Rádio supera obstáculos e continua relevante no cotidiano

Rádio: até quando? Será que as emissoras ainda têm fôlego para se reinventar?

Postado em: 11-02-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Rádio: até quando? Será que as emissoras ainda têm fôlego para se reinventar?

Mardem Costa Jr. e Toni Nascimento 

Sentenciado de morte por uns, considerado ultrapassado por outros, mas fundamental para muitos, o rádio prova diariamente seu quê de fênix e enfrenta com vigor a concorrência com a televisão e a internet. Neste fim de semana, mais precisamente no dia 13, comemora-se o Dia Mundial do Rádio, proclamado em 2011 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Apesar dos prognósticos negativos, o rádio conta com a audiência de 89% da população de 13 regiões metropolitanas do País, alcançando 52 milhões de pessoas, sendo 52% do sexo feminino. Os segmentos musical e noticioso/prestação de serviços são os mais escutados pelos ouvintes. As classes AB e C dominam a audiência – a primeira com 40% e a segunda com 45%. 

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O pico de audiência varia de acordo com o local e o equipamento de rádio. Nos carros, costuma ser entre 18h e 19h. Nas casas, entre 10h e 11h e, no trabalho, das 14h às 15h. O rádio tradicional é utilizado por 58% dos brasileiros, seguido pelo celular  e computador – respectivamente, com 15% e 5%. 

Características

A agilidade, uma característica que costuma ser realçada a favor do rádio, mesmo com a instantaneidade das redes sociais, por exemplo. Enquanto uma emissora de televisão precisa montar algum tipo de estrutura de transmissão, o rádio permite que uma simples ligação ou mensagem de voz entre no ar imediatamente na programação. A prestação de serviços, sobretudo em ocasiões extraordinárias, é fundamental para a própria comunidade e valorizada pelas estações all news – como CBN e Band News FM.

De acordo com a professora Sonia Virginia Moreira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), autora de livros sobre a história do veículo, a sobrevivência e a superação do rádio devem-se principalmente por ele estar sempre aberto, democrático e sensível a todas as transformações ocorridas no mundo desde seu surgimento. “É um meio que consegue se adaptar a situações muito distintas. Quando surgiu a televisão, o rádio viveu seu maior momento de crise, mas conseguiu se superar em pouco tempo, renovando a linguagem, como meio de comunicação prestador de serviços e canal de entretenimento. Mais recentemente, o rádio integrado à internet vem comprovar essa maleabilidade do meio”, diz a professora.

Internet

O blogueiro Rodney Brocanelli, do site Radioamantes, avalia que o rádio foi um dos primeiros meios a enxergar a rede mundial de computadores como um aliado. “Diferente da televisão e da indústria musical, o rádio percebeu que a internet não é inimiga: começou a transmitir sua programação via internet, através de programas de streaming, nos primeiros anos da internet comercial no Brasil”, ressalta.

A interatividade entre a rádio e ouvintes via internet também é destacada por Brocanelli. “Hoje, essa interação ocorre por intermédio das redes sociais, mas também ocorria no passado via e-mail. Com o WhatsApp, por exemplo, o ouvinte pode participar de sua emissora favorita, por mensagem de voz, e não mais apenas por meio de mensagens de texto lidas pelo locutor de plantão”, pondera. 

Com o advento dos smartphones, as rádios não perderam tempo e criaram aplicativos para os aparelhos nos principais sistemas operacionais. O crescente número de ouvintes via dispositivos portáteis obrigou a Kantar Ibope a alterar o tradicional modelo de pesquisa de audiência, passando a contá-los. 

Mesmo quem não está na área de cobertura de uma estação, pode sintonizá-la através destes aplicativos ou mesmo por outros específicos de recepção on-line, como o TuneIn, tanto de estações brasileiras quanto mundiais. Este já foi baixado por mais de 1,36 milhão de celulares, somente da plataforma Android.

Desafios

O principal desafio do rádio, na visão de Rodney Brocanelli, é o estabelecimento de um novo modelo de negócios, além do dial tradicional, de modo a garantir a sustentabilidade das operações. A crise nesse modelo, aliás, provocou o encerramento de operações de várias emissoras brasileiras, nos últimos dois anos, inclusive de estações como a Rádio Globo de Belo Horizonte.

“O modelo de comercialização atual está sujeito às condições econômicas do País. Nesse contexto de crise, tanto da iniciativa privada quanto do poder público, não são poucas as emissoras que estão fazendo das tripas coração para se manter”, pontua. 

