Lu Grimaldi dá vida à Dona Maria I no monólogo ‘Palavra de Rainha’

A rainha de Portugal entrou para a história como Maria, a Louca

Postado em: 27-01-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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A rainha de Portugal entrou para a história como Maria, a Louca

Júnior Bueno

Filha do rei de Portugal D. José I, Dona Maria I foi a única mulher que assumiu o trono português em 1777. Conhecida em sua terra como ‘a piedosa’ e, aqui no Brasil, como ‘a louca’, Dona Maria teve uma vida complexa, recheada de tragédias, como a morte de seis de seus sete filhos. Ela ganha vida no espetáculo Palavra de Rainha, um monólogo que marca a carreira da atriz Lu Grimaldi e que estreia em Goiânia neste sábado (28).

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O texto, encomendado pela atriz ao dramaturgo Sérgio Roveri, combina fatos históricos e doses de ficção para radiografar a trajetória da primeira mulher a assumir o trono português. O espetáculo retrata Dona Maria em três situações distintas: os anos em que passou reclusa no Palácio de Queluz, para aonde foi enviada após os primeiros sintomas de sua loucura; a fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil, no fim de 1807, e, finalmente, seus últimos anos de vida, num convento das carmelitas, no Rio de Janeiro.

Em seus devaneios, a rainha conversa com o filho, Dom João VI; faz um passeio imaginário pelas águas do Tejo, no qual avista ao longe a figura do Marques de Pombal; protagoniza um comovente acerto de contas com o pai, o rei Dom José, em seu leito de morte; fala dos mais de 20 médicos convocados para tratar de sua demência, e, acima de tudo, usa de sua inteligência, ironia – e em diversos momentos até de um inesperado bom humor – para revelar as contradições de uma mulher dividida entre a religiosidade extrema e as obrigações de monarca.

Sob a direção de Mika Lins, a peça tem, no figurino, um de seus maiores atrativos: a personagem traja um vestido de cerca de 400 metros de tecido. “O vestido é também um cenário. Em momentos, representa os devaneios dela, algo meio lodoso. Em uma parte, representa o mar; são milhões de possibilidades”, disse Lu Grimaldi em entrevista ao Essência.

Lu Grimaldi é uma das mais aclamadas atrizes do teatro brasileiro. Estreou nos palcos, em 1973, na peça Dzi Croquetas. Dentre as 14 peças, 17 telenovelas e dez filmes que protagonizou, destaque para Terra Nostra, Sinhá Moça, Chamas da Vida e Babilônia. Repetiu nas telas o papel de Dona Maria, em Liberdade, Liberdade (Globo), em 2016. Foi premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte e pela Associação de Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo. Além disso, recebeu o troféu Melhores do Ano e o prêmio Qualidade Brasil. 

SERVIÇO

Goiânia

Quando: 28 de janeiro, às 21h, e 29 de janeiro às 20h

Onde: Teatro Madre Esperança Garrido­

Ingressos: pelo site ou telefone (62) 4052-0016

Entrevista

Como você entrou em contato com a história de Dona Maria? Esse texto caiu no seu colo?

Não, eu o encomendei. Começou assim: eu sempre tive esse sonho, que todo ator deve ter, que é ‘quando eu ficar mais velha, eu vou fazer um monólogo’. Então, há certa altura, eu achei que já era a hora de fazer monólogo,  e comecei a procurar algo que contasse uma boa história, um texto que me interessasse. Vi muitas coisas, mas não era uma busca assim desesperada. Então eu tive que ir a Portugal, e, lá, em minha andanças, eu me deparei com a história dessa mulher, que foi uma rainha, que perdeu seis filhos e enlouqueceu. Pensei: ‘Quem é essa mulher?’ É muito engraçado isso de ela ser conhecida como ‘a louca’, porque eu tenho uns amigos que dizem: ‘A Lu é louca’ (risos). Fiquei fascinada por essa mulher.

