Pesquisa da Ancine confirma pequena presença feminina na produção audiovisual

Das 2.583 obras audiovisuais registradas ano passado na agência apenas 17% foram dirigidas e 21% roteirizadas por mulheres

Postado em: 02-04-2017 às 11h40
Por: Toni Nascimento
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Das 2.583 obras audiovisuais registradas ano passado na agência apenas 17% foram dirigidas e 21% roteirizadas por mulheres

A Agência Nacional do Cinema (Ancine) reconheceu a baixa
participação de mulheres no audiovisual e estuda ações para equilibrar a
concessão de financiamento público. Segundo levantamento inédito da
própria Ancine, das 2.583 obras audiovisuais registradas ano passado na
agência apenas 17% foram dirigidas e 21% roteirizadas por mulheres,
embora mais da metade da população brasileira seja feminina. 

A
pesquisa foi feita apenas em obras comerciais do chamado conteúdo de
espaço qualificado, que exclui produções jornalísticas, esportivas e
publicidade, por exemplo. Assim como no cinema ou na TV, predomina o
olhar masculino, afirmou a agência.

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“[Os dados] nos levam a
entender que a construção das narrativas, que vêm dos roteiristas e dos
diretores, por mais que os produtores participem, é dos homens. O olhar
que vai construir o imaginário de nossa sociedade e novas gerações, é
masculino”, acrescentou a diretora da Ancine, Debora Ivanov, durante a
apresentação do estudo, no Seminário Internacional Mulheres no
Audiovisual.

Índices

O evento foi
realizado na quinta-feira (30), no Rio de Janeiro, e contou com a
apresentação de experiências do Canadá e da Suécia para promover a
paridade.

De acordo com o levantamento, as mulheres têm uma
presença maior entre os produtores (41%) e diretores de arte (58%).
Entre os diretores de fotografia, chegam apenas a 8%.

Em vez de
mostrar uma evolução natural da presença feminina no audiovisual, a
Ancine surpreendeu ao revelar queda. Em 2015, mulheres dirigiram e
roteirizaram 19% e 23% das obras de espaço qualificado, números que
diminuíram para 17% e 21% em 2016. Nos últimos oito anos, conforme o
balanço, os índices flutuaram. Mulheres dirigiram 10% dos filmes em
2014, sem nunca ultrapassar 24% de todas as produções, recorde observado
em 2012.

Paridade

A agência também
constatou que, quanto mais cara a produção, menor o número de mulheres.
“Observamos mais mulheres quando é um curta ou média-metragem, porque
são mais baratos. Nossa presença é maior no documentário que na ficção, o
que corrobora a visão de que em obras de custo menor temos mais
oportunidades”, lembrou Debora.

Para mudar o cenário, a diretora
informou que a agência adotou a paridade de gênero nas comissões de
avaliação dos filmes que concorrem ao Fundo Setorial do Audiovisual
(FSA), com a presença de pelo menos uma pessoa negra. Outro passo para
facilitar o acompanhamento é a obrigatoriedade de autores autodeclararem
o gênero ao registrarem as obras. O monitoramento da identidade
étnico-racial não foi confirmado dessa vez.

Mulheres negras

O levantamento da Ancine não soou como novidade no setor. Pelo menos desde 2014 pesquisas revelam a ausência de mulheres e de negros no cinema nacional. 

Dados
atualizados do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa
(Gemaa), vinculado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),  que acompanha o tema,
mostram que mulheres negras não dirigiram ou roteirizaram um filme
sequer entre os de maior bilheteria no período de 1995 a 2016. O
percentual de homens negros nas duas categorias não passou de 2% na
direção e 3% no roteiro, enquanto homens brancos dirigiram 85% e
roteirizaram 75% das principais produções nacionais.

Realizadoras
negras reforçaram no seminário a necessidade de se criar medidas
específicas para garantir pluralidade de falas e olhares.

“A
gente tem urgência de transformação e as políticas públicas não
caminham nessa velocidade. Estamos incomodadas. A gente não pode ser 24%
da população (mulheres negras) e não estar representada”, disse a
diretora do Fórum Itinerante do Cinema Negro e doutora em História,
Janaína Oliveira. 

“Existem dados [sobre mulheres negras
no audiovisual], precisamos desses dados. Precisamos avançar. Se formos
esperar  o formulário da Ancine incluir raça, terão se passado 15 anos”,
criticou.

Coletivo

Segundo Janaína,
apesar disso, mulheres e mulheres negras estão produzindo, especialmente
curtas e webséries. Ela destacou a participação da realizadora negra
Yasmin Thayná no festival de cinema de Rotterdam, um dos mais
importantes do mundo, ao lado do ganhador do Oscar, Jerry Benkins, e que
quase não repercutiu no Brasil.

O Coletivo Vermelha,
criado em 2014, após divulgações das primeiras pesquisas sobre ausência
de mulheres no audiovisual, avaliou que as disparidades são reflexo da
sociedade e propuseram uma lista de ações para enfrentá-las

“Por
que a classe cinematográfica aceita a regionalização e tem tanta
resistência à paridade de gênero?”, questionou Caru Alves de Souza. “As
narrativas e imagens ajudam a construir identidades, formar valores e
comportamentos. Existe uma responsabilidade de quem cria, financia,
repercute e de quem escolhe“, completou Manoela Ziggiatit. Elas leram um
manifesto durante o seminário.

Outra realizadora de cinema e TV, Renata Martins, aproveitou o evento, ao lado da diretora de Bicho de Sete Cabeças, Laís Bodanzky, para apelar aos colegas do setor e cobrar diversidade nos sets.
“Chamo as mulheres brancas, especialmente. Dos homens brancos, não
espero muito. Esse convite é para a gente pensar nossa equipe, nossa
sala de criação, com quem estamos fazendo nossas trocas
[profissionais].” Renata é pós-graduada em linguagens e artes pela
Universidade de São Paulo e idealizadora da websérie de sucesso Empoderadas.                                                                                                                     

Elenco

Apresentada
pela cientista política Marcia Rangel Candido, a pesquisa do Gemaa, 
com os filmes de maior bilheteria e que dominam o mercado, também
avaliou a participação de mulheres nos elencos. O resultado é que a cada
37 homens brancos, uma mulher negra aparece, mas não em posição de
prestígio.  “A representação mulheres negras quando estão
protaganizando,  é estereotipada, hiperssexualizada”, afirmou a
cientista.

A Ancine respondeu que está atenta “à
interseccionalidade” e vem fazendo avanços. “Conseguimos incluir no
planejamento para os próximos 4 anos o compromisso de se dedicar a
questões de gênero e raça em todas ações de fomento”, disse Debora
Ivanov.

O Ministério da Cultura, por meio da
Secretaria do Audiovisual, também pretende lançar, em abril,  a 2ª
edição do edital Carmem Santos, que dará bônus a propostas de
curtas-metragens apresentadas por mulheres. Devem ser distribuídos R$ 60
mil para 15 projetos.

(Agência Brasil)

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