Lisandro Nogueira fala sobre ‘O Amor, A Morte e As Paixões’

Confira a entrevista com o professor Lisandro Nogueira sobre a mostra, os seus próprios afetos e o cinema

Postado em: 15-02-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Confira a entrevista com o professor Lisandro Nogueira sobre a mostra, os seus próprios afetos e o cinema

Elisama Ximenes

O cineasta francês Francois Truffaut dizia que tudo está no amor e na morte. Para o jornalista e professor de cinema Lisandro Nogueira, paixão é coisa avassaladora que move gente como os cinéfilos. Ele havia acabado de assistir ao filme Lavoura Arcaica quando o proprietário da rede de cinemas Lumiére, Gerson Santos, ligou para ele  lembrando-o da incubência de ambos: decidir qual seria o nome da mostra que criariam para ser exibida na rede. Não lhe veio outra coisa à cabeça se não “o amor, a morte e as paixões”. Afinal, para ele, é nessas três palavras que está tudo da vida. Sustentada nessa tríade, a mostra de cinema O Amor, A Morte e As Paixões chega à sua décima edição e começa hoje (15) em Goiânia. O filme O Apartamento, de Asghar Farhadi, abre a programação.

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“A gente fica muito bem realizado, a cidade aguarda a mostra e cria uma expectativa”, conta Lisandro. Mas quem tem o professor nas redes sociais sabe que a expectativa também é dele. Desde o fim do ano anterior ao do evento, é possível ver postagens dele soltando alguns spoilers do que a mostra iria oferecer – ou mesmo fazendo contagem regressiva. A curadoria dos filmes vem ainda antes disso. Desde agosto, o professor começa a circular entre as produções presentes em festivais nacionais. Daí assiste a filmes dos festivais de Cannes, Veneza e, a partir disso, elenca as produções que podem entrar para a mostra. Mas a verdade é que não há período definido, de fato, para essa curadoria. “Eu vejo filme o tempo inteiro, e aí a gente vai vendo, anotando, selecionando ao longo dos meses até fecharmos a lista em janeiro”, relata.

A seleção é feita de tal maneira que o objetivo da mostra não se perca. “Ela foi criada no sentido de proporcionar uma pluralidade de filmes de diversos gêneros e tendências”, explica. Neste ano, a mostra, que começou exibindo 18 títulos, selecionou 100 filmes, que serão exibidos em 448 sessões. Dentre eles, três são filmes feitos em Goiás: O Colar de Coralina, de Reginaldo Gontijo; Comeback, de Erico Rassi, e Terra e Luz, de Renné França. O motivo de serem só três, em uma centena, é o fato de que eram os longas-metragens disponíveis. Além disso, todos já passearam por festivais e, para o curador, é uma honra tê-los em sua mostra. De acordo com Lisandro, o cinema feito por aqui está em plena progressão: “Esse é um processo que nasceu lá nos anos 1980, e os frutos são, cada vez mais, os melhores”.

Um pouco antes, na transição da década de 1970 para 1980, o professor trilhava seus caminhos no mundo do cinema, inclusive, frente ao fim do período de ditadura militar. “Naquela época, a gente tinha de levar os filmes para os agentes da Polícia Federal para que eles vissem os filmes, e eles não sabiam nada de cinema”, relata. Ele conta que, na época, eles que tinham de levar todo o equipamento para transmitir o filme aos policiais. Além de carregar toda a parafernalha para reproduzir VHS na PF, tinham de assistir aos filmes, junto a eles, com todas as paradas que eles faziam para lhes fazer perguntas. Um processo que acabava se tornando muito cansativo. “Era muito desconfortável e muito constrangedor, mas isso acabou quando veio a redemocratização”, conta.

E, desde o fim da ditadura, o cinema nacional vive momentos de progressão e reconhecimento internacional. O ator, diretor e roteirista Selton Mello, um dos nomes mais significativos do cinema feito no Brasil atualmente, inclusive, estará na mostra na sexta-feira (17) para participar de um bate-papo sobre o cinema nacional. A sua presença é, além de ilustre, nostálgica. O ator esteve na abertura da primeira mostra, em 2001, com o filme Lavoura Arcaica. Além do Brasil, O Amor, A Morte e as Paixões recebe produções de outros 32 países, em um misto de 45 filmes inéditos em Goiás, 15 inéditos no Brasil e dois clássicos do cinema. 