Você já tinha alguma dimensão do papel que ela representa na história de Portugal e do Brasil ou foi descobrindo aos poucos?

Eu estudei bastante, comprei muitos livros sobre ela, para o Sérgio Roveri se orientar, e fui a lugares relacionados a ela. E fui descobrindo outras dimensões dessa mulher. Ela perdeu seis filhos, eu só tenho um, e enlouqueceria se o perdesse, então passei a imaginar essa Dona Maria, que não é exatamente real na peça, mas uma leitura dela, porque para mim ela conversa com as muitas ‘Donas Marias’ que existem no Brasil. A abordagem não é histórica, mas é muito em cima do que ela viveu.

Existe uma diferença na forma que ela é conhecida no Brasil e em Portugal?

Tem uma curiosidade, que ela foi uma rainha, a única de Portugal e do Brasil, e aqui ela ficou conhecida como ‘a louca’. Só que, lá, ela é lembrada como ‘a piedosa’, que cuidava das crianças, dos pobres. Eu postei dois vídeos que nós fizemos na minha página do Facebook, um gravado na Paulista e outro em Portugal, perguntando às pessoas se elas já haviam ouvido falar de Dona Maria. Alguns responderam que sim, mas grande parte não conhecia a história dela, tanto aqui quanto lá. A história dela sofreu um apagamento, e ela foi uma rainha que governou o País, e é uma referência vaga.

Por falar em apagamento, a forma com que uma mulher teve sua trajetória minimizada no século 17 ainda persiste no poder, hoje em dia, em sua opinião?

Felizmente já se acançou, mas ainda existe esse apagamento das mulheres em situação de poder, e não me refiro só ao poder político, mas à sociedade como um todo, uma ideia de poder do homem sobre a mulher que é cultural. A Dilma e a Hilary são exemplos disso. 

Como o vestido que você usa na peça te ajudou a compor o personagem? 

Eu brinco que, se eu não tivesse aquele figurino, não seria a mesma coisa. Foi uma criação da Mika Lins, que eu chamei para dirigir e a quem eu dei toda a liberdade de criar. Ele foi desenhado em um guardanapo de bar e, depois, foi feito por um profissional incrível, que é o Cássio Brasil. Nós chegamos a esse vestido de 400 metros, que dá uma imagem de como é a cabeça dela. Imagina esse emaranhado de tecido no palco? É também um cenário. Em momentos, representa os devaneios dela, algo meio lodoso; em uma parte, representa o mar, são milhões de possibilidades.

Você acredita que a peça possa colaborar no debate sobre saúde mental no Brasil hoje em dia?

Eu usei a personagem para falar disso, e fui me apaixonando por ela e pela história. Ela foi uma mulher que colaborou em várias coisas e viveu muito para a época, porque pouca gente vivia, até os 81 anos, como ela. É claro que havia uma degeneração natural ali. Hoje,  existem pessoas mais velhas que continuam na ativa, como a Natália Thimberg, com quem eu estava trabalhando, que está com 87 anos e está ótima. Mas, naquela época, não havia um entendimento de que os hormônios – a menopausa, a pós menopausa – poderiam afetar a saúde. E ela sofreu muito, também, a perda dos filhos, toda a pressão de se casar com o tio, 17 anos mais velho, para que a família não perdesse o trono; foram vários gatilhos para a loucura. Eu acredito que, sim, pode ser um estudo sobre a saúde mental. Porque há essa ideia de isolar, deixar recluso quem não é visto como normal. Quando eu era criança, os pais escondiam os filhos com síndrome de Down. Houve avanços, mas pode  haver mais.  

 *Errata: O Espetáculo que aconteceria nesta sexta-feira (27) às 21h no Teatro Municipal de Anápolis em Anápolis foi cancelado. 

*Matéria alterada às 15:02 para acrescentar a errata do espetáculo

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