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sábado, 23 de novembro de 2024
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PERSONALIDADE

A lenda no limbo; Sergei amarga miséria

Ícone do rock, Serguei, aos 82 anos, passa por dificuldades financeiras, mas terá lançados documentário, longa e chanchada

Postado em 5 de março de 2016 por Sheyla Sousa
A lenda no limbo; Sergei amarga miséria
Ícone do rock

Leonardo Lichote

Envolvido pela memorabilia do Templo do Rock, misto de museu e casa onde vive em Saquarema, Serguei lembra o passado, em relatos que unem lisergicamente memória e fantasia: “Em 1968, quan­do morava em Nova York, ia muito para Gre­enwich Village. Uma vez, andando por ali, vi uma confusão, carros parados. Passei por aquilo e vi um cara parado. Quem era? O descobridor da América, Cristóvão Colombo! Perguntei: “Como estás? Que haces?”. “El mismo que tu, mirando las personas”. Logo depois passou um elefante gigantesco no meio da rua. Aquelas noites… – narra, com a voz rouca e falha, antes de fazer uma expressão de desânimo e concluir: “Hoje o mundo perdeu aquele encanto”.

O mundo desencantado de Serguei, hoje, não é o da psicodelia de Colombos e elefantes pelas ruas de Nova York – é o da rotina de remédios e dificuldades financeiras, como revelou a coluna de Ancelmo Gois. Com renda bruta de cerca de R$ 2 mil (composta por sua aposentadoria e uma ajuda da Prefeitura de Saquarema), sem condições físicas de fazer shows, o artista de 82 anos não tem conseguido garantir seu próprio sustento e a manutenção do Templo do Rock, casa onde mora e guarda sua vasta coleção de itens relativos ao ritmo. 

André Kaveira, seu produtor, cantarola uma das músicas do roqueiro, Tô na Lona, para ilustrar sua situação: “Tô na lona/Sem trocado/Tô mais duro que cimento armado/E o meu salário é porcaria/Não dá nem pra um pirulito por dia/(…) Devo ao padeiro a metade/Do que devo ao eletricista/E o triplo desta soma/O açougueiro já vem na minha lista/(…) Tenho uma boa saúde/Não contando umas bobagenzinhas/Como salmonela/E um desviozinho na espinha/ Não como carne há um mês/De vitaminas tenho escassez”.

“Essa música (gravada em 1991) é uma espécie de premonição do que ele vive hoje”, diz Kaveira, vestindo uma camisa com a frase “Serguei/Eu sou psicodélico”. “Há uns três anos, o Templo do Rock começou a ter problemas sérios de infiltração, o quarto dele ficou coberto de limo, e respirar esses fungos prejudicou seu pulmão. Num esquema de mutirão, nas últimas semanas raspamos a parede, pintamos, resolvemos provisoriamente o problema. Mas a casa precisa de uma grande reforma, o acer­vo (fotos com Janis Joplin, reportagens nacionais e estrangeiras, pôsteres de lendas como Doors e Ramones, seus LPs e compactos, inclusive recentes reedições europeias) está se deteriorando, tem que ser digitaliza­do. Ele gasta muito com remédios para os ossos, anemia e o pulmão, além de vitaminas. E entrou num processo psicológico de desacreditar no futuro.

O artista, que fez seu último show em 2012, na Virada Cultural de São Paulo, hoje quase não sai de casa, limitando-se a cuidar de suas plantas e cães e a receber os visitantes de sua ca­sa/museu, para quem conta animadamente as histórias que envolvem cada peça exposta ali. Dá especial atenção às duas fotos com Janis e ao quarto psicodélico. 

O cômodo, iluminado com luz negra, tem quadros de tinta fosforescente de Bob Marley e Jim Morrison (“Janis me apresentou a Jim Morrison e sempre me dizia para nunca pôr a língua para fora perto dele, que ele botava um comprimido na sua boca que te levava para viagens alucinantes”) e almofadas e panos pelo chão.

“Era assim que os hippies viviam. Deitavam em lugares assim, dormiam, às vezes se beijavam, ficavam pelados”, diz Serguei, mostrando o ambiente. “Um dia veio um garoto visitar a ca­sa e deitou pelado aí, como os hippies”.

Serguei costuma acordar entre 10h e 11h (“Quando tem muito sexo na noite anterior eu levanto mais tarde”) e toma seu café da manhã, normalmente pão com manteiga e Coca-Cola. Apesar da alimentação ruim, afirma que se cuida:

“Sempre tratei muito bem a máquina. Não fumo, nunca usei drogas nem álcool. Fi­cava rindo das pessoas que usavam para fugir de um estado de vida infeliz promovido por elas mesmas”.

Kaveira acaba de contratar uma pessoa pa­ra garantir que o artista se alimente melhor, tome os remédios, faça algum exercício. Além do cuidado com a saúde do cantor, o produtor quer reerguer sua carreira. Para isso, dirige três filmes sobre o artista: o documentário Ficcicodelia (neologismo que une ficção e psicodelia); o longa O Último Beatnik, com Eriberto Leão no papel do roqueiro; e a chanchada Serguei: 100 Anos de Sacanagem (título provisório).

“O documentário está 60% pronto e será exibido em setembro no Canal Brasil. Queremos também lançá-lo no Festival do Rio. Já entrevistei Alcione, Erasmo Carlos, Maria Juçá, Angela Ro Ro, Rita Lee, pessoas que acompanharam sua carreira. Vai ser o maior projeto de sua vida”. conta Kaveira, que trabalha na captação de verbas para os três projetos, aprovados na Lei Rouanet.

Três filmes é um alvo ambicioso, mas o personagem é rico. Pela história, pelo folclore e por suas falas sobre sexo (“Homossexualidade é um encontro dos deuses, é extremamente forte”), paixão (“Outro dia dei de cara na rua com quem não po­dia, deu uma vontade de dar um abraço, é triste”), relacionamentos (“Tenho alma de puta, nunca fui muito fi­el”) e, é claro, música:

“Adoro cantar blues. Bato o pé no chão e lá vou eu, me rasgo. É a vida”, diz, antes de, rou­co, cantar Dazed and Confused, do Led Zeppelin. (Agência O Glo­bo) 

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