Teatro leva esperança para refugiados na República Democrática do Congo

A dramaturgia lhe dá forças e inspiração para continuar lutando por mais oportunidades para os filhos

Postado em: 06-02-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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A dramaturgia lhe dá forças e inspiração para continuar lutando por mais oportunidades para os filhos

O Com os olhos cheios de pânico, dois rapazes buscam abrigo sob o sol escaldante da República Democrática do Congo. Na fuga, se deparam com um muro de chapas de ferro que bloqueia a passagem: não há saída. Eles gritam apavorados. De uma hora para outra, o medo vai embora. Os homens se levantam e espanam a poeira das calças. Está na hora de ensaiar a próxima cena.

Os homens fazem parte de uma trupe de atores formada por refugiados e nativos que vivem em Uvira, uma cidade localizada no leste da nação africana.

Entre os intérpretes do grupo teatral — conhecido como The Kings of Peace (Os reis da paz, em tradução livre) —, está Rehema Kankindi, uma viúva de 56 anos que foi forçada a deixar o Burundi por causa dos conflitos de 2015 no país. Os ensaios são realizados no jardim de uma modesta casa onde ela aluga dois quartos para ela mesma, acompanhada dos filhos e dois netos.

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“Havia um monstro atrás desses dois rapazes”, explica a senhora. “Essas são as histórias que as pessoas contam por aqui”, acrescenta.

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) ajuda a proteger refugiados que, como Rehema, não vivem em campos, mas nas cidades dos países de acolhimento. O organismo internacional incentiva o trabalho de grupos como o The Kings of Peace, pois acredita que esses coletivos podem levar refugiados a superar experiências dolorosas. O objetivo do apoio dado pelo Alto-Comissariado é promover a coexistência pacífica entre deslocados forçados de outros países e as comunidades anfitriãs.

Conforme os atores seguem com os ensaios, o pequeno jardim da residência é ocupado por uma plateia improvisada que vive na vizinhança. Crianças de chinelo sentam-se ao lado de mulheres de vestidos coloridos. Hoje, a entrada é gratuita, mas quando o The Kings se apresenta em um dos restaurantes mais populares de Uvira, as performances são pagas pelo público.

Para Rehema, porém, o teatro significa muito mais do que ganhar uns trocados. “Eu percebi que tinha que me juntar a esse grupo”, disse ela, que tem diabetes, um problema de saúde que pode ser agravado por estresse físico e mental. “Quando estamos atuando, nós rimos, choramos, estamos juntos lá fora. Isso me ajuda a aliviar o estresse e me ajuda a sobreviver.”

Algumas das cenas abordam temas como violência e refúgio, forçando Rehema a reviver e encarar os episódios mais difíceis de sua vida. Dois de seus filhos já adultos desapareceram durante o conflito civil do Burundi, há um ano. Ela ouviu rumores de que eles haviam sido assassinados.

O marido de Rehema faleceu um ano antes. Foi a moça que ficou responsável por cuidar da família e organizar a ida de todos para a República Democrática do Congo quando a conjuntura na terra natal se agravou.

“Não sabemos por que eles foram assassinados. Ninguém nos explicou a razão. Naquela época, pessoas eram sequestradas e mortas sem motivos aparentes”, diz a viúva.

Fora do grupo de teatro, a vida é difícil para Rehema. Para colocar comida na mesa da família, ela trabalha arduamente, todos os dias, vendendo frutas e verduras em uma vendinha simples na frente de casa.

Rehema é considerada particularmente vulnerável pelo ACNUR, pois é viúva, tem uma doença crônica e é a principal responsável por arcar com as despesas da família. Recentemente, a agência da ONU forneceu remédios para diabetes e outras doenças aos residentes de Uvira.

Funcionários do organismo internacional acompanham Rehema e os parentes, fazendo visitas com frequência. Isso faz com que ela se sinta mais segura: “Sinto que não estou abandonada”.

“Ela precisa de proteção”, disse a funcionária da Unidade de Proteção do ACNUR em Uvira, Esther Kashira. “Nós acompanhamos o seu caso durante as visitas ao acampamento. Nossa presença ajuda a proteger e a tranquilizar os refugiados.”

No quintal, começam os ensaios da próxima cena. Rehema interpreta a mãe de um menino que largou os estudos e agora anda em má companhia. Ela interpreta o texto com uma emoção profunda e genuína.

Sua performance é convincente porque ela se inspira na própria experiência de vida: seu filho mais novo, Swedi, de 16 anos, não frequenta a escola desde que eles deixaram o Burundi. Já sua filha, Shebaby, de 18 anos, sonha em ir para a universidade. Porém, por enquanto, não há dinheiro suficiente para pagar as taxas.

Apesar dos desafios, Rehema jamais desistirá. “Minha doença não tem cura”, diz. “Se as crianças estudarem, podem cuidar de si mesmas por toda a vida”. No teatro e na plateia, a refugiada encontra a energia de que precisa para seguir em frente, tanto por ela quanto por sua família. (ONU Brasil)

 

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