Uma homenagem ao poeta espanhol Federico García Lorca

‘Bodas de Sangue’ chega aos palcos trazendo a luta da mulher às tradições

Postado em: 06-09-2018 às 06h00
Por: Fabianne Salazar
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‘Bodas de Sangue’ chega aos palcos trazendo a luta da mulher às tradições

Sarina Moura*

A Cia. de Teatro Sala 3 apresenta, nesta quinta-feira (6) às 20h, o terceiro espetáculo de uma trilogia criada a partir das três últimas obras escritas por Federico García Lorca (1898 – 1936) no Teatro Sesc Centro. Bodas de Sangue é uma peça teatral escrita no ano de 1932 que subiu a primeira vez aos palcos em 1933. Além desse espetáculo, que fala sobre a morte, a paixão e o encontro entre dois rivais que desejam a mesma mulher, completam a trilogia as obras Yerma e A Casa de Bernarda Alba.

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Segundo o diretor do espetáculo, Altair de Sousa, Lorca é um dos melhores dramaturgos da atualidade, e ele sempre teve muita vontade de encenar obras do espanhol, sendo o Amor de Dom Perlimplim com Belisa em Seu Jardim o primeiro texto dele levado para os palcos pela companhia.“Sempre tive a vontade de montar obras que pudessem acrescentar tanto à comunidade goianiense quanto ao Brasil. Existem muitas montagens de Bodas de Sangue e muitas montagens de Berna Alba, mas Yerma é um espetáculo que possui poucas montagens no País. Decidi montar a trilogia para apresentar esse universo ‘Lorquiano’ que apaixona e conquista; tão visceral, dramático e extremamente poético”, diz ele.  “Trabalhamos em cima dessas últimas obras escritas por Frederico, antes de seu falecimento, para ser possível, inclusive, circular pelo Brasil e pelo Estado, apresentando essas três obras que possuem linguagens e propostas diferentes”, completa Altair.

Bodas de Sangue traz um triângulo amoroso, que se inicia com a paixão proibida entre dois jovens, leva à fuga da noiva no dia do seu casamento e a consequentes perseguições no deserto espanhol. “Falamos um pouco sobre essa tipificação do casamento, algo típico, que são as bodas, que, no caso, não são de prata, e essas convencionais. Elas são de sangue, porque trazem justamente as preocupações do casamento, mostrando que, ainda na atualidade, existe tanto sangue e tanta morte pela questão da honra e de que você tem que ser o dono na outra pessoa. A peça trata um pouco dessa violência, que não é comum, pela posse e pelo criar uma família. Discutimos isso de uma forma para mostrar que não é assim”, explica o diretor.

O espetáculo surge com uma encenação construída ao redor de uma linguagem sonora e visual para designar uma tênue relação desofrimento e desilusão, em que se apresenta a extrema secura. Altair conta que o repertório do espetáculo é todo produzido por músicas espanholas e de domínio público escritas pelo Frederico García Lorca. “Trazemos tudo em espanhol, para conseguirmos trazer um pouco da poética, não perdendo as tradições desse canto”.

Esta montagem de Bodas de Sangue, além de uma homenagem ao poeta, mostra a luta pela paixão, uma mulher que está contra as tradições e vai à procura do seu grande amor. “É uma luta para que não seja um casamento apenas para ter filhos, para que ela possa se manter dentro desta tradição. Isso é algo que ainda é bem contemporâneo. As pessoas ainda são meio que obrigadas a casar, como um objetivo de vida. Discutimos um pouco sobre isso, e como o tema ainda é algo tão enraizado tanto no universo feminino, quanto no masculino”, especifica Altair.

Trilogia

O primeiro espetáculo escolhido pela Cia. foi o drama trágico Yerma, que estreou nos palcos de Goiânia no ano de 2015. Com uma montagem tradicional galgada nos parâmetros do teatro clássico, o diretor Altair de Sousa trouxe para a estrutura da peça um coro de inspiração grega – além de todas as visualidades cênicas inspiradas nos conceitos do simbolismo e do teatro naturalista.

