A dança negra da representatividade

Após uma pausa, bailarina Luciana Caetano retorna aos palcos, nesta quinta-feira (7), com o espetáculo ‘Adobe’

Postado em: 07-03-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Após uma pausa, bailarina Luciana Caetano retorna aos palcos, nesta quinta-feira (7), com o espetáculo ‘Adobe’

GUILHERME MELO*

Depois de uma pausa de criações de pouco mais de dois anos, Luciana Caetano, uma das primeiras alunas negras de balé em Goiânia e fundadora do grupo Solo de Dança, retorna em uma apresentação única no Teatro Sesc Centro. O espetáculo Adobe terá sua estreia, nesta quinta-feira (7), às 20h, e apresenta, na semana do Dia da Mulher, uma dança de diversidade e representatividade. Com uma obra carregada de simbolismos, Luciana leva ao público os cenários que ela carrega com si, das vidas das mulheres de sua família e de suas histórias, de memórias físicas, sociais e emocionais que delineiam a existência destas matriarcas. A montagem reverencia esse legado de sabedoria, força, delicadeza e amor familiar. 

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Projeto ‘Adobe’ 

Ancestral do tijolo de barro, o tijolo de adobe pertence à história brasileira tanto quanto os corpos negros que construíram a arquitetura deste País. Base das paredes largas das casas grandes e senzalas, o adobe é peça de alvenaria rudimentar, resistente e confortável para os sentidos, feita de terra, água e fibra. Solitário, o adobe não cria estruturas, mas, unido a peças iguais, cria lares e comunidades.

Assim é a analogia criada pela coreógrafa Luciana Caetano, quando decide dar o nome de Adobe ao seu novo espetáculo solo de dança que, na verdade, vem sendo criado dentro do seu corpo há bastante tempo. “A obra é uma reverência às minhas mulheres ancestrais e a tudo que eu carrego no corpo e na alma, que é herdado desse matriarcado. A mulher enquanto esteio de gerações. A mulher que é base de famílias e sociedades. A mulher que gera, que protege, que cerca, que abriga, resguarda e acolhe”, explica a artista.

Sobre esse processo criativo, Luciana ressalta: “Esse é um espetáculo com o qual já estou às voltas há algum tempo. Eu estou impregnada dele, mesmo antes dos ensaios e de toda a criação, justamente por se tratar das minhas ancestrais me inspirando”. 

Mulheres negras são as referências de Luciana, que são colocadas, em cena, junto à herança de artista. “Com esse trabalho, eu acabo falando também das mulheres negras em geral desse País, porque são assuntos em comum: quantas avós negras que são chefes e arrimos de família? Quantas são as mães negras que sozinhas criam seus filhos? Então, no nosso mundo negro, essa realidade é que é. As mulheres é que tomam conta dos seus filhos e das suas famílias – praticamente inteiras. Elas são os esteios, o adobe dessa sociedade”, ressalta a bailarina. 

A força que cria arte 

As travessias enfrentadas pela criadora Luciana – que se profissionalizou e viveu toda a sua vida através da dança contemporânea, do jazz, do balé clássico e que passou por grupos como o Energia, de Julson Henrique, e a Quasar Cia. de Dança, de Henrique Rodovalho – também é algo que o espetáculo Adobe simbolicamente leva para a cena. 

Ao completar 50 anos, a bailarina e coreógrafa ressalta a importância de estar presente no palco, mesmo em uma idade que muitos a aconselhariam a parar. Com a criação de Adobe, Luciana reforça que a arte não depende de tipos físicos, condições sociais ou idade, e reforça: “Acho que sou uma das poucas, nessa idade, em Goiânia, que ainda se colocam cena. É claro que não é mais a dança de um corpo de 20 anos, mas é a dança de um corpo de 50, que conta outras histórias, que se move de outras formas e cria outras reflexões”. 

Sobre o corpo negro na dança 

Assustadoramente, somente 200 anos depois das brancas é que surgiram sapatilhas para bailarinos negros. Até aqui, bailarinos negros tingiam ou pintavam os sapatos com maquiagem, para combinar com seu tom de pele. Luciana Caetano traz, em si, a herdada dessas mulheres guerreiras que a antecederam em sua linhagem familiar. A falta de reconhecimento da diversidade étnica nas artes não é novidade na vida da bailarina Luciana que, aos 6 anos de idade, foi uma das primeiras meninas negras a ser matriculada em escola de balé clássico em Goiânia. Sobre isso, Luciana comenta que se sente uma privilegiada, por ter podido contar com pais, que souberam defender posições e brigar por espaços iguais para seus filhos, mas ela enfatiza: “A situação segue sendo gritante, principalmente em nossa Capital, que é uma cidade extremamente racista”.

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação da editora Flávia Popov.

SERVIÇO

Espetáculo ‘Adobe’ com Luciana Caetano

Quando: quinta-feira (7) às 20h

Onde: Teatro Sesc Centro (Rua 15, Setor Central – Goiânia)

Classificação indicativa: 14 anos

Ingressos: R$ 8,50 (trabalhadores do comércio e dependentes); R$ 10 (conveniados); R$ 11 (meia-entrada); R$ 22 (inteira

Informações: 3933-1700

 

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