Piora situação dos mais pobres e renda continua concentrada nos mais ricos

Agravamento desse tipo de dependência sugere um problema maior, ao indicar que os salários recebidos não têm sido suficientes para fazer frente a todas as despesas

Postado em: 05-10-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Agravamento desse tipo de dependência sugere um problema maior, ao indicar que os salários recebidos não têm sido suficientes para fazer frente a todas as despesas

Os
dados iniciais da edição mais recente da Pesquisa de Orçamentos Familiares
(POF), cobrindo o período de 2017 a 2018, mostram quem tem pago mais caro pela
crise instalada na economia – o que, como prática no País, não parece
significar novidade alguma. Divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), os números preliminares da POF apontam uma
crescente dependência das famílias mais pobres das transferências de renda, incluindo
aposentadorias e pensões (o que torna ainda mais dramática a proposta de
reforma previdenciária em fase final de votação no Senado), programas sociais
como o Bolsa Família, pensões alimentícias, e de outras formas de rendimento
não monetário (quer dizer, doações, produção para o próprio consumo, especialmente
de alimentos).

O
agravamento desse tipo de dependência sugere um problema maior, ao indicar que
os salários recebidos como pagamento pelo trabalho realizado não têm sido
suficientes para fazer frente a todas as despesas. Na POF de 2008-2009, as
transferências e os rendimentos não monetários representavam 52,8% dos
rendimentos totais das famílias com renda de até dois salários mínimos
(excluída a variação patrimonial, ou seja, a “valorização” do patrimônio das
famílias). Na POF mais recente, aquele percentual foi elevado para 57,6%. Na
mesma comparação, os rendimentos do trabalho, que chegaram a responder por
46,63% da renda dos mais pobres, tiveram sua participação reduzida para 41,4%.

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A
comparação com os mais ricos apenas reforça os efeitos mais severos da crise
sobre as faixas menos favorecidas da população. Considerando o total de
rendimentos das famílias com renda mensal média superior a 25 salários mínimos,
as transferências e a renda não monetária reduziram sua participação de 26,7%
na pesquisa de 2008-2009 para pouco menos de 24,5%. Os rendimentos do trabalho
tiveram sua fatia elevada de 67,2% para 70,9%.

Muito, para poucos

Na
pesquisa mais recente, a concentração da renda mantém-se tão indecorosa como
sempre, consolidando-se como um obstáculo estrutural ao desenvolvimento
equilibrado e justo de todo o País. As famílias com rendimentos médios
superiores a R$ 23.850 (mais de 25 salários mínimos a valores de 2018), embora
representassem 2,7% do total de famílias (algo perto de 1,843 milhão de famílias
para um total de quase 69,018 milhões), abocanharam praticamente um quinto de
toda a renda (somando-se, nesta conta, rendimentos do trabalho, as
transferências de renda, rendas de aluguéis e de outras fontes e os tais
rendimentos não monetários). Para comparar, em torno de 73% das famílias
(50,404 milhões aproximadamente) levaram apenas 36,1% dos rendimentos totais.

Balanço

– No extremo
oposto, as famílias com renda mensal média de até R$ 1.908 receberam apenas
5,5% dos rendimentos recebidos pelo total das famílias, embora representassem
23,9% desse total.

– Absurdamente, a
renda média das famílias mais abonadas (R$ 34.270) foi 27,8 vezes maior do que
o rendimento recebido em médiapelos mais pobres (R$ 1.232). Na conta inversa,
os mais pobres tiveram renda equivalente a 3,6% daquela destinada aos mais
ricos, na média.

 As
desigualdades, outro dado histórico ainda não corrigido, perpetuam-se
regionalmente. O Norte e Nordeste abrigavam quase metade das famílias (48,2%),
mas detinham uma participação somada de 36,4% no total de rendimentos.

 Na média geral,
a redução proporcional das despesas com alimentação liberou relativamente mais
renda para outros tipos de consumo. Mas uma porção importante desse ganho
parece ter sido transferida para despesas com assistência à saúde. Na POF de
2002-2003, a alimentação representava 20,8% das despesas, fatia reduzida para
17,5% em 2017-2018 (menos 3,3 pontos de porcentagem).

 As despesas com
assistência à saúde elevaram-se de 6,5% para 8,0% (um ponto e meio a mais,
correspondendo a praticamente 45,5% da redução na
participação dos alimentos no orçamento das famílias).

 Os gastos com
habitação (sem incluir o aluguel) saíram de 35,5% para 36,6% (1,1 pontos a
mais, equivalente a um terço da folga deixada pelo barateamento da alimentação).

 A despeito dos
avanços do Sistema Único de Saúde (SUS), suas restrições orçamentárias têm
pesado mais exatamente entre os mais pobres (renda de até dois salários
mínimos), que tiveram que destinar 10,5% do seu orçamento para bancar despesas
com saúde (somando assistência médica, remédios e planos de saúde, estes em
menor proporção).

 Para as famílias
com renda acima de 25 salários, a saúde representou 9,9% das despesas. A
alimentação representou, nesta faixa de rendimentos, apenas 7,6% dos gastos,
proporção que avança até 22,0% entre as famílias com rendimentos de até dois
salários mínimos.

 

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