O segundo espetáculo, A Casa de Bernarda Alba, estreou em outubro de 2017, com uma proposta de denunciar, através dos corpos e das vozes das mulheres, uma sociedade degradada pelo peso das ideias e tradições antigas, fruto de uma moral primitiva. Estruturada de forma plástica e musical, a peça se revolta abertamente contra a obediência aos cânones impostos à mulher, em que o sentimento de claustrofobia aparece como condição cotidiana das personagens.

Fechando a trilogia, Bodas de Sangue, considerada a obra mais poética de Lorca, é composta por três atos e sete quadros. A peça traz a saga de dois homens que amavam a mesma mulher, fato que remete a um acontecimento real, quando o poeta leu, em um jornal de província, uma notícia sobre uma festa de casamento banhada por sangue. O fato ficou na memória de Lorca, que, em 1932, transformou esta história em poesia dramática, de forma a dilatar o universo dos personagens e recriar suas relações conflituosas. A concepção do espetáculo partiu da ideia de tecer a força do desejo com uma linha que perpassa o real e o imaginário.

Sobre as obras, Altair explica : “Elas tratam sobre assuntos diferentes, porém ambas trazem essa ruptura das tradições, com uma personagem heroína que luta desbravando os parâmetros da sociedade. Nesse momento em que vivemos, onde a mulher está tendo voz, é muito interessante trazer esse discurso que mesmo vindo de uma obra de quase 100 anos atrás do meio rural ainda é algo atual”, finaliza ele.

O autor

Poeta e dramaturgo, Federico Garcia Lorca nasceu no dia 5 de junho de 1898, em Fuente Vaqueros, quando a Espanha tentava florescer nas letras e nas artes. Aprendeu as primeiras letras com a própria mãe, professora primária Vicenta Lorca, casada com Federico García Rodriguez, ambos provincianos e muito ligados à terra granadina. Precoce em tudo: na música, no desenho, nas letras, na descoberta do mundo circundante; joalheiro da palavra, sabia trabalhar o verso para que ele pudesse, quando lido ou ouvido, reluzir ou tilintar no espelho e no alforje da poesia e do teatro.

Ela carrega o papel de um dos mais representativos poetas e dramaturgos espanhóis das três primeiras décadas de nosso século, com expressiva repercussão até os dias atuais. Através de sua poesia e de seu teatro, Federico García Lorca identificou-se com os mouros, judeus, negros e ciganos, alvos de perseguições ao longo da história de sua região. Ele próprio sentiu na pele a discriminação com que os espanhóis da época trataram sua condição de homossexual. 

Escreveu poemas que só foram publicados após sua morte, criou e dirigiu a companhia teatral La Barca, que percorreu as aldeias de todo o País encenando autores famosos como Cervantes e Lope de Vega, e escreveu sua trilogia rural, que se incia com Bodas de Sangue (1933), uma história verdadeira de ciúme e morte entre camponeses de Andaluzia, peça teatral que abriu uma nova era no teatro moderno da época, logo depois escreveu Yerma (1934) e A Casa de Bernarda Alba (1936), que ficaram reconhecidas em diversos países.

No dia 19 de agosto de 1936, no auge de sua produção intelectual, foi fuzilado na província de Granada – onde vivia – por militantes franquistas no início da Guerra Civil Espanhola. Seu corpo jamais pôde ser encontrado, e, provavelmente, baixou à vala comum. O terrível dia de seu fuzilamento já foi descrito por muitos escritores, repórteres, testemunhas, porém nenhuma descrição talvez supere a de José Bergamín: “Covardemente, ele foi assassinado. Levaram-no de sua casa e o fuzilaram na estrada, possivelmente na ‘sarjeta’”.

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação da editora Flávia Popov

SERVIÇO

Espetáculo ‘Bodas de Sangue’

Quando: quinta-feira (6) às 20h

Onde: Teatro Sesc Centro (Rua 15, esquina com a rua 19, Centro de Goiânia)

Entrada: Entrada: R$ 8 (comerciários e dependentes), R$ 10 (conveniados), R$11 (meia) e R$ 22 (inteira) 

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