Com fala de Lula sobre Israel, ato de Bolsonaro ganha novo contorno

Manifestação que focaria na defesa do ex-presidente pode virar momento de ataque ao atual chefe do Executivo

Postado em: 22-02-2024 às 09h30
Por: Redação
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“O investigado não detém direito subjetivo a acessar informações associadas a diligências em curso ou em fase de deliberação”, como a delação premiada de Mauro Cid | Foto: Antônio Cruz/ABr

Francisco Costa e Felipe Cardoso 

A fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no domingo (18), que classificou como “genocídio” as ações militares de Israel na Faixa de Gaza e comparou a situação ao holocausto judeu, ganhou toda a atenção da imprensa. A tal ponto que ficou “de lado” o ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o próximo domingo (25), na Avenida Paulista, em São Paulo, e a intimação dele para depor na Polícia Federal (PF), em Brasília, nesta quinta (22).

Bolsonaro convocou o ato para se defender após a Operação Tempus Veritatis, da PF, que investiga a suposta tentativa de golpe de Estado e a abolição do Estado Democrático de Direito, que serviria para mantê-lo no poder, ser deflagrada no último dia 8. E, apesar de fora dos holofotes da mídia – como estava antes –, o professor e cientista político Guilherme Carvalho acredita que a fala de Lula contribuiu para jogar “mais lenha na fogueira”.

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“Essa vai ser uma pauta que vai tomar conta por alguns dias [fala de Lula]. Na imprensa, na opinião pública… Mas eu acho que o esforço de relembrar as movimentações, as manifestações, eu acho que acaba reabastecendo-as. Agora com um discurso, uma tônica mais bem definida, além da defesa do ex-presidente”, opina Guilherme. “Agora é uma tônica de pedido de impeachment do presidente da República.”

De fato, mais de 100 deputados assinaram o pedido de impedimento do presidente Lula. A justificativa é que ele colocou o País em perigo de guerra, o que seria um crime de responsabilidade. Para fins de comparação, em 2021, 41 parlamentares assinaram pedido de impedimento contra o então presidente Jair Bolsonaro (PL) pela atuação dele durante a pandemia da Covid-19.

Desta forma, o cientista político crê que a movimentação ganhou um combustível a mais, mas caberá aos bolsonaristas o esforço de mobilizar o ato. “Pode até potencializar o número de pessoas que vão às ruas, porque misturou uma questão étnica, racial. Eu acho que a pauta religiosa ganhou uma força ainda maior para a participação nesta próxima manifestação.”

Em relação à imprensa, ele pensa que isso dependerá de grandes figuras participarem do ato e das ações nas redes sociais. Em Goiás, por exemplo, estão confirmados: o governador Ronaldo Caiado (União Brasil), que busca o apoio de Bolsonaro para presidência, em 2026; os deputados federais Gustavo Gayer (PL), Professor Alcides (PL), Márcio Correa (MDB) e Magda Mofatto (PRD) – os três primeiros pré-candidatos a prefeituras –; o deputado estadual Major Araújo (PL); e o senador Wilder Morais (PL).

Depoimento

No último dia 19, a PF intimou Bolsonaro para falar sobre a suposta tentativa de golpe de Estado. A oitiva será nesta quinta-feira, às 14h30, em Brasília. A defesa do ex-presidente já sinalizou que ele ficará em silêncio. Além disso, tentaram adiar o comparecimento.

Ministro de Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes não permitiu o adiamento. “A Constituição Federal consagra o direito ao silêncio e o privilégio contra a autoincriminação, mas não o ‘direito de recusa prévia e genérica à observância de determinações legais’ ao investigado ou réu, ou seja, não lhes é permitido recusar prévia e genericamente a participar de atos procedimentais ou processuais futuros, que poderão ser estabelecidos legalmente dentro do devido processo legal”, decidiu.

Ainda segundo ele, “não assiste razão ao investigado ao afirmar que não foi garantido o acesso integral à todas as diligências efetivadas e provas juntadas aos autos, bem como, não lhe compete escolher a data e horário de seu interrogatório”. Moraes também pontuou que os advogados do ex-presidente tiveram “o acesso integral aos elementos de prova já documentados nos autos”.

A exceção seria as diligências em andamento e à delação de Mauro Cid. Isto, porque, conforme o ministro, “o investigado não detém direito subjetivo a acessar informações associadas a diligências em curso ou em fase de deliberação”.

Fala de Lula

No último domingo, o presidente Lula comparou o que ocorre na Faixa de Gaza com o holocausto judeu. “O que está acontecendo na Faixa da Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus. E você vai deixar de ter ajuda humanitária? Quem vai ajudar a reconstruir aquelas casas que foram destruídas? Quem vai devolver a vida das crianças que morreram sem saber porque estavam morrendo?”, questionou.

Holocausto

Os números variam, mas conforme historiadores, cerca de seis milhões de judeus morreram por serem quem eram durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). As mortes foram organizadas pelo partido nazista alemão, que era liderado por Adolf Hitler.

O holocausto foi um exemplo de genocídio. Trata-se de um conceito que designa crimes com o intuito de eliminar a existência física de um grupo, seja nacional, étnico, racial ou religioso.

Sobre Gaza, ainda em janeiro, o Ministério da Saúde administrado pelo Hamas informou que 10,6 mil crianças foram mortas em ataques israelenses, desde 7 de outubro. “O número de palestinos mortos devido à agressão israelense ultrapassou os 24.285, dos quais 75% são crianças, mulheres e idosos. (+10.600 crianças, 7.200 mulheres e 1.049 idosos)”, informou o ministério naquele momento. Hoje seriam 28,8 mil palestinos mortos.

As Forças de Defesa de Israel (FDI), na mesma época, disseram que mais de 9 mil mortos eram combatentes do Hamas. Em relação aos soldados israelenses, o óbito foi de 233, conforme dados da FDI da última semana. O conflito começou após a morte de mais de 1,2 mil pessoas e o sequestro de 253 reféns em um ataque do Hamas, em outubro – o número de mortos de israelense praticamente não subiu, segundo a imprensa internacional. Nenhum dos números foi checado.

Historiador

O historiador Iuri Godinho explica que existe um contexto histórico no qual, na verdade, a Palestina pretende eliminar o povo de Israel. “Se a gente for ver o início de Israel, todos os países árabes se juntaram para exterminar Israel. Essa conversa de extermínio, esse discurso de extermínio, é um discurso do mundo árabe contra Israel. Uns mais e uns menos. E não o contrário”, esclareceu.

Ele destaca que Israel ocupa uma terra que historicamente é dos árabes. Contudo, uma decisão da ONU, após a Segunda Guerra, permitiu a ocupação. “A revolta é justa, mas foi uma decisão de um órgão mundial. E esse conflito vem se arrastando de lá pra cá.” Segundo ele, as forças são desproporcionais e somente as forças israelenses poderiam ganhar essa guerra. Godinho diz, ainda, que em toda curta história de Israel, o país nunca atacou sem ser atacado. Mas em caso de ataque, revida, mesmo que com força desproporcional.

Sobre a comparação de Lula, ele diz que a opinião do presidente é um desastre. “Foi emitida por uma pessoa que parece não ter um mínimo conhecimento de história”, pontua. “A luz da história é uma aberração. O holocausto foi a matança sistematizada de um povo, no caso os judeus. O que acontece hoje em Israel é que Israel sofreu uma agressão, foi invadida e está revidando”.

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