Mas, para além desses números, o fruto maior de toda a mostra, para Lisandro, é o afeto. “Outra coisa que a mostra oferece para a cidade é a possibilidade de um encontro, da troca de afetos, de experiência, que está faltando muito no mundo”, sente. É um afeto permitido em meio a rotinas aceleradas e ligeiras, que faz o trabalhador parar um pouco o ponteiro que ritma sua vida a cada segundo, acomodar-se nas poltronas do cinema e saborear cada produção cinematográfica – do cinema hollywoodiano, com indicações ao Oscar, ao cinema independente. Há quem pense que é um exagero falar em apego do público à mostra, visto que ela atravessa o período de Carnaval. Afinal, “não tem quem pare na cidade nesse feriado”, enganam-se. “Bobagem, tem muito público, sim, nesse período, e é quando mais temos público. No ano passado, no total, foram 30 mil pessoas”, afirma. 

Antes de permitir ao público que saboreiem a mostra, organizadores promovem o que chamam de Sessões Degustação. Para este ano, foram promovidas degustações como as da cinebiografia nacional Elis e do internacional Eu, Daniel Blake. “É um esquentamento para a mostra, e essas sessões são preenchidas com lançamentos”, conta. Assim, as pessoas chegam à abertura com um gostinho leve do que está por vir nos 14 dias de exibições, com 32 sessões por dias. Pode até ser coincidência, mas é também há 32 anos que Lisandro está no cinema, como professor e crítico, não cineasta. “Eu não tenho talento para ser cineasta. Cineasta é quem faz filme, eu não tenho esse talento. Eu tenho talento para ser professor de cinema, para ser crítico de cinema, para ser cinéfilo”.

Lisandro é cinéfilo não simplesmente por ser o cinema uma de suas paixões. Aliás, paixão, não; afeto, porque é perene. “Paixão é uma coisa arrebatadora”, diz ele. A cinefilia caracteriza, na verdade, quem tem cultura cinematográfica, termo que ele explica assim: “É conhecer bem a história do cinema, ter uma cultura de filmes, conhecer filmes de vários períodos da história do cinema, é ter uma cinefilia sólida”, conta. Esse afeto e cinefilia vêm de casa, de seu pai e dos tios, que o levavam ao cinema. “Depois, eu comecei a fazer parte do cineclube Antônio das Mortes; aquilo criou em mim um desejo, uma vontade de estar estudando e, logo, veio a vontade de formar também, de passar esse conhecimento para frente”.  

Formar, ou seja, ser professor, é um de seus amores. “O trabalho de formação é o principal para mim. Tudo o que eu faço na mídia, também, é um trabalho de formação. Quando eu crio as mostras de cinemas é para formar público”, afirma. A ideia de ser educador é o que o leva para frente e não vê diferença entre o que faz em sala de aula e o que faz fora dela com relação ao cinema. “Tudo isso é acúmulo de experiência, de conhecimento; quando eu estou fazendo a curadoria dos filmes, eu me lembro muito das aulas e dos textos que a gente lê, e às vezes eu estou vendo um filme que me ajuda a ler um texto. Então as coisas se interpenetram”, associa.

Outra paixão de Lisandro é a música. A Bossa Nova e a Tropicália, de Gil, Caetano e Novos Baianos, é o que lhe faz ser ainda mais apaixonado. E, apesar de parecer ser outra arte, o professor enxerga muita semelhança entre a música e o cinema. Para ele, há filmes, inclusive, em que a música entra para salvar a narrativa. E é na narrativa clássica hollywoodiana que as trilhas sonoras estão mais presentes, sendo, inclusive, importantes para o desenrolar das histórias. No cinema, suas referências são, principalmente, Glauber Rocha, Jean-Luc Godart e Wim Wenders. Mas, apesar das preferências, Lisandro ressalta a importância da pluralidade de gêneros e públicos na mostra. 

Mais recentemente, o filme Minha Mãe é Uma Peça bateu o recorde de público entre as produções nacionais e, para Lisandro, isso é um processo natural. “As comédias sempre existiram, mas o cinema brasileiro tem filmes também que não são dessa linha, mas são importantes. Não são de grande público, mas sempre são filmes que têm grande importância para reflexão”, opina. Para ele, a comédia ajuda a indústria do cinema, mas não são tão relevantes do ponto de vista estético. Diante de tanta pluralidade e, apesar das escolhas estilísticas, o negócio de Lisandro, mesmo, é o cinema. E, ao seu ver, o cinema nacional só tende a crescer, mesmo com as crises política e econômica que o País vive. Sobre ele mesmo, ele pede: “Você pode falar assim: Vive para o cinema”. 

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