Dia 21 de março, uma data de reflexão e luta

O Dia Internacional Contra a Discriminação Racial foi criado pela ONU em memória dos mortos, no Massacre de Shaperville, em Joanesburgo, África do Sul

Postado em: 21-03-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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O Dia Internacional Contra a Discriminação Racial foi criado pela ONU em memória dos mortos, no Massacre de Shaperville, em Joanesburgo, África do Sul

Natália Moura

Instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial é lembrado no dia 21 de março, e propõe reflexão sobre a discriminação no mundo todo. Segundo a  Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a data foi escolhida em memória do trágico Massacre de Shaperville, ocorrido em 1960 em Joanesburgo, na África do Sul. Cerca de 20 mil negros protestavam contra a ‘Lei do Passe’ – que segregava os lugares onde negros podiam circular na cidade – quando foram surpreendidos por tropas do exército sul-africano que atiraram contra a multidão, deixando 69 pessoas mortas e 186 feridas. A data foi escolhida para, além de ser uma lembrança, motivar as pessoas a protestarem em todo o mundo contra a discriminação racial. Em vista do debate sobre a importância do dia 21 de março e do Movimento Negro no Brasil, o Essência entrevistou a doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Flávia Rios. 

Entrevista: Flávia Rios 

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Qual é a importância de se discutir datas como o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial (21 de março) e o Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro)? 

Essas datas são absolutamente importantes, porque são datas para se lembrar de momentos históricos e processos de desigualdade e discriminação que ainda persistem em muitos países do mundo. Ao redor do globo terrestre, há muitas discriminações etnorraciais. O dia 21 de março é indicado pela ONU como sendo uma data internacional contra as discriminações raciais e pela eliminação dessa discriminação. O Brasil usa essa data como uma data reflexiva, de luta e de organização política, dada a persistência do racismo na sociedade brasileira. 

Como você avalia as conquistas do Movimento Negro nas últimas décadas no Brasil? 

É possível observar, nas ações do movimento negro, principalmente do fim do regime militar para cá, muitas propostas. Algumas delas, no fim das últimas duas décadas, tiveram respostas positivas, por exemplo, políticas de ações afirmativas no âmbito educacional, e – embora muito pequeno ainda – no âmbito do emprego; a conquista da Constituição de 1988, quando tornou a discriminação racial pela primeira vez um crime inafiançável. Então tem-se  essas conquistas como a constitucional e a luta pelas terras quilombolas – reconhecidas da população negra, sobretudo rural, mas também em quilombos urbanos; as ações afirmativas na educação; leis de reconhecimento educacional e de valorização da população negra; a origem da história da África e da história dos afro-brasileiros; legislações preocupadas com a representação; a participação qualitativa e quantitativa da população negra em publicidade e em propagandas oficiais do governo. Enfim, são conquistas importantes. Muitas coisas ainda persistem estruturalmente na sociedade brasileira, por exemplo: dados recentes mostram que muito se avançou em termos educacionais, mas ainda há uma distância forte entre brancos e negros no que se diz respeito a número de anos de estudo, inserção em certos ciclos educacionais ou conclusão dessas etapas educacionais como os ensinos médio e o superior. Então, há muitas conquistas e há ainda uma persistência grande de desigualdades e discriminações que precisam ser levadas em conta. Por isso, a importância do dia 21 de março e 20 de novembro, enfim, datas para se refletir sobre a problemática racial. 

E as conquistas do Movimento de Mulheres Negras? 

O Movimento de Mulheres Negras atuou sempre em conexão com o feminismo brasileiro e com o Movimento Negro Brasileiro. Tem uma atuação muito forte desde a década de 1970, e de lá para cá, atuou no conselho da condição feminina em certos Estados e no Conselho Nacional. Também atuou em forma de organizações com projetos de atendimento à população negra – às mulheres negras em particular  no tema da violência e da representação. Essas mulheres tiveram uma atuação muito importante, por exemplo, na Conferência de Durban (2001), em que a temática racial era o centro, contra o racismo e a xenofobia. E persistem. Nos últimos governos democráticos, atuaram como lideranças políticas criando políticas públicas. Hoje, nós temos um boom de ativismo digital, com jovens feministas, lideranças da periferia e jovens universitárias, que problematizam a temática racial. As mulheres negras têm estudado muito mais do que antes, mas ainda continuam na base da pirâmide operacional – com menores salários e empregos menos qualificados e não compatíveis com sua qualificação profissional. Tem se denunciado bastante a parte da área de saúde pela discriminação feita a mulheres negras, no momento do ciclo da vida, como no parto e na gestação. Enfim, são várias denúncias de representação política da imagem, da ação simbólica, depreciando essas mulheres em certos espaços de poder. O ativismo dessas jovens e de outras gerações anteriores é muito intenso e histórico já no Brasil. 

O que você pensa sobre o Estatuto da Igualdade Racial, promulgado em 2010? Quais impactos foram gerados por ele no Brasil? 

É uma normativa importante, ainda que tenha passado por vários processos e diminuído seu impacto normativo. Ainda é fundamental para orientações que se dizem respeito a políticas de afirmação públicas, que visam a combater as desigualdades em vários âmbitos do convívio social. Então o Estatuto atua como diretriz do combate à desigualdade racial no Brasil. 

De que formas o racismo se mostra, hoje, no Brasil? 

O racismo se mostra nas suas múltiplas formas de existência. Você pode observar o preconceito racial; as convicções pré-estabelecidas da polícia sobre o negro; a violência e a maior mortalidade de jovens negros com uma faixa etária ainda em período educacional; o percentual alto desses jovens assassinados, ou pelo Estado ou pelo tráfico, em condições precárias. Os negros têm a menor aquisição de anos de estudo: a distância entre negros e brancos com curso superior ainda é muito grande na sociedade. As mulheres negras recebem menos que qualquer outro grupo no Brasil. Por exemplo, ainda existe uma alta participação de mulheres negras em trabalhos de limpeza doméstica, mostrando que ainda é característica essa forma de trabalho. Essas são situações em que você pode observar bastante insistência em racismo e discriminação no Brasil.

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