Quando a letra vira Desenho
Uma das formas de intervenção urbana, o handlettering nasceu no papel, mas hoje enfeita paredes em festas, restaurantes e bares
JÚNIOR BUENO
No começo, há dois anos, houve um caderninho de capa dura desses de anotar tudo. Era um moleskine, que Guilherme Lemes usava para colocar no papel todas as ideias poéticas que lhe ocorriam. Mas algumas das palavras ficavam melhor desenhadas, com fontes rebuscadas, como uma caligrafia minuciosa e preciosamente registrada no papel a lápis. Nascia ali para ele um jeito de se expressar que já é difundida pelo mundo há muito tempo, o handlettering.
Nas palavras de Guilherme, que é diretor de arte, o handlettering “nada mais é que uma caligrafia decorada”. Ele diz que a técnica pode ser aplicada de várias maneiras: com pincel, em um mural, escrito a giz – dentre outros. Nas mãos de Guilherme, o handlettering saiu dos convites à mão e foi parar nas paredes mais descoladas de Goiânia, seja como intervenção urbana, brotando de forma orgânica e não planejada nos muros, seja na forma de decoração de ambientes como bares e festas.
Para Guilherme, capitalizar sobre uma expressão de arte é apenas uma das formas de se viver de fazer algo de que gosta muito. Seu trabalho em uma agência de criação passa por unir a escrita e a ilustração e suas criações fora da agencia também. “Na verdade, quem trabalha com arte sabe que há a fine art, que é a ‘arte pela arte’, engajada, mas o artista também tem que comer, pagar as contas”. Ele diz que, quando morou na Europa, já trocou seu trabalho por comida e que não se trata de uma simples mercantilização de uma arte.
A handlettering está marcando presença forte em casamentos, aniversários, chás de panela, bebê e mais uma porção de eventos. E dá uma peninha de apagar, depois que o evento acaba, mas, em alguns casos, há como emoldurar e guardar. Em uma nova tendência, estas artes estão sendo emolduradas para decoração. Dependendo da ocasião, os painéis ou paredes decorados com frases e palavras soltas acabam por se tornar o maior charme do evento.
O que o handlettering faz é conferir um ar retrô ou uma pegada industrial aos lugares por onde passa. “Dependendo da família tipográfica, a arte pode ou não ter características retrô. Eu trabalho com os estilos vitoriano e noveau, e eles são úteis em casamentos, chá-bar e noivado. E pode se trabalhar de uma forma que emule o estilo industrial, com fontes mais fortes, mais quadradas”, explica ele.
Cidade cinza
Sobre a decisão de apagar as intervenções urbanas, que tem suscitado uma treta entre o prefeito recém-empossado de São Paulo, João Dória Jr., e artistas de rua, Guilherme diz que a decisão é um tanto atrapalhada demais. “É difícil que ele alcance êxito em deixar a cidade ‘mais limpa’. Já houve um parecer da equipe dele de que algumas ruas estão sem cor”. Ele diz que, mesmo o pixo, uma expressão com fins e meios diferentes do grafite, tem uma verdadeira função social. “O pixo e o grafite têm uma utilidade, que é a de expressão de quem não tem os meios tradicionais para se expressar e trazem vida para as cidades. Não há como imaginar as grandes cidades do mundo sem grafite”.
Ele dá um exemplo aqui no nosso próprio quintal: “O Setor Sul, no projeto original do Atílio Correia Lima, era de que os jardins e becos fossem a entrada das casas, de que os carros entrassem pelos fundos e que as pracinhas fossem áreas de convivência. Mas, como um sinal de status, as pessoas passaram a fazer suas garagens, na frente, de modo a exibis seus carros. E aqueles locais de convivência ficaram abandonados. Quem os revitalizou foram os grafiteiros, que deram cor e vida”.
Ele diz que o grafite, é uma das formas mais simples de intervenção urbana e que, nas maiores cidades, o handlettering é também uma forma de se interferir na paisagem urbana. “Em uma escala de facilidade de compreensão, o handlettering é mais acessível que o grafite, que trabalha mesmo com uma profusão de elementos. Nesse sentido, o handleterring é mais claro”. Ele acredita que a utilização da técnica em muros e murais fixos tenderá a ser mais. “Vai dar para fazer muitas coisas novas”, finaliza.