“Anorexia e bulimia afetam saúde física”, afirma especialista

Mulheres jovens registram maior incidência de transtornos alimentares

Postado em: 09-01-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Mulheres jovens registram maior incidência de transtornos alimentares

GUSTAVO MOTTA*

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Padrões de beleza e a necessidade de se adequar a eles – essas são apontadas como as principais causas para o desenvolvimento de distúrbios alimentares, como a bulimia e a anorexia. Ambas as doenças estão associadas a um distúrbio de imagem: quando o paciente não consegue aceitar o próprio corpo como ele é, tendo a impressão de sobrepeso. Pessoas com anorexia desenvolvem um grande medo de engordar, e podem tomar medidas extremas para alcançar resultados de emagrecimento – como pular refeições ou ficar horas sem comer.

A falta de nutrientes e calorias no organismo ocasiona um quadro de desnutrição e desidratação, que associado a outros transtornos psicológica, como a depressão, pode ocasionar a morte. No caso da bulimia, medidas mais radicais como a indução do vômito e ingestão de laxantes são tomadas para evitar o ganho calórico. O nutricionista Gustavo Pimentel alerta que os transtornos são mais comuns entre crianças e jovens – principais consumidores de mídias sociais que promovem padrões de beleza, às vezes, apontados como inalcançáveis.

O especialista, que também é professor da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás (FANUT/UFG), aponta que os distúrbios afetam a saúde nutricional, óssea e hormonal dos indivíduos, mas são de origem psicológica: “É necessário um tratamento conjunto com nutricionista e psicólogo”. Gustavo  é Doutor em Ciências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp/SP) e conversou com o Essência sobre a manifestação desses transtornos, sintomas e comportamentos associados a ambas, e a importância do tratamento. 

Anorexia x Bulimia: aprenda a identificar os sintomas  

A anorexia e a bulimia estão entre os distúrbios alimentares mais discutidos na atualidade, e atingem principalmente mulheres jovens, “mas também podem acontecer independente do gênero ou idade”, conta o nutricionista Gustavo Pimentel. Um levantamento, realizado em 2014 pela Secretaria de Saúde de São Paulo, aponta que 77% das jovens apresentaram propensão a desenvolver algum distúrbio alimentar, e 46% disseram que mulheres magras são mais felizes.

“Esses problemas podem levar a medidas radicais, como até mesmo a indução a vômitos e a exposição a longos períodos sem comer”, aponta o especialista. Dentre os riscos trazidos, o nutricionista identifica, a longo prazo, a manifestação de problemas ósseos como a osteoporose, e até mesmo a perda do ciclo menstrual (em pacientes do sexo feminino). Por isso, é importante conhecer os sintomas físicos de cada distúrbio: 

Anorexia

Atrofia muscular;

Aparência magérrima;

Boca seca e cáries;

Desidratação;

Descompasso cardíaco;

Perda da resistência óssea;

Insônia e fadiga.

Bulimia

Desnutrição;

Tontura;

Fadiga e desmaio;

Emagrecimento súbito;

Insônia ou sono em excesso;

Inchaço no corpo.

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação da editora Flávia Popov

 

Entrevista: GUSTAVO PIMENTEL 

Existe um perfil mais específico de quem sofre com a anorexia e bulimia?

O que sabemos, até o momento, é que essas doenças acometem ambos os sexos, mas verificamos que mulheres costumam ser mais atingidas pela anorexia e pela bulimia do que homens – especialmente aquelas em idade escolar. Em 2015, questionários para a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense) foram aplicados em crianças do 9º ano do ensino fundamental e revelaram que meninas têm maior insatisfação com seus corpos. Uma em cada cinco estudantes (21,8%) afirmaram que se consideravam gordas ou muito gordas. O mesmo foi identificado em apenas 15% dos garotos.

Como a imposição de padrões estéticos influencia nessa sensação de insatisfação com o corpo?

Essa insatisfação é um dos principais problemas em pessoas anoréxicas e com bulimia. Os dados, referentes à pesquisa de 2015 , apontam como ela se dá entre crianças e adolescentes, sendo esse o público que mais consome mídias sociais – como revistas que divulgam fotos com corpos esbeltos e excessivamente magros ou torneados. Pessoas nessa faixa etária também ficam muito tempo expostas à redes sociais, sendo que fotos de celebridades consideradas bonitas, ou de pessoas que gostam de exibir os corpos são bem comuns – e levam quem consome esse conteúdo a achar que aqueles corpos são legais, e à insatisfação de que o próprio corpo não é legal.

Existe um sentimento de frustração ou culpa nessas pessoas?

Isso é um ponto muito interessante, porque transtornos como a bulimia ou a anorexia são de origem psicológica – e podem ser ocasionados após episódios traumáticos, como separações em relacionamentos. Pessoas que sofrem de bipolaridade também têm mais chance de desenvolver essas doenças. Inclusive um dos tratamentos principais para esse caso é a psicoterapia, porque apenas o nutricionista não consegue tratar isso. Cada profissional da saúde vai conseguir abordar isso de uma forma específica.

