“Brasileiros devem estar representados nos tribunais”, defende Liz Vecci

Um dos nomes cotados por Lula para TRF-1, tributarista critica disparidade de gênero no Judiciário e retirada de autonomia dos estados com reforma tributária

Postado em: 02-04-2024 às 09h30
Por: Gabriel Neves Matos
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Vecci, todavia, não poupa críticas ao presidente Lula quanto às escolhas recentes feitas para a composição do Judiciário | Foto: Saulo Cruz/TRF1

Com quase 25 anos de atuação na área do direito tributário e habituada a trabalhar diretamente com os seus clientes, a advogada Liz Marília Vecci, de 47 anos, viu-se no último ano diante do desafio de apresentar-se a diversos colegas do Poder Judiciário durante o processo para compor a lista tríplice do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). 

A convite do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO), Rafael Lara, a tributarista aceitou colocar seu nome a disposição para as duas novas vagas que seriam abertas neste ano para o TRF-1 a partir do quinto constitucional — determinação da Constituição Federal para que ⅕ das vagas dos tribunais sejam preenchidas pela advocacia ou pelo Ministério Público.

“Eu achei extremamente desafiador. E eu sou uma mulher que não costuma arregar diante de desafios. Então falei: ‘Acredito que posso fazer um bom trabalho nesta caminhada’. E foi aí que começou”, diz Vecci em entrevista ao HOJE. Uma vez que o nome fica a disposição, o processo implica em um giro entre os conselheiros federais e desembargadores que votam nas listas enviadas posteriormente ao presidente da República.

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Os advogados Flávio Jaime de Morais Jardim, apoiado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, e Eduardo Filipe Alves Martins, filho do ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e apoiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foram os nomes escolhidos pelo presidente Lula (PT) para as vagas da advocacia no TRF-1. Eles tomaram posse dos cargos no último dia 19 de março. 

A advogada Liz Vecci afirma não haver nenhum tipo de ressentimento quanto a ter sido preterida na escolha do chefe do Executivo, diz que o périplo que durou mais de um ano lhe concedeu a oportunidade de “se olhar melhor”, pontua que seu trabalho não tem vinculações partidárias e admite que a falta de padrinho político a prejudicou na etapa final rumo ao TRF-1. 

“Eu gosto de empreender, tenho um escritório longevo em Goiás. Sair pedindo voto foi muito diferente e desafiador. É um processo em que você se olha também. É um escrutínio público. O meu escrutinador, normalmente, é apenas o meu cliente. Eu nunca tinha submetido meu currículo aos colegas”, diz a tributarista. “Conversei com muita gente. Meu currículo foi elogiado. Até um secretário-executivo me disse: ‘Doutora, nós pesquisamos sua vida inteira e não tem nada de errado. O currículo da senhora é excelente, mas faltou o padrinho político’.”

Vecci, todavia, não poupa críticas ao presidente Lula quanto às escolhas recentes feitas para a composição do Judiciário. Existe uma disparidade de gênero nos tribunais brasileiros, diz ela. “A minha questão é a questão da narrativa que está por trás da estruturação do governo que escolheu os candidatos: é um governo que diz privilegiar a questão de gênero e que foi eleito com essa narrativa”, sustenta. 

“Quando na corrida há uma mulher que também tem um bom currículo — e aí nós estamos falando de currículo com currículo e não de indicação com indicação —  e você não escolhe a mulher, você está sendo incongruente com a sua narrativa e não comigo”, diz Vecci. “Não é sobre fidelidade a mim, mas com a sua narrativa, que no final é meramente narrativa. Principalmente quando isso acontece no dia 8 de março quando ele escolhe dois homens para ocupar as duas vagas nos tribunais superiores.”

É partindo desse ponto que a advogada também reflete que um sistema Judiciário aprimorado é aquele que é representativo, com a presença de mulheres, indígenas e negros. “O tribunal entende a sociedade que ele está julgando a partir do julgador. É preciso que todos os gêneros, cores, todos os brasileiros estejam representados nos tribunais”, afirma. 

Vecci cita como exemplo mudanças feitas no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na OAB a fim de dar equidade à questão da representação, como o estabelecimento de chapas e indicações paritárias. “Parece violento com o homem que estava na fila e agora terá de ceder a nova regra por causa de uma mulher, mas não é”, pondera. “A gente precisa ver as coisas sob uma perspectiva de estado e não apenas do meu direito.”

Promulgada no fim do ano passado, a reforma tributária foi alvo de críticas do governador Ronaldo Caiado (UB) que assegurou judicializar o assunto no STF. Vecci, que acompanha o tema de perto e tem publicado artigos em que disseca pontos do texto aprovado, ecoa o goiano e aponta que a grande problemática da reforma é a retirada da autonomia dos estados e municípios para gerir suas arrecadações — contrariando, segundo diz, o princípio da federação cooperativa. 

“É uma lógica perversa para um país que tem diferenças sociais e regionais muito grandes. Nós não somos São Paulo. Só existe um São Paulo. Nós somos a Amazônia, o Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão. O dinheiro vai vir de Brasília e será um repasse”, aponta.

Agora o que se espera é que os estados tentem manejar dentro das leis complementares, diz ela. Vecci prevê que até 2029, ano em que a reforma passa a viger, haverá um volume muito grande de judicializações sobre o assunto. “Não apenas dos contribuintes, mas também dos estados contra essas legislações da reforma. O mercado gostou da ideia de unificação dos impostos e recebeu bem a reforma. É um fator positivo para a macroeconomia. A gente ainda não viu isso refletido na microeconomia.”

Atrelado ao trabalho no escritório, Vecci ainda atua como diretora de uma comunidade terapêutica em Goiânia que acolhe, desde 1998, mulheres dependentes químicas, e outra em Pernambuco que atende crianças em situação de vulnerabilidade social. Ambas são sustentadas pelas doações de membros de igrejas evangélicas. Ela diz ser movida pela  condição do outro. “E eu não posso me acastelar dentro da minha própria vida e não me compadecer da situação”, reflete a advogada. 

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