Thiago Momm transforma experiências em literatura

Em sua estreia literária, o jornalista de turismo explora a tensão entre o local e o global, o analógico e o digital, em uma coletânea de crônicas reflexivas

Postado em: 21-05-2024 às 10h00
Por: Luana Avelar
Imagem Ilustrando a Notícia: Thiago Momm transforma experiências em literatura
Momm convida o leitor a acompanhá-lo em sua jornada de descobertas, tanto geográficas quanto existenciais | Foto: Arquivo Pessoal

Aos 44 anos, Thiago Momm lança seu primeiro livro de crônicas, ‘Europeando e outras viagens’. Uma obra que reúne textos inéditos e outros já publicados anteriormente, todos eles marcados por sua experiência como jornalista de turismo e pelas vivências adquiridas em suas incontáveis aventuras pelo mundo.

“Publiquei uma compilação de crônicas meio cabotinas e caóticas quando tinha 23 anos. Isso faz 21, então eu queria fazer um registro de alguém bem diferente daquele universitário topetudo (em duplo sentido) do começo dos anos 2000, alguém hoje com outras perspectivas, temas e estilo de escrita”, revela Momm sobre o que o motivou a embarcar nessa nova empreitada literária.

E de fato, a obra carrega as marcas dessa transformação. Se na sua primeira coletânea Momm se deixava levar por personagens excêntricos e histórias criativas, agora seu olhar se volta para uma gama muito mais ampla de questões – desde as discussões frenéticas de um casal em uma casa noturna até a “vida circunscrita a espaços físicos, sociais e psicológicos cada vez menores” de pessoas viciadas.

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E esse alargamento de perspectivas, diga-se de passagem, está intimamente ligado à sua experiência de morar e estudar em Madri, na Espanha. “Eu tinha perambulado bastante pela Europa, mas nunca tinha morado com gringos, vivenciado o cotidiano, ido à formatura de um amigo grego em que pais trocaram socos, essas e tantas outras experiências. São dessa época também viagens a partir de Madri que renderam alguns textos do livro”, conta o autor.

Momm também destaca o papel que sua carreira como jornalista de turismo desempenhou nesse processo. “Eu não teria escrito várias das crônicas se não tivesse sido repórter de turismo. Os textos de viagem podem ser próximos – quando a gente quer, o editor concorda e o espaço permite – do jornalismo literário. Isso significa aprender a apurar detalhes, explorar a fundo cada lugar, aguçar imaginários com a descrição de paisagens, enfim, aprendizados usados na literatura”.

E foi justamente esse olhar minucioso e essa capacidade de transportar o leitor para os mais diversos destinos que renderam algumas das experiências mais memoráveis narradas no livro. Como o mergulho de snorkel na ilha caribenha de Bonaire, por exemplo, uma aventura tão distante da realidade do próprio autor que, em suas palavras, o fez “sentir como se pudesse acordar com outra personalidade”.

Não podemos nos esquecer de outra fonte de inspiração: a literatura. Seja revisitando clássicos da literatura de viagem durante seu mestrado, ou se inspirando em autores como David Foster Wallace, Daniel Galera e Clarice Lispector para aprimorar suas habilidades descritivas e reflexivas, Momm deixa claro que sua jornada literária é enraizada nessa troca constante com outros escritores.

O livro não se resume a uma coleção de crônicas de viagem. Há também uma série de textos sobre os mais variados temas, que o próprio autor descreve como uma espécie de “registro de alguém bem diferente daquele universitário topetudo” que escrevia há duas décadas.

Mas a verdadeira joia da coroa, sem dúvida, são os apontamentos e aforismos que encerram a obra. Momm revela que esses pequenos insights e sentenças incisivas, inspirados em clássicos como ‘O dicionário do diabo’, de Ambrose Bierce, eram originalmente destinados a um romance agora adiado. No entanto, por seu caráter atemporal e pela forma como ressoam com os temas abordados nas crônicas, o autor decidiu integrá-los ao livro, criando uma espécie de complemento reflexivo a essa jornada de descobertas.

E nessa habilidade de transitar entre a descrição vívida dos lugares e a sondagem das nuances da condição humana que reside a essência da obra. Afinal, como o próprio Momm pontua, “essa é a grande questão que permeia o livro: como nós, seres humanos do século XXI, encontramos o equilíbrio entre a ânsia de conhecer novos lugares, de ampliar nossos horizontes, e a necessidade de manter viva essa conexão profunda com quem somos e com o ambiente imediato que nos cerca?”.

Uma pergunta sem resposta definitiva, talvez, mas que Thiago Momm se esforça em explorar com sensibilidade e maestria ao longo de cada uma das páginas deste seu aclamado debut literário.

O autor dedica tanto espaço a descrever as vielas das cidades europeias que tanto o encantaram. Esses estreitos corredores de pedra, com seus terraços floridos e mesas de bares afunilando caminhos, parecem sintetizar essa tensão entre o global e o local, entre o frenesi do mundo e o acolhedor silêncio da contemplação.

“As vielas são o meu ponto fraco”, confessa Momm. “Não importa se é uma viela de Barcelona ou de algum pueblo espanhol perdido em meio à imensidão da Mancha – esses espaços, em seu silêncio acolhedor, sempre me enfeitiçam. É como se, ao adentrar esses labirintos, eu pudesse desligar-me momentaneamente do frenesi do mundo e me conectar a uma camada mais profunda, mais atemporal da experiência humana”.

E talvez seja exatamente essa capacidade de alternar entre o registro detalhado dos lugares e a reflexão sobre a condição humana que torna as crônicas de Momm tão cativantes. Se por um lado ele nos transporta para os mais diversos cantos do globo, por outro, ele nos convida a mergulhar em nossas próprias experiências, a ponderar sobre os dilemas e os desafios que enfrentamos nesta era digital.

Não à toa, ele se mostra “meio desconfiado de que todo novo estilo de vida é sempre superior aos anteriores”. E reconhece os poderes da tecnologia e das mídias sociais, capazes de nos conectar com o mundo inteiro. Mas também percebe como, muitas vezes, esse contato se dá através de uma “tela de seis polegadas” que “reduz nossa percepção espacial, sonora, intelectual e sensorial”.

Seja divagando sobre esse ‘Sertanejistão’ que tomou conta do Brasil, seja lançando um olhar crítico sobre os vícios e as neuroses da sociedade contemporânea, o autor nunca perde de vista essa busca por um equilíbrio, por uma maneira de conciliar nossas ânsias de descobrir o mundo com a necessidade de nos mantermos conectados a nós mesmos e ao nosso entorno mais imediato.

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