Segundo dados de 2015 da Kantar Ibope, o rádio recebeu mais de R$ 5 bilhões em investimentos publicitários e teve 4,7 milhões de inserções veiculadas. Os segmentos varejista, de serviços e de  cultura, lazer e turismo foram os principais anunciantes, com 52% de participação. A expectativa é de que haja uma recuperação tímida ainda neste ano. 

 

Sertanejo domina programação musical

O sertanejo continua dominando o dial, e isso fica nítido com dois levantamentos. O primeiro, do Kantar Ibope, indica que o gênero é o preferido por 50% dos ouvintes. Já o segundo, da empresa de monitoramento multinacional Crowley, aponta que, das 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras, 90 são sertanejas.

Anitta, Ludmilla e Wanessa Camargo foram as únicas cantoras a fugir do cerco sertanejo, mas suas canções estão longe das primeiras posições. Por sua vez, os gringos Ed Sheeran e Justin Bieber – únicos cantores internacionais no levantamento – também aparecem distantes. Bieber e sua balada Sorry estão na 66ª colocação, enquanto Sheeran, com Photograph, surge dez posições abaixo.

Ao contrário de 2015, quando a balada e a ostentação davam o tom, a sofrência dominou as letras do gênero no ano passado. Das dez músicas mais tocadas, oito falam basicamente sobre dor de cotovelo e as agruras de acabar um relacionamento. 

Goiânia

Conhecida como ‘Capital do Sertanejo’, Goiânia reflete a preferência atual do brasileiro pelo estilo musical. Pelo menos 40% dos ouvintes da Capital, cujo consumo médio de rádio é de 4 horas e 38 minutos, escutam rádios do gênero, e não surpreende que três emissoras que tocam músicas sertanejas estejam entre as três primeiras colocadas.

A 99,5 FM (99,5 MHz), ligada ao grupo que administra a TV Serra Dourada (afiliada ao SBT), está isolada na liderança há pelo menos três anos e investe em ações promocionais para fidelizar o ouvinte. Enquanto isso, a vice-liderança é concorrida pela ex-líder Terra FM (104,3 MHz) e Positiva FM (98,9 MHz), ambas também dedicadas ao sertanejo.

 

Sem consenso, Noruega começa a desligar o FM analógico 

Após 22 anos convivendo com os dois sistemas de transmissão de rádio FM, a Noruega deu os primeiros passos para o encerramento das transmissões analógicas. O país escandinavo escolheu o formato Digital Audio Broadcasting (DAB) – ou Transmissão de Áudio Digital) –, criado nos anos 80 e presente em vários países europeus. O processo, que conta com a contrariedade de 66% dos noruegueses, iniciou-se no último dia 11 de janeiro, na província de Nordland, e se estenderá ao resto do país durante todo o ano de 2017.

O processo de digitalização na Noruega gerou algumas dúvidas e passou três vezes pelo parlamento, desde a sua aprovação inicial,  em 2011. A falta de receptores da tecnologia DAB, em muitos veículos, foi um dos itens que geraram polêmica, o que obriga a compra de um adaptador.

Segundo o governo norueguês, com a digitalização, a ideia é que as principais emissoras poupem cerca de R$ 74,4 milhões por ano ao suspenderem a transmissão em formato duplo. No entanto, para satisfazer em parte aos pedidos das rádios locais, o governo permitiu que muitas emissoras continuem transmitindo em FM de forma provisória até 2022. Atualmente, 22 estações de rádio em âmbito nacional já transmitem o sinal digital e ainda há espaço para outras 20, enquanto que, com a FM, só era possível ter um máximo de cinco emissoras nacionais.

O DAB promete som de maior fidelidade, mais estações na mesma faixa e um sinal resistente a interferências. No entanto testes, realizados ao longo dos anos, indicaram que a qualidade do áudio do modelo é pior do que a da FM analógica, sobretudo pela codificação MPEG-2, de baixa qualidade se comparada com a MPEG-4, utilizada na TV digital brasileira.

 AMs brasileiras começam a ser migradas para o FM 

Como o Brasil não conseguiu definir um padrão de rádio digital e a migração de tecnologia da televisão mostrou-se mais complicada que o esperado, os radiodifusores pressionaram e conseguiram que o governo federal autorizasse que as estações, que atualmente operam em amplitude modulada (AM), migrassem para a frequência modulada (FM). 

De acordo com o Ministério das Comunicações, Ciência e Tecnologia (MCTI), 70% das AMs brasileiras solicitaram a migração para FM. Aquelas que preferiram se manter em onda média não poderão migrar posteriormente, dependendo da possibilidade, cada vez remota, do rádio digital. 

