Livro relata violência contra indígenas durante a ditadura

‘Os Fuzis e as Flechas – A História de Sangue e Resistência Indígenas na Ditadura’ é o nome da obra

Postado em: 11-04-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa

Camila Boehm, Repórter da Agência Brasil

Uma investigação da história de centenas de indígenas mortos durante a ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985, foi transformada em livro pelo jornalista Rubens Valente, que durante um ano entrevistou 80 pessoas, entre índios, sertanistas, missionários e indigenistas para construir o relato.

Lançado na última semana na capital paulista, o livro Os Fuzis e as Flechas – A História de Sangue e Resistência Indígenas na Ditadura traz à tona registros inéditos de erros e omissões que levaram a tragédias sanitárias durante a construção de grandes obras do período militar, como a Rodovia Transamazônica. “Em 1991, 1992, eu estive em uma área de uma etnia que se chamava Ofaié-Xavante. E lá eles me contaram que tinham sido transferidos pelos militares em um caminhão e haviam sido despejados lá no Pantanal, a 600 quilômetros dali (de seu território original). Lembro que essa história me marcou muito, porque mostrou que havia uma coisa a ser contada nessa relação de índios com a ditadura, como eles sofreram impactos nesse período”, contou o jornalista. Em viagens a outras aldeias desde os anos 80 do século passado, Valente conta ter ouvido relatos semelhantes.

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Indígenas isolados

Segundo Valente, houve vários métodos de controle e de enfrentamento dos militares em relação aos índios. Na Região Amazônica, estavam as comunidades mais isoladas, que não tinham sido contatadas e, na época, eram chamadas de hostis ou arredias. “O regime militar desencadeia um processo de ocupação da Amazônia, um processo que envolvia obras, como estradas – principalmente a Transamazônica –, envolvia hidrelétricas e envolvia a criação de núcleos de colonos, de trabalhadores rurais. Esses colonos que vinham a reboque desses projetos de desenvolvimento”, disse. Tudo isso, segundo o autor, “da noite para o dia”, sem um plano organizado com grande estrutura sanitária e médica para os povos tradicionais da região.

Valente contou a história de um grupo Xavante retirado da fazenda Suiá-Missú e levado para outra área da mesma etnia, chamada São Marcos. “O cálculo é que morreram de 100 a 120 índios apenas nessa operação. A força aérea transportou esses índios de uma área para outra de avião e lá eles morreram porque não havia um plano de atendimento a essa população que havia chegado recentemente ali. Eu pude entrevistar sobreviventes que enterraram esses corpos e fizeram covas coletivas, corpos que foram enterrados com tratores, porque eram tantos corpos. É um típico caso de um erro de entendimento da questão indígena”, disse o autor do livro.

Construção da BR-174

Um dos casos considerados mais graves por Valente está relacionado à construção da BR-174, conhecida como Rodovia Manaus–Boa Vista, que atravessou o território indígena da etnia Waimiri-Atroari e colocou os índios em contato com trabalhadores, na década de 1970. “O cálculo mais modesto indica 240 mortos só nesse caso. A mortandade ocorreu de 1974 até por volta de 1977”, disse o jornalista. “Eu procurei amarrar esses episódios e mostrar para o leitor um panorama do que ocorreu e a ideia de que havia uma lógica por trás de tudo isso, uma lógica militar de ocupação da Amazônia”.

Para o autor do livro, a principal conclusão da pesquisa é a dificuldade do Estado brasileiro de reconhecer essas mortes e pedir desculpas pelo que ocorreu.

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