Dança inclusiva desperta programação de atividades

Coreógrafo brasileiro, radicado em Portugal, chega a Goiânia para projeto cênico com deficientes

Postado em: 24-01-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Coreógrafo brasileiro, radicado em Portugal, chega a Goiânia para projeto cênico com deficientes

GUSTAVO MOTTA*

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Começa nesta quarta-feira (24) a programação para formação de artistas, ministrada pelo coreógrafo Henrique Amoedo, que atua com dança inclusiva há mais de 20 anos. O criador cênico propõe um trabalho com portadores de necessidades especiais, além de alunos e professores em instituições que atuam com esse público. Escolas de dança também fazem parte do projeto. A iniciativa recebe recursos do Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás e tem vínculo com a Universidade Federal de Goiás (UFG).

Os encontros devem acontecer até domingo (28) no Centro Cultural da UFG (Avenida Universitária, nº1533, Setor Leste Universitário), entre 14h30 e 18h30. Henrique destaca que o projeto visa desenvolver ações formativas, educacionais e artísticas abordando questões inclusivas a partir da peça Endless, do grupo português Dançando com a Diferença, cuja remontagem vai ser proposta. O coreógrafo é fundador e diretor da equipe, sediada em Madeira (Portugal), e membros do grupo vão dividir o palco juntamente com estudantes, artistas e professores de Goiânia. O cronograma das atividades vai ser dividido em três partes.

Programação

A coordenadora do projeto, Marlini de Lima, afirma que a realização do cronograma em fases possibilita um extenso período para formação de equipe com o coreógrafo. “Posteriormente à despedida dele, iremos dar continuidade ao trabalho com nossos parceiros – como escolas, instituições voltadas a pessoas com necessidades especiais e cursos de dança – para um retorno do Henrique”, afirma. Sendo assim, as atividades devem acontecer a longo prazo, ora com a participação do artista, ora desempenhadas pelo núcleo cênico em Goiânia. Após o primeiro encontro, será consolidada uma equipe multidisciplinar composta de formadores locais.

Pessoas interessadas em compor o coletivo já podem se inscrever pelo e-mail [email protected] (vagas limitadas). Esse grupo vai dar prosseguimento aos trabalhos da segunda etapa, sendo monitorados à distância pelo Grupo Dançando com a Diferença. “As fases da iniciativa prevêm o deslocamento de professores formadores em vários contextos, e isso enriquece a formação artística”, conta Marlini. A coordenadora, que também é docente do curso de Licenciatura em Dança pela UFG, comemora a medida e ressalta a sua importância para mudar a imagem social das pessoas com deficiência: “Ela potencializa a diversidade dos corpos em cena”.

“A cultura tem seu potencial de incluir ou excluir as pessoas – isso depende de como ela é realizada e do que propomos”, destaca. Workshops sobre arte cênica e acessibilidade, com debates sobre as vivências na dança inclusiva, devem compor a segunda fase. Discussões sobre o uso do Braile em folders, e recursos de audiodescrição e encenação com intérprete de Libras, também devem compor a programação dessa etapa. Ensaios preparatórios para o espetáculo Endless devem ser iniciados no fim dessa fase.

A estreia e apresentações da peça são a etapa final do projeto. A expectativa é que as duas últimas fases aconteçam em junho. “Esse espetáculo não é novo, então propomos  sua remontagem de modo inédito por aqui”, ressalta. Endless já foi apresentado no continente europeu, com mais de 100 artistas em palco. A peça foi realizada originalmente pelo grupo fundado por Amoedo e, por isso,  Marlini comemora a vinda do coreógrafo: “Trazer o diretor do grupo português é poder compartilhar conhecimentos e aprender com a sua trajetória”.

Iniciativa

A produtora executiva do projeto, Giselle Carvalho, conta que Marlini esteve em Portugal para a realização de um trabalho acadêmico. “Durante essa ida, ela estabeleceu uma parceria com o Henrique para trazer o espetáculo, remontado, para Goiânia”. A professora de dança elaborou uma proposta artística que foi submetida às regras de um edital da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), e avaliada por uma comissão que aprovou a iniciativa.

Por meio da política que sustenta o Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás, uma quantia financeira foi destinada ao projeto. “A aprovação do edital aconteceu ainda no começo do ano passado, mas as verbas foram disponibilizadas apenas no fim”, lamenta a produtora. Apesar disso, Giselle conta que o Grupo Dançando com a Diferença foi contatado o mais rápido possível após a disponibilização do dinheiro. “A agenda deles é muito intensa”, afirma. Segundo a produtora, a companhia tem datas fechadas até 2019.

Henrique Amoedo destaca que o trabalho conjunto entre a organização goianiense e o grupo português é importante para garantir destaque e visibilidade a uma iniciativa que recebe dinheiro público. “Isso consolida a imagem do trabalho realizado coletivamente, porque é importante deixar a sociedade consciente de que o dinheiro dela está sendo destinado a algo relevante e que tem apoio internacional”. 