De acordo com a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a mudança visa a fortalecer as emissoras de rádio que sofrem com interferências eletromagnéticas e topográficas, inviabilizando a qualidade de som das AMs. As dificuldades de sintonia e o desprezo dos mais jovens e das fabricantes de celular pelo modo de transmissão agravaram a queda de audiência, e consequentemente, de receita dos radiodifusores.

Neste primeiro momento, apenas as estações localizadas em cidades cujo dial não está congestionado estão sendo autorizadas a migrar do AM para o FM. O custo de migração varia de acordo com a região, porte técnico e classe de transmissão. Enquanto isso, muitas rádios estão realizando a dupla transmissão – caso da católica Difusora, que opera simultaneamente em 95,5 MHz e 640 KHz – para manter a audiência e o faturamento.

As rádios AM das capitais e grandes cidades terão de aguardar o fim da migração das emissoras de televisão analógicas para, então, migrarem à chamada ‘faixa FM estendida do dial’. O rádio FM convencional opera nas faixas 87,5 a 108,1 MHz. Já a estendida compreende as frequências 76,1 a 87,3 MHz. 

No entanto poucos aparelhos com a nova faixa estão disponíveis no mercado, e os mais sofisticados custam até R$ 2 mil. Teme-se que o FM estendido demore a ser assimilado pela população, a exemplo da TV a cores.

 

“A rádio pode recuperar credibilidade das informações” 

Maria Ritha Ferreira da Paixão tem 22 anos e diz surpreender os amigos mais desavisados quando conta que não abriria mão de um bom programa de rádio por nenhuma acrobacia televisiva. Ela cresceu e viveu boa parte da sua vida em São Miguel do Araguaia, interior de Goiás, e nesta fase a rádio local, 104,9, que investia em interatividade e tocava todo tipo de música era a sua preferida. Ela conta que em pequenos municípios “o que comanda a vida dos moradores é a rádio”. 

Em 2007, quando uma jovem Maria, de apenas 12 anos, chegou a Goiânia, logo tratou de se matricular em um colégio de tempo integral, onde se conectava a uma rádio de música pop em todas as oportunidades de ter um descanso. Mas ela não era a única. Aquela tendência musical era uma febre entre os mais jovens que, muitas vezes, se juntavam à Maria, no corredor da sala, para escutar algumas das mais pedidas do dia.

Hoje, Maria Ritha é universitária e não sobra muito tempo para escutar programas de rádio, com a exceção de quando pega carona com o pai ou com o fone de ouvido ônibus. Acompanha programas de debate ou notícias no trânsito. A sua relação com este veículo de comunicação mudou, e toda uma geração também vive uma transição para uma nova realidade, tanto pessoal quanto geral.

Uma nova rádio

A mudança sempre fica explicita quando surge um novo meio de comunicação. Enquanto o impresso recebe ameaças de morte desde que a internet ascendeu, o rádio viveu passou por esse desconforto pela primeira, vez no século 20, com o surgimento da TV. E mesmo tendo de se adaptar constantemente para não ficar para trás, há mais de 50 anos ela continua intacta e com um público fiel.

Para se adaptar, ela abraça a internet, investindo em conteúdo para as duas plataformas, e às vezes se veiculando nas duas ao mesmo tempo. Um exemplo dos novos tempos para a rádio foi a iniciativa da Noruega, em janeiro deste ano, quando começou extinguir o sinal FM, com a intenção de até o mês de dezembro ter acabado com a frequência em todos os estados, deixando apenas o sinal digital.

A diretora do curso de Jornalismo da UFG, Angelita Lima, 50, acredita que o rádio tem uma oportunidade única de se afirmar ainda mais como um veículo de credibilidade, até mais que a televisão, devido à produção ser mais barata. “A rádio, hoje, tem condições de recuperar a credibilidade das informações e a circulação das informações para fazer um contraponto às informações falsas que estão sendo veiculadas nas redes sociais”, diz ela.

Um novo amanhã

Angelita afirma escutar rádio diariamente, e o costume vem desde a infância, quando acompanhava aqui mesmo, em na em Goiânia, algumas radionovelas. Ela afirma que sempre preferiu os programas de rádio jornalísticos – ela afirma conseguir se informar melhor do que no telejornal. A diretora também afirma gostar muito da produção AM.

Angelita lamenta o fim da amplitude modulada, e, como consumidora ávida da produção no veículo de rádio, afirma não gostar de notícia engessada: aprecia uma linguagem mais próxima. Maria Ritha também gosta da irreverência bem produzida e da interatividade na rádio.

Há programação para todos os gostos, e o que importa é que a rádio não vai morrer.  

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