Arquitetura para abrir o apetite

RIMENE AMARAL E LILA NASCIMENTO

Comer. Talvez um dos maiores prazeres do ser humano durante toda a sua existência. Nos primórdios, a vida se resumia, praticamente, à caça de alimentos. O tempo passou – e passou muito, desde então! – e a preparação dos alimentos foi sendo modificada. Os temperos surgiram para conservar a comida por mais tempo. As fogueiras deram lugar a fogões. E as geladeiras vieram como uma revolução. É claro que para acomodar tudo isso surgiu um espaço na casa: a cozinha. E é lá, nesse cantinho mágico e aberto a todos hoje em dia, que a alquimia acontece. Pronto! Era o que precisava para que a gastronomia e a cozinha se tornassem assuntos em rodas de amigos e entrassem, em definitivo, para a história da arquitetura moderna.

Se a gastronomia ganha importância cada vez maior como hobby ou atividade comercial, a arquitetura especializada nesse segmento tem acompanhado essa evolução. Espaços gourmets passaram a ser criados nas áreas comuns de edifícios; churrasqueiras e cozinhas integradas à sala já são itens indispensáveis nos projetos de empreendimentos residenciais. Mas, quando se trata de construir ou renovar bares e restaurantes, escritórios de arquitetura tomam a dianteira ao concretizar espaços que devem atrair clientes integrando charme, inovação e funcionalidade.

Esse segmento da arquitetura está entre os mais promissores da área com destaque em grandes mostras do gênero. Um exemplo é o projeto do Restaurante 1929 Trattoria Moderna, executado pela arquiteta Mariana Carvalho para a Casa Cor 2017. O projeto exemplifica, com maestria, como a arquitetura é uma aliada essencial para que os clientes possam experimentar, de maneira mais intensa, a proposta do restaurante. Em sintonia com o chef Ian Baiocchi, responsável pelo cardápio do restaurante, Mariana criou um ambiente moderno, mas tão acolhedor como as tradicionais casas das nonas italianas, fonte de inspiração para os pratos elaborados pelo chef.

“O 1929 Trattoria Moderna é uma casa contemporânea, mas de inspiração italiana, lembrando as casas das nonas, onde sempre cabem mais um. Por isso os espaços de espera são generosos e aconchegantes”, explica a arquiteta. A concepção familiar e a composição afetuosa se estendem à comida e à hospitalidade do serviço. “A proposta é uma nova concepção das preparações italianas, sem amarras geográficas, tampouco técnicas. O 1929 traz uma cozinha inventiva e de inspiração dentro deste conceito aconchegante e verdadeiro”, conta o chef Ian Baiocchi.

Dentro desse mesmo contexto, Mariana  criou espaços para peças-referência do design brasileiro e mundial, conferindo identidade e sofisticação ao ambiente. Dentre elas, as Cadeiras Del Rey, assinadas pelo arquiteto e designer polonês Jorge Zalszupin – e já catalogadas no livro dele. A Poltrona Mole, de Sérgio Rodrigues, garimpada em antiquário pela Casa Mix e Bossa e repaginada pela arquiteta, se destaca no lounge do restaurante. No salão principal, modernas mesas com tampo de cimento dividem a atenção com o charme das linhas retas e suaves das mesas de madeira, da Marcenaria Lussá. Pendentes Tombo, de Guilherme Wentz, que acendem ao toque, flutuam sobre a mesa principal iluminando o ambiente com delicada sofisticação.

O projeto respira modernidade, com estética refinada e forte vertente afetiva, marca registrada da arquiteta. Essas referências estão presentes no 1929 em peças como almofadas, bibelôs e fotos de dona Colombina Baiocchi, avó do chef Ian Baiocchi, que batizou o restaurante com o ano do nascimento dela. “Acredito na arquitetura com sensibilidade para buscar a essência do cliente. E nada mais moderno e atual do que trazer referências afetivas que propiciem bem-estar e aproximem as pessoas”, afirma Mariana. Na área externa, a arquiteta lançou mão de toldos retráteis, da Hunter Douglas, criando um confortável abrigo para os clientes. A profissional também se preocupou em construir um ambiente com acessibilidade plena aos portadores de necessidades especiais.

Ambientes personalizados

A personalização confere uma identidade única ao restaurante, fazendo com que ele se destaque de outros estabelecimentos. Outra tendência é a ‘vitrinização’ recente da arquitetura de restaurantes. Grandes vidros cobrem fachadas inteiras desses estabelecimentos, o que permite um diálogo com a rua e com a paisagem da cidade, eliminando a sensação de isolamento, mas também proporcionando mais conforto em dias de frio ou de calor e criando um ambiente mais agradável. “Havia muito barulho do lado de fora por causa da avenida movimentada e, em alguns momentos, o sol esquentava o ambiente. Pensamos, então, em isolar o local com vidro para garantir mais conforto aos clientes”, diz o empresário Rogério Giordani, um dos proprietários do Empório Saccaria, em Goiânia.

Mas essa vitrinização representa muito mais que isso. Para o comércio, as paredes de vidro também permitem que quem está do lado de fora seja atraído pela visão que se tem do interior. “Não foi uma e nem foram duas vezes que, parado no sinal de trânsito, olhei para o lado e vi as pessoas almoçando, se confraternizando, e resolvi entrar”, conta o professor universitário Bruno Gomes, de Brasília, que vem a Goiânia toda semana. “Imaginei que lá dentro o ambiente era bem mais acolhedor. Acabei virando cliente”, completa.

Como se pode perceber, a arquitetura ampliou o conceito de cozinha. Fez do espaço muito mais que o lugar onde se faz o pão nosso de cada dia, trouxe identidade e aconchego e, de quebra, aproximou ainda mais as pessoas. E só quem frequenta uma cozinha, rodeado de amigos, é que sabe o verdadeiro valor de um ambiente cheio de originalidade. Só quem consegue fazer dos alimentos uma alquimia sabe que a arquitetura também é feita para abrir o apetite.