Independente do passaporte, a feijoada é nossa

O prato é o mais famoso do Brasil com apreciadores dos quatro cantos do mundo que já experimentaram

Postado em: 03-03-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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O prato é o mais famoso do Brasil com apreciadores dos quatro cantos do mundo que já experimentaram

Rimene Amaral Especial para o Hoje


Sábado, samba e feijoada. Quer uma combinação mais perfeita? Ah! E caipirinha, é claro. Para ser melhor, se é que tem como, só quando o programa dura o dia todo, numa roda de samba, e se torna quase uma obrigação do brasileiro no sétimo dia. Aliás, sua majestade A Feijoada é o prato mais famoso do Brasil com apreciadores dos quatro cantos do mundo que já experimentaram. É só chegar um gringo por estas bandas e terá sempre um ‘gente-boa’ para apresentá-lo a um generoso prato de feijoada com caipirinha. Feijoada só, não. Na verdade, é um combo: arroz, couve, laranja, farofa, mandioca, torresmo – a perdição! – e a feijoada, propriamente dita, que vem com todas as variáveis – costelinha, paio, rabo, pé e orelha, carne seca, linguicinha e a completa, que tem tudo isso e mais alguma coisa. Não se esqueça da pimenta.

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Aliás, o alemão Kai Kreutzfeldt foi apresentado à iguaria em 1991, ainda na Alemanha, por amigos brasileiros que residiam por lá. E usaram aquela história inventada. “Antes de prová-la pela primeira vez, foi-me explicada a origem deste prato tradicional, quando os escravos completaram os retalhos de carne que recebiam com feijão para ter uma comida que satisfizesse. Às vezes, tive a impressão que esta história era só pra justificar a presença de pé e orelha suínos na panela, pois estas partes não fazem parte do cardápio alemão”, conta. Era estranho porque feijão preto não era comum por aquelas bandas da Europa. “Amei a feijoada desde o primeiro prato. Na época, foi a primeira vez que tinha visto e comido feijão preto, já que na Alemanha ele não era nada comum. Hoje em dia, compra-se feijão preto em qualquer supermercado”. Em 1998 Kai Kreutzfeldt veio para Goiânia atrás de paixões. A arte era uma delas. Encontrou a feijoada e ganhou mais uma paixão. “Aprendi também que a feijoada tinha que ser comida tradicionalmente, aos sábados, e que farofa, couve e laranja não podem faltar”. Mas como um brasileiro por paixão, o alemão sabe o que é bom, mas com ressalvas. “Adoro feijoada. Aprendi a cozinhá-la e não precisa ser sábado para comê-la. Nunca provei uma feijoada completa – por causa do preconceito culinário contra o pé e a orelha. Prefiro ela com linguiça, pimenta bode, couve e bastante farofa!”.

Em Goiânia, existem restaurantes e hotéis que servem feijoadas maravilhosas e famosas. Tem até delivery! Há lugares tradicionais simplérrimos, que pouca gente frequenta, mas que surpreendem pela qualidade. Nestes pontos, é preciso fazer reserva antecipada. Cada canto tem seu sambinha – que seja no som – e uma especialidade diferente. Já experimentei algumas: feijoada de frutos do mar, de legumes, de peixe, feijoada light – esta é quase uma piada! São saborosas? São. Mas para mim não podem ser consideradas Feijoadas – sim, com efe maiúsculo! –, no mais íntimo do significativo da especiaria. Feijoada de verdade e completa, mesmo, precisa ter ambulância de plantão, parafraseando o magnífico escritor Stanislaw Ponte Preta. 

Fácil de ser presenteada com comida, a jornalista Juliana Carvevalli se diz satisfeita quando ganha um pote de palmito de presente. Uma piada interna que demonstra que Ju tem muito bom gosto para comidas. E sabe apreciá-las da forma mais divina possível. Ela sente o sabor em cada papila. Como dizem aqui em Goiás, “dá até gosto” vê-la comer. E para quem sabe comer bem, feijoada é um daqueles pratos que, por mais que comemos, sempre haverá ainda mais paixão. “Como não amar feijoada? Um dos pratos típicos mais populares da nossa culinária é meu cardápio de quase todos os sábados”, empolga-se a jornalista. E nem vem com essa coisa de “light” ou “só com carnes nobre”. Juliana é fiel à receita. “Gosto da receita tradicional, com orelha, pé e rabo de porco. Os acompanhamentos são indispensáveis. Tem de ter farofa, couve, torresmo e laranja – pra aliviar a consciência. Nem preciso dizer da fundamental caipirinha. Se existe outra combinação mais perfeita que essa, desconheço.”, arremata uma apaixonada Juliana Carnevalli.

Mas quais são a origem e a identidade desse prato que mexe tanto com o paladar e com a alegria dos brasileiros, aguça a curiosidade dos estrangeiros e reflete, na segunda-feira, na balança da academia, mas ninguém consegue resistir? Aposto que você já ouviu – e até passou adiante – aquela informação que apresenta a feijoada como sendo um prato criado pelos escravos, na senzala, com as sobras de carnes que eram desprezadas pelos senhores da casa grande. Balela! O prato é nacional por excelência, mas a forma de fazer e os ingredientes utilizados têm berço europeu.

A exemplo da dobradinha – um ensopado feito de bucho bovino e feijão branco –, pratos feitos de carnes consideradas menos nobres, sempre fizeram parte da culinária portuguesa. E foi de Portugal, de acordo com historiadores, que a trouxeram para o Brasil no fim do século XIX. Em registros, o historiador Câmara Cascudo revela que o grande ensopado de feijão deriva mesmo dos cozidos europeus à base de feijão ou fava, como o puchero espanhol e o cassoulet francês.

Mas foi aqui, na terra das misturas, que a feijoada ganhou temperos diferentes e acompanhamentos diversos. Independente de sua origem lusitana, espanhola ou francesa, ela se tornou brasileira. E não se fala mais nisso! A feijoada é nossa. Monte o seu prato, capriche no torresmo – porque torresmo é vida! –, se esbalde na caipirinha – mas com moderação! – e, mesmo não sabendo sambar, entre para o samba. A hora de acabar é quando o corpo pedir cama.  

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