Entenda porque o consumo de peixe cação no Brasil contribui para a extinção de tubarões e raias

Segundo dados da WWF, o Brasil foi o maior importador de carne de tubarão em volume entre 2009 e 2019, tendo recebido 149.484 toneladas

Postado em: 09-08-2022 às 19h11
Por: Ícaro Gonçalves
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Segundo dados da WWF, o Brasil foi o maior importador de carne de tubarão em volume entre 2009 e 2019, tendo recebido 149.484 toneladas | Fotos: Reprodução

É comum encontrar na seção de congelados dos supermercados as embalagens de cação, nome alternativo adotado pela indústria pesqueira para designar tubarões e raias. Embora o consumo de carne de tubarão não seja tradição no Brasil, a compra do cação vem aumentando nos últimos anos no Brasil, o que tem contribuído para o desaparecimento de espécies já ameaçadas de extinção.

Segundo dados da Mediterranean Marine Initiative (WWF), o Brasil foi o maior importador de carne de tubarão em volume entre 2009 e 2019, tendo recebido 149.484 toneladas. A carne de cação, macia e sem espinhos, aliada aos baixos preços, tem atraído público consumidor. O grande problema é que entre as mais de 1.200 espécies de elasmobrânquios que compreendem os tubarões e raias pescados como cação, cerca de 36% são espécies ameaçadas.

Entenda a origem do problema

Há tempos, o consumo de sopa de barbatana de tubarão é comum em países asiáticos, em especial a China. No país, a atividade está documentada em escritos da dinastia Ming (1368-1644) e era considerada um dos oito tesouros da culinária de produtos marinhos. Segundo a tradição local, as barbatanas de tubarão eram consideradas boas para conservar a juventude, o apetite e, em geral, a energia vital.

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Atualmente as barbatanas estão entre os produtos da fauna marinha mais caros do mundo, ultrapassando US$ 80/kg. Durante a pesca de tubarões, o interesse principal é justamente as barbatanas, sendo que durante séculos o restante da carcaça dos animais era descartada nos oceanos, numa prática que ficou conhecida como finning.

Muitas vezes o corte das barbatanas ocorria enquanto o tubarão ainda estava vivo, sendo o animal despejado de volta ao mar para morrer lentamente.

Proibição do finning e exploração do Cação

Pela crueldade envolvida no processo, o finning foi proibido por lei no Brasil em 1998, sendo o país um dos primeiros a obrigar barcos pesqueiros a darem uma destinação para as carcaças de tubarão. A proibição da prática foi se expandindo mundialmente, e hoje a maioria dos países já possuem legislação contra o finning.

Mas se o consumo de carne de tubarão no Brasil e outros países era baixo, o que fazer com as carcaças dos animais pescados? Foi então que veio o termo “Cação”.

Segundo o Agente Ambiental Federal do Ibama Wallace Lopes, a adoção do termo cação foi uma estratégia para atrair o público-consumidor, disfarçando a origem das carnes.

“Essa informação enganosa, os preços atrativos decorrentes da baixíssima demanda de outros países, e o fato de ser uma carne branca e sem espinhos, são alguns dos fatores que resultaram no aumento do consumo entre as famílias brasileiras”, disse Wallace em uma série de postagens em sua conta no Twitter.

“O grande problema é que o produto que vemos fatiado em postas ou em filés pode esconder espécies ameaçadas de extinção, já que legislação brasileira só obriga a rotulagem de pescados importados com o nome da espécie quando se trata de peixes dos grupos do bacalhau e do salmão”, disse Wallace.

De acordo com Wallace, é impossível ao consumidor saber qual das mais de 1.200 espécies conhecidas de raias e tubarões estamos consumindo ao comprar um pacote de carne de peixe identificado apenas como Cação.

A rotulagem inadequada, sem apresentar o nome da espécie na embalagem, esconde o consumo de espécies ameaçadas de extinção. A estratégia é tida como uma forma de “lavar” o comércio de barbatanas, que é muito mais lucrativo.

“Precisamos cobrar por uma rotulagem adequada desses produtos e, até que isso ocorra, evitar o consumo da carne de cação para não contribuirmos indiretamente com a extinção de espécies desse grupo que é tão importante para o equilíbrio da vida marinha”, finalizou Wallace.

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