Dupla francesa mostra ginga brasileira

No repertório, músicas próprias e composições de Tom Jobim, Joyce Moreno, Vinicius de Moraes e Ernesto Nazareth

Postado em: 17-05-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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No repertório, músicas próprias e composições de Tom Jobim, Joyce Moreno, Vinicius de Moraes e Ernesto Nazareth

Bruna Policena

A s cantoras e compositoras Aurélie e Verioca seriam duas francesas típicas não fosse um detalhe: um enorme amor ao Brasil e à nossa música. Foram dedicadas não só em aprender o português quanto para cantar e compor em nosso idioma. Verioca Lherm descobriu e dominou as nossas batidas no violão, no cavaquinho e na percussão vocal, enquanto Aurélie Tyszblat compõe e canta seus versos em português e francês.

A dupla está no Brasil para uma turnê e se apresenta em São Paulo, no Rio de Janeiro e, pela primeira vez, em Goiânia. Elas vão mostrar músicas de seus dois discos, Além des Nuages e Pas à Pas, além de novidades como versões que fizeram para composições de Baden Powell, Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Joyce Moreno.

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Aurélie e Verioca se apresentam em duo. A versatilidade das duas mostra um show diversificado, passando de ritmos mais tradicionais, como maracatu e baião, para a leveza de ambientes que nos convidam a sonhar – sem esquecer o humor e a alegria, já que as duas gostam de compartilhar com o seu público histórias e anedotas recolhidas ao longo do caminho.

Verioca estudou violão clássico e, depois de formar-se, resolveu se dedicar ao estudo da música brasileira. Descobriu nossa música nos anos 1980, quando ouviu Villa-Lobos e a pianista e cantora Tânia Maria, brasileira radicada na França desde a década de 1970. “Foi como uma revelação’, conta ela, que completa: “Ali, eu soube que era este tipo de música que queria fazer. A música brasileira é sofisticada, mas acessível e dançante. Tem uma incrível riqueza harmônica, rítmica e melódica”. Ela estudou, entre outros, com Dino 7 Cordas (violão) e Marcos Suzano (pandeiro).

Aurélie, filha de pai artista plástico e pianista amador, é autodidata em música, mas fez cursos universitários de Literatura e Cinema. Trabalhou como produtora e roterista até resolver se dedicar à música a partir de 2009. Para ela, o Brasil surgiu nos discos de Chico Buarque e Baden Powell, por exemplo, que eram sempre tocados em sua casa. “Mesmo quando eu não falava ainda a língua, conseguia pegar o sentido das palavras, me deixando guiar pela emoção”, diz  Aurélie. Parceiras desde 2007, a paixão pela música brasileira fez com que as francesas montassem um repertório com versões de composições de Guinga e Aldir Blanc. Deu certo, e acabou virando show, que percorreu a França.  

Parcerias brasileiras

As musicistas viajavam pelo Brasil mesmo antes da dupla. A primeira vez em que vieram para tocar foi no Rio de Janeiro, no lançamento do álbum Além des Nuages, em 2012, em que tiveram a participação de Guinga, então já um parceiro, na música Ma Vie/Dos Anjos. Conheceram Joyce durante uma masterclass da cantora, no Rio, em 2010, e a afinidade foi tanta que, hoje, são parceiras em Chocolat for H(all), um tema instrumental intitulado For Hall, em homenagem ao violonista norte-americano Jim Hall e que ganhou letra de Aurélie. Durante a primeira turnê da dupla em São Paulo, em 2012, foi a vez do encontro com o compositor Eduardo Gudin, de quem eram admiradoras e a quem convidaram para ver o show.  O resultado foi mais uma colaboração que virou Outro Cais/Un Autre Quai, de Gudin, Costa Netto e Aurélie.

Nem Verioca nem Aurélie sabem dizer o porquê dessa ligação com o Brasil.  “Nossos pais não têm origens portuguesas ou brasileiras. Começamos a cantar música brasileira sem conhecer o idioma. Eu, por exemplo, comecei com as letras de Aldir Blanc, sem entender uma palavra. Mas tinha alguma coisa que me tocava a alma. Após a primeira viagem, comecei a estudar com professores brasileiros e passei a entender melhor. Para responder a essa pergunta,  brincamos que fomos brasileiras numa vida anterior e que, de qualquer forma, com muito amor, nada é difícil”, conta Aurélie.

O repertório tem músicas de autoria da dupla como Naquele Bar, Reconciliação e Rêve en Baião, além de versões em português e francês para Águas de mMarço (Tom Jobim), Apanhei-te Cavaquinho (Ernesto Nazareth) e Canto de Ossanha (Baden Powell e Vinicius de Moraes). 

Entrevista Aurélie  Tyszblat 

Como foi a experiência, em sua primeira viagem ao Brasil, antes mesmo da parceria?

