito, esconde um segredo, e isso é tudo que Aline, maravilhosamente interpretada por Viviane Porto, busca ali. Outro ponto positivo que 3% marca é na representatividade: dos sete  atores principais, três são negros, e o personagem de João Gomes, Fernando, é deficiente físico. Apesar de o ator não ser deficiente, o que é um erro, isso já gera representatividade, e todos nós sabemos: isso importa muito! A série peca nos figurinos, mas esse e outros errinhos podem ser esquecidos, com facilidade, quando você se vê preso na trama de Cesar Charlone e Pedro Aguilera. 

A crítica à nossa sociedade atual também é um fator fortíssimo, seguindo a tendência de Jogos Vorazes e Divergente. O distópico se encaixa muito bem nos nossos dramas atuais. A começar pela crítica. A meritocracia é muito clara na série, principalmente no episódio 4 (o mais emblemático de todos). Nele, o personagem de Marco acredita realmente que é melhor que os outros por conta de sua origem hereditária. A partir disso, Marco inicia uma gangue e obriga os outros candidatos do Processo a lhe dar comida e água em um dos testes da seleção. A crítica ao machismo e ao racismo também é forte. E, assim como nos filmes anteriormente citados, uma mulher se mostra como a heroína da série, mesmo que não seja a mulher que eles cotaram para isso. 

 

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