‘Natureza Morta’: fragmentos à luz

Metáforas em retalhos ocupam o palco do Teatro Sesc na noite desta quinta-feira (1º)

Postado em: 01-02-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Metáforas em retalhos ocupam o palco do Teatro Sesc na noite desta quinta-feira (1º)

GUSTAVO MOTTA*

Ações recortadas se transpõem em uma lógica mais sensorial que cronológica: a proposta de fragmentos cênicos ganha as luzes do Teatro Sesc na noite desta quinta-feira (1º) com o espetáculo Natureza Morta, com performances dos bailarinos João Paulo Gross e Daniel Calvet. A dupla compõe o Ateliê do Gesto, um projeto coletivo criado em 2017 pelos artistas cênicos. Na Capital, a equipe estreou a peça em outubro de 2017, no Festival Goiânia em Cena, como remontagem da apresentação original de 2009.

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João Paulo Gross também assina a direção do espetáculo, e conta que a ideia para o Natureza Morta surgiu quando o bailarino vivia no Rio de Janeiro. “Estreamos em uma iniciativa do Sesc Rio chamada Novíssimas Pesquisas Cênicas, que premiava os melhores trabalhos com uma temporada em Copacabana”, lembra. Na ocasião, a peça foi apresentada pelo artista em cooperação com a bailarina Maíra Maneschy e a dramaturga Verônica Prates. Na remontagem, Daniel Calvet assumiu o lugar da dançarina: “É evidente que apesar de mantermos o trabalho da Verônica, essa alteração exigiu readequações no espetáculo”, conta.

Ateliê

“Eu e o João Gross formamos o Ateliê do Gesto, e temos desde então convidado novos artistas para somarem seus empenhos conosco”, destaca Calvet. O bailarino conta que a iniciativa não conta com um criador fixo, porque os projetos são realizados em coletivo. João Gross compartilha o ponto de vista, e, ao destacar a importância da articulação com outros criadores cênicos, contou com exclusividade para o Essência que um novo espetáculo intitulado Dança Boba, deve estrear, em fevereiro, com direção de Calvet e colaboração de Gleysson Moreira.

“É muito difícil no meio artístico a cooperação entre duas mentes criativas dar tão certo”, avalia. Gross afirma que já tinha uma caminhada profissional com Daniel e, devido à afinidade artística, ambos sentiram a necessidade de pesquisar, conjuntamente, a relação do corpo com o movimento em cena. “Precisávamos criar uma identidade coletiva, um nome que nos representasse”, lembra. Além de Natureza Morta e o ainda inédito Dança Boba, o conjunto realiza o espetáculo Crivo, considerado um grande sucesso. “Apenas no ano passado, realizamos 51 apresentações levando nossas duas peças ao público”.

Com o Crivo, que estreou na Capital em 2015, antes de surgir o coletivo, João Gross chegou a participar de três festivais na República Tcheca, passando por seis cidades ao longo de um mês. “Também fomos ao Chile, nos apresentando na cidade de Concepción”, afirma. Daniel adiciona que a passagem pelo país vizinho ocorreu em 2017. “Circulamos também pelas cinco regiões do Brasil”, afirma o bailarino. Calvet destaca que o Natureza Morta desempenhou papel importante na concepção do Crivo, e avalia que a escolha de remontar o espetáculo é importante para que se entenda o ‘embrião’ criativo desse projeto.

“Temos sentido o interesse do público pelas nossas criações”, comemora Daniel. O dançarino avalia que o reconhecimento se intensificou após a circulação do Crivo, ao longo do País, no ano passado. “Sentimos que conseguimos formar uma plateia, e o nosso objetivo é justamente o de comunicar com as pessoas e dar vida ao Natureza Morta, que começa a engatinhar em nosso ateliê”. O bailarino conta que um dos objetivos do grupo tem sido a criação de uma arte com referências nacionais: “No Crivo, se trabalhava um pouco das criações de Guimarães Rosa (escritor mineiro) e, nesse projeto, nos apropriamos de características da obra do artista plástico Farnese de Andrade (1926-1996)”.

