Falar do sertão talvez seja a maneira mais instigante para falar

Luca Bacchini, professor italiano e ‘brasilianista’ apaixonado por música e literatura, fala ao ‘Essência’ sobre sua carreira e a paixão pelo sertão

Postado em: 19-03-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Luca Bacchini, professor italiano e ‘brasilianista’ apaixonado por música e literatura, fala ao ‘Essência’ sobre sua carreira e a paixão pelo sertão

CATHERINE MORAES, ESPECIAL PARA O HOJE

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Docente na La Sapienza de Roma, o professor italiano Luca Bacchini veio a Goiânia para participar da Jornada dos Estudos Brasileiros realizada pela Elysium Sociedade Cultural com apoio do Fundo de Arte e Cultura da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte de Goiás (Seduce). O evento, que teve o Sertão como temática, contou com a presença de outros nomes de peso como o autor goiano Gilberto Mendonça Teles e do ex-ministro Aldo Rebelo.

Luca já atuou na Universidade de Bolonha e, em 2016, ganhou o prêmio internacional da Association for the Study of Literature and Environment, com o projeto de livro Post-Anthropocentric Modulations in BrazilianLiterature. Em sua passagem por Goiânia, ele falou ao Essência sobre essa paixão pelo Brasil que já se transformou em tese (de doutorado) e livros publicados. 

Italiano e estudioso da Música Popular Brasileira. Como começou este encantamento?

O meu interesse pela música brasileira vem inconscientemente da infância. Um amigo do meu pai era piloto da Alitalia e, cada vez que fazia escala no Rio de Janeiro, ele sempre trazia para gente um disco de presente. Assim, imperceptivelmente, Chico Buarque, João Gilberto, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Jorge Ben entraram em minha casa. Mas, por muito tempo, foram apenas vozes sem nomes que cantavam numa língua incompreensível, falada num misterioso país chamado Brasil que talvez nem existia no mapa.

Você é identificado como ‘brasilianista’. Acha este termo pejorativo? Incomoda ser chamado assim pela forma como ‘brasilianistas’ eram vistos no início do século 20?

Não acho ‘brasilianista’ um termo um pejorativo, pelo contrário, pois o termo reconhece a riqueza e o potencial do Brasil enquanto assunto de pesquisa. ‘Brasilianista’ para mim é sobretudo sinônimo de ‘brasilianófilo’. Mas o termo ‘brasilianista’, na minha opinião, deve ser entendido também segundo uma função médica. Assim como o dentista cuida dos dentes, o ‘brasilianista’ cuida da saúde do Brasil a partir do estudo da sua cultura e de suas expressões artísticas.

O que é o sertão aos olhos do mundo? Por que um evento como a Jornada é tão importante?

O sertão é ‘um lugar do tamanho do mundo’, dizia Guimarães Rosa. Acho portanto que o sertão seja um lugar igualmente complexo tanto para os brasileiros quanto para os estrangeiros. Porém é interessante observar que é a partir dessa complexidade que a identidade brasileira foi frequentemente, questionada e repensada por muitos escritores, poetas, artistas e intelectuais durante épocas diferentes. Falar do sertão talvez seja a maneira mais instigante, ainda hoje, para falar do passado, do presente e do futuro do País.

Guimarães Rosa. Estudioso, autodidata, escritor respeitado. O que ele possui de mais atraente em seu ponto de vista?

Sempre gostei de Guimarães Rosa, sobretudo pela força interdisciplinar da obra. A proposta literária é constantemente alimentada pela cultura oral, a tradição musical e o conhecimento científico. Na escrita dele, tudo é detalhadamente calculado e calibrado. Uma parte da crítica costuma definir Rosa como um ‘alquimista da palavra’, mas pelo rigor quase maníaco que ele teve no manuseamento da língua portuguesa atuou mais como um “químico”.

Sua tese (de doutorado) foi sobre o período em que Chico Buarque ficou exilado na Itália. Por que o Chico é tão importante para o Brasil?  O que mais te chama atenção nele como artista?

Poucos países no mundo podem se gabar de ter dentro do próprio panorama cultural uma personalidade como Chico Buarque. E, infelizmente, muitos brasileiros não têm consciência de ter esse privilégio. Considero Chico Buarque o maior intérprete que hoje tem o Brasil –  sem dúvida. Desde os anos 60, ele continua envolvido numa inesgotável luta amorosa com as palavras. Uma luta que ele combate desafiando a língua em vários campos, das canções até os romances, mantendo sempre um nível altíssimo de criatividade. É isso que mais impressiona. Acho o último disco dele, o Caravanas, um dos melhores da sua inteira produção. 

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