A busca no inconsciente da imaginação

Profissionais falam sobre a importância de colecionar e o sentimento de nostalgia

Postado em: 02-08-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: A busca no inconsciente da imaginação
Profissionais falam sobre a importância de colecionar e o sentimento de nostalgia

Guilherme Melo* 

Há mais de cinco séculos, o ato de colecionar deixou de ser restrito aos reis, monarcas e aristocratas, e passou a ser um ato popular. Hoje, é difícil dizer o que ainda não virou colecionável, desde figurinhas, latinhas de cerveja, rolhas, bolachas, joias, cartões telefônicos, embalagens, histórias em quadrinhos e camisas: nada escapou da tradição de juntar e guardar bugigangas.

Definido por um sentimento de inquietude, quase como de um caçador de tesouros perdidos, os colecionadores compartilham da mesma característica, a curiosidade. Como explica a psicóloga Amanda Machado, em qualquer parte do mundo os colecionadores apresentam os mesmos padrões de comportamento. “São pessoas bastante determinadas em adquirirem uma peça para o seu acervo. Não acham ruim gastar um valor alto para conseguir a próxima peça da sua coleção, sendo uma busca pelo inconsciente”, conta a profissional.

Continua após a publicidade

Amanda revela que, ao primeiro olhar, colecionar poderia ser considerado apenas uma forma de entretenimento, um simples hobby, mascom uma pesquisa mais aprofundadaé possível perceber a complexidade do ato. “Colecionar pode ter diferentes significados para cada pessoa. Às vezes, significa uma forma de reviver o passado ou de estar mais próximo do seu ídolo, ou até mesmo significar uma base de segurança e conforto para a pessoa”, esclarece. Além do mais, para a psicóloga, colecionar pode se tornar uma atividade que ajuda a desenvolver o aprendizado.

Como é o caso do administrador Walter Oliveira, de 45 anos, que possui mais de 500 histórias em quadrinhos (HQs). “Quando eu era criança, tinha muita dificuldade com a leitura; não conseguia ler livros didáticos, literários, revistas, nada. Até que minha mãe comprou um quadrinho do Zé Carioca, e eu fiquei tão encantado com as cores e imagens, que fiquei insistindo em ler a revistinha até que consegui ler a história em uma tarde”, conta. O administrador revela que gibi foi a peça-chave para o seu desenvolvimento escolar. “Depois, fui trabalhando o meu hábito de leitura, e comecei a ter mais concentração. E, é claro, nunca abandonei as HQs, que são meu amuleto da sorte”, conta.

Amor inexplicável 

Assim como Walter, o colecionador Leonardo Teófilo afirma que a sensação de ter um objetivo colecionado é inestimável. “É como se tivesse um mundo diferente, mais significativo, mais ordenado, que conseguimos organizar a partir de coisas humildes, como sapatos ou garrafas, autógrafos, ou, no meu caso, camisetas de times”, conta. Com mais de 50 camisas do Vila Nova, Leonardo revela que a coleção é uma extensão de sua paixão. “Para mim, é uma forma de materializar toda minha paixão pelo Vila e pelo futebol. Faço desse hobby um estreito caminho junto ao futebol. Quando comecei minha coleção, em 1993, o Vila foi Campeão Goiano em cima do Goiás; não pensava em fazer disso um hobby. Mas a sensação foi tão boa, que comprei uma camisa do Vila, nessa época, em uma loja e não parei mais”, lembra.

Amanda reforça a ideia de que a coleção trabalha com a memória afetiva do colecionador, e pode carregar um significado único para o indivíduo. Como é o caso do estudante Rafael Ribeiro, que coleciona cartões de telefone desde os 6 anos. “Minha mãe compravade dois a três cartões, por semana, para falar com nossos parentes que moravam no interior do Estado. Quando acabava o crédito do cartão, ela ia descartando, até que eu comecei a prestar a atenção nos desenhos dos cartões, e comecei a colecionar com meus amigos do bairro. Hoje, a coleção é uma maneira de lembrar sobre a minha infância”, revela. 

Com o mesmo sentimento de nostalgia, o empresário José Agnaldo, conhecido como Guina, possui um acervo de mais de 1.500 discos de vinil. O colecionador conta com elementos raros em seu acervo, como o álbum de estreia do rei Roberto Carlos, ‘Louco por Você’ (1961), e itens autografados, como o clássico ‘The White Album’, dos The Beatles, dedicado por Paul McCartney. Em 2018, o disco celebrou 50 anos de lançamento, e conta com uma releitura para novembro deste ano. Além do ‘Vamos Arrepiar’, o aclamado álbum de samba de Alcione, lançado em 1982.

Para Guina, o rock dos anos de 1980 é a melhor fase da música nacional e internacional –  além de conter uma certa magia. Com esse pensamento, o apaixonado resolveu abrir sua coleção em uma exposição que passa por diversas cidades do Brasil. “Decidi disponibilizar a minha coleção de vinis e itens culturais, principalmente dos anos 80, porque acho importante compartilhar com o público a grande era de ouro dorock’nroll – além de ser uma aula de história envolvendo a música”, explica. 

(*Guilherme Melo é estagiário do jornal O Hoje sob orientação da editora do Essência, Flávia Popov) 

Veja Também