Espetáculo

A peça investiga questões da essência humana, trazendo o pensamento barroco e sua riqueza de linguagem à arte contemporânea. “A obra do Farnese é repleta de símbolos religiosos, e expõe muito do conservadorismo mineiro, com seus dogmas e cerimônias”, afirma. Cidades de Minas Gerais, a exemplo de Ouro Preto e Sabará, abrigam grande acervo de arte e arquitetura barroca. “Ele não é um artista barroco, mas aborda muitas questões tematicamente ligadas ao estilo”, ressalta. Daniel Calvet conta que Farnese foi praticamente esquecido nas últimas décadas, apesar do trabalho relevante e exposições internacionais (como a Bienal Internacional de Escultura, em Carrara, na Itália).

“Nos propomos a realizar atos cênicos fragmentados, recortados”, aponta. “Os elementos são muito fragmentados no trabalho do Farnese, e tomamos isso como referência”, conclui. O artista conta que o mineiro costumava se utilizar de simbolismos e objetos repletos de memórias afetivas: “Queremos justamente trabalhar cenas recortadas, despedaçadas, sem uma ordem ou fim, de modo que cada espectador possa construir seu ponto de vista com associações subjetivas entre ideias e imagens”. João Gross destaca que Farnese possui um acervo rico em obras, dentre gravuras, pinturas e esculturas.

Gross afirma que Farnese criou o verbo “oceanizar”, e dizia que as suas peças eram “oceanizadas”. “As obras dele eram como o oceano, profundas o suficiente para guardar memórias da alma”. “Optamos por focar os nossos estudos nas esculturas, especialmente nos oratórios que ele produzia, porque as formas, sombras e luzes nos transmitem a ideia de enclausuramento – característica que permeia toda a apresentação”. Daniel reforça a afirmação de João Gross ao contar que “do começo ao fim, o espetáculo nos prende (artistas em palco), nos enclausura na iluminação cênica”.

A iluminação e o figurino são criação de Daniel Calvet, com contribuição do goiano Marlan Cotrim, que adicionou bordados às peças. “Fomos pensando os elementos cênicos, que poderiam remeter ao trabalho do Farnese, como o uso da sombra e luz – no fim tínhamos uma gaiola visual, prendendo o espaço de performance”. João Gross conta que a recepção do público alavancou os trabalhos da peça remontada. “Temos recebido muito apoio, inclusive nas rede sociais, então esperamos que Natureza Morta seja muito bem recebido pelas pessoas”.

Público

“Recebemos o convite do Teatro Sesc, que mantém uma plataforma de artistas, que se apresentam conforme a demanda da instituição”, conta o diretor. João Gross elogia a iniciativa e afirma que o Teatro Sesc em Goiânia tem trazido muitas propostas estéticas diferenciadas. O artista pontua que, quando Crivo foi lançado na Capital, o teatro organizou uma atividade para formação de público juntamente com escolas da rede municipal. “Fizemos seis apresentações, trazendo estudantes ao espaço cênico para que eles tivessem acesso à experiência de ir ao teatro”.

Gross afirma que é importante a realização de atividades para formação de público, especialmente em um País que ainda não tem uma cultura tradicional de frequentar esse tipo de espaço. “É importante medidas como essa para democratizar os espaços culturais e garantir o direito de se consumir artes cênicas – deslocar as crianças da sala de aula para o ambiente dos artistas é uma experiência transformadora”, ressalta. O dançarino pontua que, em muitas cidades por onde passou, o ateliê promoveu oficinas abertas ao público. “Não eram voltadas exclusivamente para profissionais ou para ensinar técnicas de movimento – na verdade, buscamos realizar exercícios para que as pessoas descobrissem, enquanto intérpretes, os caminhos que nos levaram a fazer a nossa arte”, conclui.

Daniel Calvet afirma que o projeto tem o objetivo de permitir a cada um, que compreenda as ideias criativas à sua forma. “Não queremos induzir o olhar das pessoas – na verdade, conhecer como cada um enxerga o que fazemos nos permite entender o próximo, seus pontos de vista, particularidades”. João Gross conta que outra medida comum às atividades do Ateliê do Gesto é a arrecadação de livros. “As oficinas aconteciam sem cobrança de valor financeiro, mas pedíamos que cada visitante doasse um livro para destinação à bibliotecas públicas, mantendo o legado da nosso iniciativa”, conclui.

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação 

da editora Flávia Popov

SERVIÇO

Espetáculo ‘Natureza Morta’

Quando: quinta-feira (1º)

Onde: Teatro Sesc (Rua 15, esquina com Rua 19, Setor Central – Goiânia)

Entrada: R$ 8 (comerciários e dependentes), R$ 10 (conveniados), R$ 11 (meia), R$ 22 (inteira)

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