Diversidade

Marlini de Lima conta que o projeto tem a proposta de atrair pessoas com qualquer tipo de necessidade. “Esperamos uma grande diversidade de corpos – com ou sem deficiências – pois só podemos falar de inclusão quando há espaço para essa variedade”. A coordenadora comemora a oportunidade de possibilitar o encontro de pessoas por meio da arte inclusiva, e destaca os aspectos educativos e de formação no cronograma das atividades. “Iniciativas como essa têm uma complexidade muito grande, e exigem muito de nós ao nos fazer pensar a inclusão – algo que ainda não é tão evidente nos espaços de dança e teatro”.

“As pessoas costumam associar a deficiência à pena, mas projetos como esse têm a capacidade de colocar portadores de necessidades especiais em uma posição de destaque, onde a diferença é celebrada e valorizada”, destaca Amoedo. O artista ressalta que ações dessa natureza permitem à sociedade enxergar a deficiência por um prisma diferente dos preconceitos culturalmente arraigados. “A sociedade é preconceituosa, e isso é refletido nos espaços de arte”. O criador cênico conta que a arte é teoricamente inclusiva, mas, na realidade, os espaços da dança contemporânea se utilizam de corpos específicos. “Quando isso acontece, todo os demais corpos são excluídos da soma”, lamenta.

Apesar da dificuldade no acesso desse público à realização de espetáculos, Henrique destaca o papel do Grupo Dançando com a Diferença na quebra de paradigmas: “Nós somos os responsáveis pelo conceito de ‘dança inclusiva’ e estamos entre os dez principais grupos que promovem esse tipo de arte no continente europeu”. O conceito foi proposto por Amoedo em 2002, enquanto realizava um trabalho acadêmico, e significa a integração de pessoas com e sem deficiências por meio da dança. “É evidente que precisamos levar em consideração aspectos terapêuticos e educacionais para a inclusão, mas, em síntese, é esse o significado da ideia que tive”.

Apesar dos desafios e limitações no acesso desse público à produção de arte cênica, Marleni acredita em um futuro mais inclusivo: “Quem sabe nós possamos, na posteridade, ver mais bailarinos com deficiências físicas incluídos em nossos grupos de dança”. A importância da cidadania e da proteção à dignidade humana também faz parte da temática abordada em Endless. Henrique Amoedo conta que, pela proximidade com o contexto europeu, a companhia portuguesa buscou um pano de fundo histórico para a perda desse direito. “Encontramos isso no Holocausto”, destaca o coreógrafo.

‘Endless’

“Utilizamos o cenário do Nazismo e da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) para conscientizar as pessoas sobre a importância de se prezar a nossa dignidade”, destaca o artista. A equipe do Grupo Dançando com a Diferença visitou antigos campos de concentração, como o complexo de prisões mantido pelos nazistas em Auschwitz. O local recebia prisioneiros políticos e grupos perseguidos pelo regime alemão – como ciganos, judeus e homossexuais – e funcionou entre maio de 1940 e janeiro de 1945.

Pelo menos 960 mil judeus foram exterminados nesse espaço, além de 21 mil ciganos e 15 mil prisioneiros de guerra. “A experiência de ver Auschwitz nos impactou muito”, rememora o coreógrafo. Em 27 de janeiro de 1945, o exército soviético, que tomou parte da Alemanha, libertou cerca de sete mil pessoas dos campos de concentração mantidos na localidade – a maioria estava doente e morreu. Estima-se que 1,3 milhão de pessoas foram deportadas para esse espaço em seus cinco anos de atividades – 1,1 milhão foram exterminados.

“Passamos também por Berlim, capital da Alemanha”, rememora. O conhecimento sobre a violência e o histórico de violações da dignidade humana foram incluídos no trabalho de Endless, que circulou pelo continente europeu entre 2010 e 2012. Parceiros alemães, poloneses, lituanos e estonianos atuaram no projeto, que estreou no Museu de Arte Contemporânea da Madeira, na Ilha da Madeira, local de residência do grupo em Portugal. A remontagem da apresentação, em Goiânia, será a primeira de caráter intercontinental a ser realizada pelo conjunto.

Coreógrafo e companhia

Henrique Amoedo é licenciado em Educação Física pelas Faculdades Integradas de Guarulhos (SP). O criador cênico criou o termo ‘dança inclusiva’ para se referir à possibilidade de mudança na imagem social sobre a inclusão de pessoas na sociedade por meio da dança. O artista foi co-coordenador do Projeto de Dança para Pessoas Portadoras de Deficiência do Departamento de Artes da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), juntamente com Edson Claro.

Fundador da Roda Viva Cia. de Dança em 1995, dirigiu a companhia até 1998. No ano seguinte, se mudou para Portugal, onde fundaria, dois anos depois, o Grupo Dançando com a Diferença. Atualmente, o conjunto é considerado como um dos mais influentes na realização de atividades inclusivas, tendo recebido diversos prêmios desde o começo das atividades. No coletivo do grupo se destacam artistas portugueses como Clara Andermatt, Rui Lopes Graça, Rui Horta, entre outros. Entre brasileiros, destaque para Ivonice Satie e Henrique Rodovalho, criadores de espetáculos como Passion e 1 Apaixonado, respectivamente.

SERVIÇO

‘Dança Inclusiva’ com Henrique Amoedo

Quando: até domingo (28)

Onde: Centro Cultural UFG (Avenida Universitária, nº1533, Setor Leste Universitário – Goiânia)

Entrada: inscrições pelo e-mail [email protected]

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação da editora Flávia Popov 

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