Para Verioca, foi em 1982: ela viajou durante dois meses. Já tocava violão e tinha uma banda. Ela se assustou com o número de pessoas que tocavam violão, naquela época – e que tocavam bem, aliás. Ela falava um pouco de português, mas não muito. Eu viajei para o Brasil pela primeira vez, em 2005, e o que tenho em comum com a Verioca, recorrente entre muitos franceses também, é conhecer os trechos de músicas brasileiras, em sua maioria, bossa nova. E, antes mesmo de falar o idioma, a gente falava trechos de letras de músicas. Esse foi nosso primeiro passo. Em 2005, eu não falava nada, nenhuma palavra. Eu fiquei muda durante um mês. Viajei pelo Rio de Janeiro, Ilha Grande, fiz passeios turísticos. E, depois, voltando a Paris, a gente resolveu voltar sempre que possível. Nessa viagem de 2017, é a 16ª vez que a Verioca está no Brasil e, para mim, é a 13ª vez.  Então já temos uma história longa. 

Antes mesmo de viajar, quando tinha contato com a música brasileira a distância, qual o imaginário construído da cultura brasileira?

Começou coma música mesmo. Começou com a bossa nova para mim. Para Verioca, foi um pouco diferente, porque, no conservatório, ela estudava as obras de Villas-Lobo, de João Pernambuco, e logo depois ela conheceu o trabalho de uma cantora do Maranhão, chamada Tânia Maria, cantora e pianista, que fazia improvisos incríveis e trabalha com onomatopeias. Aí, ela se encontrou e resolveu dedicar a vida musical dela para a música brasileira. 

Quais outros elementos da cultura brasileira te chamam atenção? 

Agora, depois destas primeiras viagens, o que chamou a nossa atenção, claro, é a natureza. A gente tem que confessar que é a nossa primeira vez no Centro-Oeste do Brasil, pois temos nossa base no Rio de Janeiro. Mas a natureza é uma coisa muito importante para nós, principalmente para a Verioca, que é fã das árvores. Do meu lado, eu sou fã da culinária. Então tudo que eu posso, quero experimentar. Sei que aqui tem pamonha! Eu sou fã da culinária mineira, e já sei que tem umas ligações com a culinária daqui de Goiás. A cachaça também. Não bebemos muito, mas não negamos uma cachacinha boa e de qualidade. O que também nos chama muita atenção são as dificuldades políticas do Brasil, mas é uma coisa quase que mundial, e ficamos acompanhando os acontecimentos, diretamente da França, com muito carinho e com a esperança que esse mundo louco vai melhorar. 

Como foi a experiência do primeiro show apresentado no Brasil, cantando composições da dupla em português? De que forma foram recebidas pelo público?

Foi muito bom, sempre fomos muito bem acolhidas. Nosso trabalho tem uma coisa de como se fosse uma ida e volta na música brasileira. Ela chegou até a gente na França e estudamo-la com o maior carinho e respeito. E, agora que estamos voltando com essa mistura com o idioma frances e com a nossa identidade local, temos uma recepção muito prazerosa. Tanto o público como os músicos foram muito acolhedores. Não tenho outras palavras. Foi aconchegante. A gente começou a fazer as produções dos nossos dois discos independentes, sozinhas, mas com apoio de vários músicos brasileiros.  

Quais diferenças em apresentar um show desses na França e no Brasil?

Tem uma diferença sim. O público daqui, quando gosta de alguma coisa, se encanta, e é muito entusiasmado. E isso é prazeroso para nós. Nosso show é igual, tocamos as mesmas músicas do mesmo jeito. O idioma é em português, porque estamos aqui, mas o show é igual. O que muda é talvez o entusiasmo das pessoas, que são mais comunicativas. Mas estamos chegando lá na França, também, com shows que têm sido muito bons e com pessoas encantadas também. 

Suas composições em português abordam quais temáticas?

As nossas composições em português têm como temática o amor, o que pode ser o amor entre duas pessoas ou de alguém por outro país, como nosso amor pelo Brasil. E o amor pela culinária. Nós temos duas músicas em nosso repertório sobre a culinária francesa. Tem outra temática, também, que entrou na música Aquele Bar, escrita em homenagem a um bar, que havia em Paris, que recebia os músicos brasileiros que iam tocar em algum lugar para fazer música até seis da manhã. 

De onde surgiu o amor pelo baião e por outros ritmos brasileiros? 

A nossa música é muito diversa. A gente toca baião, mas também toca samba, choro, bossa nova. Tem coisas mais lentas e baladas. E, falando do baião, a gente se encantou por meio das composições do Guinga e também pela obra do Luiz Gonzaga. É um ritmo muito legal! Eu adoro dançar forró e gafieira! A Verioca dança samba no pé!

Qual a expectativa para a estreia do show em nossa cidade? 

É a primeira vez para nós. Acabamos de chegar, e é muito bom poder estar em uma cidade desconhecida e ter essa novidade, conhecer pessoas novas, músicos daqui, novos encontros e possíveis futuras parcerias. E temos muita sorte! Esperamos um público bom e que goste da nossa música franco-brasileira! 

 

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