Renda bruta recorde no campo terá efeitos limitados sobre a economia

As projeções do Ministério da Agricultura é de que o valor bruto da produção agropecuária supere ligeiramente a casa do trilhão de reais | Foto: divulgação

Postado em: 18-02-2021 às 23h59
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Renda bruta recorde no campo terá efeitos limitados sobre a economia
As projeções do Ministério da Agricultura é de que o valor bruto da produção agropecuária supere ligeiramente a casa do trilhão de reais | Foto: divulgação

Lauro Veiga

Sob
condições “normais”, o comportamento da renda da agropecuária tenderia a
influir sobre o desempenho da atividade econômica no interior do País,
contribuindo para aquecer a economia como um todo. Mas, como a maioria dos
brasileiros sabe, excluídos os que escolheram tapar olhos e ouvidos e a
camarilha instalada no Planalto, o mundo não vive tempos “normais”. Por isso,
os efeitos tornam-se mais diluídos diante dos enormes desafios impostos ao País
e ao restante do planeta pela pandemia, agravados por aqui pela atitude
assumida pelo governo federal desde o começo da crise sanitária e pela decisão
de promover o desmanche do setor público tomada antes mesmo do início deste
desgoverno.

As
projeções do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa),
divulgadas recentemente, indicam que o valor bruto da produção agropecuária
(que corresponde, a grosso modo, às receitas brutas dos produtores, sem
considerar custos e despesas para realizar a produção no campo) deverá superar
ligeiramente a casa do trilhão de reais, marcando o segundo recorde
consecutivo. Conforme o economista e pesquisador José Garcia Gasques, que
coordena a pesquisa do valor bruto da produção no Mapa, os números positivos
estão relacionados a “preços agrícolas favoráveis para grande parte dos
produtos e a boas previsões para a safra deste ano”.

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Além
da pandemia, uma parcela do ganho de renda no campo, numa proporção ainda a ser
melhor definida por pesquisas futuras, representará apenas uma transferência de
renda das famílias instaladas nas cidades para os produtores rurais. Deve-se
lembrar que a alta dos preços de grãos, carnes, ovos e leite transformou-se em
inflação para os consumidores finais, corroendo proporcionalmente seus ganhos e
limitando o efeito positivo do aumento histórico dos ganhos brutos no campo
sobre a atividade econômica em geral. Adicionalmente, como já define seu nome,
o valor bruto da produção não desconta variações de custos ocorridas ao longo
do percurso e que tendem, igualmente, a amortizar o impacto final da renda mais
gorda na agropecuária sobre a economia.

Recordes
ilusórios

O
número geral, somando os resultados das lavouras e da pecuária, aponta alta de
11,8% para o valor da produção, já corrigido pelo Índice Geral de Preços (IGP)
da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A venda das safras e da produção pecuária
deverá gerar receitas brutas na faixa de R$ 1,003 trilhão neste ano, diante de
R$ 869,66 bilhões em 2020, em dados aproximados. Para Goiás, as estimativas do
Mapa sugerem uma renda bruta de aproximadamente R$ 84,688 bilhões, também um
novo recorde, igualmente em valores reais (ou seja, já descontada a variação do
IGP), com alta de 13,4% diante de R$ 74,698 bilhões em 2020. O Estado ocupa a
sexta posição entre as demais unidades da federação, respondendo por 8,4% do
valor bruto total da produção brasileira (e Mato Grosso surge em primeiro, com
participação de 17,1% no total). Considerando os fatores mencionados acima, os
ganhos poderão se tornar ilusórios quando se consideram os impactos finais
antevistos para a economia como um todo.

Balanço

·  
Praticamente
94,0% do aumento do valor bruto da produção neste ano virão da soja e do milho.
Como são culturas tradicionalmente exploradas por produtores de maior porte,
especialmente no caso da soja, isso significa que os ganhos de renda tendem a
ser igualmente mais concentrados, com efeitos menores sobre pequenos produtores
e agricultores familiares.

·  
O
destaque vai para a soja, que deverá render um faturamento bruto em torno de R$
326,80 bilhões neste ano (quase um terço de valor bruto de toda a produção
agropecuária). Comparada a 2020, quando o valor gerado pela comercialização da
soja havia atingido R$ 250,76 bilhões, a renda da oleaginosa pode saltar 30,3%
em termos reais.

·  
Para
Goiás, o Mapa projeta aumento de 21,4% para o valor bruto da produção da
oleaginosa, saindo de R$ 25,286 bilhões, recorde anterior, para R$ 30,702
bilhões. Sozinho, o grão representou 36,3% de todo o valor bruto da produção no
campo e respondeu por mais da metade (54,2%) do aumento observado para todas as
culturas e para a pecuária somados.

·  
A
produção brasileira de soja, conforme o mais recente levantamento, divulgado no
começo do mês pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), deverá bater
mais uma recorde na safra a ser colhida a partir de março, alcançando 133,82
milhões de toneladas (8,972 milhões de toneladas a mais do que no ciclo
2019/20, num incremento de 7,2%). Em Goiás, estima-se uma variação de apenas
1,9%, com a produção subindo de 13,159 milhões para 13,409 milhões de
toneladas.

·  
A
produção maior foi turbinada pelo salto nos preços registrados pelo Centro de
Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de
Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo
(Esalq/USP). Na média registrada entre os primeiros 17 dias de fevereiro do ano
passado e igual período deste ano, os preços da saca no Paraná saltaram 102,0%,
chegando a mais de R$ 163.

·  
O
valor da produção de milho deverá avançar para R$ 126,06 bilhões em todo o País
neste ano, saindo de R$ 102,34 bilhões no ano passado, com aumento de 23,2%. Os
produtores goianos deverão receber algo próximo a R$ 13,277 bilhões em 2021,
quase 24,0% acima dos R$ 10,716 bilhões recebidos no ano passado. No Estado, a
produção esperada deverá recuar 5,0%, para 11,981 milhões de toneladas, mas
tende a ser recorde no País, com a colheita de 105,48 milhões de toneladas
(alta de 2,9% frente à safra passada). Em um ano, os preços da saca subiram
quase 63,0%.

·  
Os
dois produtos serão os principais responsáveis pelo aumento esperado de 15,2%
no valor da produção das lavouras (de R$ 597,37 bilhões para R$ 688,37
bilhões). Na pecuária, o faturamento bruto deve elevar-se de R$ 299,29 bilhões
para R$ 314,48 bilhões, subindo 5,1%. A criação de bovinos será a principal
alavanca aqui, com o valor de sua produção avançando 9,9% sobre 2020, de quase
R$ 130,0 bilhões para R$ 142,92 bilhões. Na comparação com os preços médios
registrados nos primeiros 17 dias de fevereiro do ano passado e igual intervalo
deste ano, os preços da arroba do boi gordo subiram 54,3%, superando
ligeiramente R$ 301 neste mês.

 

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