Esse sentimento de frustração ou culpa de algo faz parte do quadro mental em uma pessoa que apresenta a bulimia, sendo esse um ponto que a diferencia da anorexia. Na bulimia, a pessoa tem aquele desejo de satisfação corporal, mas ela quer se utilizar de métodos como o uso de medicamentos ou a indução ao vômito. A frustração com o próprio corpo também a leva a exagerar nos exercícios físicos, e a ficar fissurada em olhar os rótulos dos produtos – tentando separar os alimentos que podem ser consumidos daqueles considerados ‘ruins’.

A anorexia e a bulimia têm associação com a depressão?

Existe essa associação. Muito se fala, pelo senso comum, que as duas doenças podem ocasionar a morte – na verdade, ela é ocasionada pela associação da anorexia e bulimia a outros transtornos. Ainda não está muito claro para a comunidade científica se os transtornos em si podem levar à morte, mas é sabido que pessoas com esses problemas podem desenvolver um quadro muito profundo de depressão. Sendo assim, caso pensemos de modo não isolado, os efeitos colaterais provocados pelo comportamento da pessoa podem levar ao estado terminal.

Quais são esses efeitos colaterais?

Existem vários sinais clássicos. No caso da anorexia, a pessoa pode ficar com os cabelos mais secos e quebradiços devido à falta de nutrientes. Os longos períodos de jejum podem ocasionar tonturas, enfraquecimento muscular e confusão mental – o indivíduo pode se esquecer das coisas. Na parte hormonal e do metabolismo, a quantidade de glicose, ou seja, de açúcar, é bem reduzida, e a concentração de colesterol aumenta – o corpo começa a sentir o déficit de nutrientes e, por isso, vai buscar energias na reserva do organismo.

No caso da bulimia, ela apresenta muitos efeitos colaterais semelhantes aos da anorexia, mas existem dois sinais clássicos. O primeiro é a esofagite, ou seja, uma inflamação no esôfago. Quando a pessoa induz o próprio vômito, seja com o uso de objetos ou da própria mão, o material ingerido chega até a boca com uma grande concentração ácida, que provoca a esofagite. O segundo é provocado também pela acidez da secreção – o surgimento de erupções nos dentes. Inclusive utilizamos a manifestação desse sinal para detectar e diagnosticar a bulimia.

No caso de crianças e adolescentes, quais sinais de comportamento podem indicar a manifestação desses distúrbios?

A comunidade científica utiliza um termo chamado ortorexia, que significa o “desejo muito forte de se alimentar saudavelmente”. Na prática, ela acontece quando o responsável identifica ou é avisado por alguém que a criança ou adolescente está deixando de ingerir algo mais energético, como um alimento rico em carboidratos, para comer apenas uma salada, ou metade de uma fruta – e quando esse comportamento é diferente das outras pessoas de mesma faixa etária. Quando um responsável aponta essa busca por alimentos saudáveis a todo momento, é hora de começar a se preocupar.

Um estudo britânico aponta que o uso de redes sociais, entre 15 e 30 minuto, está associado a uma tendência mais alta de se desenvolver ortorexia. Quanto maior é o tempo na frente de uma tela, maiores as chances de se contrair o distúrbio, que é um fator de risco para a bulimia e anorexia devido à veiculação de padrões estéticos. Apenas em crianças com idade escolar, foi identificada uma prevalência da ortorexia em 49%. Ficar muito tempo em frente a espelhos, sempre buscando a própria silhueta, e tentando ver como está o rosto, o cabelo e a roupa são outros sinais de que os jovens estão desenvolvendo algum distúrbio associado à imagem.

Essas doenças são difíceis de se identificar?

São sim, porque o especialista depende muito do que é dito pelo paciente, amigos, familiares e conhecidos. Quando atuava pela Unicamp, eu atendi uma adolescente com anorexia que foi trazida pelo namorado – e isso me chamou muito a atenção, porque foi ele que percebeu, buscou ajuda e a convenceu a iniciar um tratamento. Então é necessário que as pessoas próximas fiquem atentas aos comportamentos, e contem ao médico todas as informações necessárias para o diagnóstico correto, pois são elas quem convivem com o paciente. Às vezes o que acontece é a omissão de informações, a imprecisão e até mentiras – que atrapalham o trabalho médico.

Quais as dicas para prevenção?

Além da importância dos amigos e familiares estarem próximos, é necessário salientar sobre os riscos do acesso à redes e mídias sociais – como o Instagram, cheias de fotos tiradas por pessoas que estão adequadas aos padrões de beleza, e revistas que fomentam modelos estéticos. Hoje, existem aplicativos e programas online que fazem diversas edições e manipulações de imagem. Como resultado, vemos imagens de mulheres com bumbuns definidos e de homens com abdomens malhados, mas que são criados artificialmente. A tecnologia e a mídia fazem com que as pessoas desejem corpos que não existem. Por isso é necessário pensar duas vezes antes de acreditar no que é veiculado em fotos por aí.

Os transtornos podem ser tratados em sua totalidade?

Sim, mas recaídas podem vir a acontecer devido a algum desinteresse do paciente com o processo de tratamento. Infelizmente acontece do indivíduo querer abandonar o acompanhamento. Às vezes é percebido que após alguns meses, o paciente deixa de ir ao psicólogo para apenas obter informações sobre alimentação com um nutricionista. Nesses casos, o tratamento costuma demorar mais, e caso não aconteça com eficácia, pode levar a pessoa a ter uma recaída no futuro. 

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