Mulheres superam homens na criação de novos negócios, mas enfrentam obstáculos
O preconceito dificulta muito as relações, ainda mais em ambientes majoritariamente masculinos
As mulheres brasileiras estão à frente dos homens na criação
de novos negócios. Mas, quando se trata de negócios já estabelecidos, elas
mostram presença menor que a do sexo masculino. As informações estão na
pesquisa Global Entrepreneurship Monitor 2016, coordenada no Brasil pelo
Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e o Instituto
Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ).
Segundo o estudo, em 2016 a taxa de empreendedorismo entre
os que têm um negócio com até três anos e meio de existência ficou em 15,4%
entre as mulheres e em 12,6% entre os homens. A taxa de empreendedores
estabelecidos, ou seja, que tocam um negócio há mais de três anos e meio, ficou
em 19,6% entre os homens e 14,3% entre as mulheres.
A pesquisa revelou também que as mulheres empreendem por
necessidade mais frequentemente do que os homens. No grupo feminino, 48% delas
afirmaram ter buscado o empreendedorismo porque precisaram. No masculino, esse
percentual cai para 37%.
O presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, afirma que
em tempos de crise o empreendedorismo é uma alternativa para vários brasileiros
que perderam o emprego ou buscam uma renda extra. No caso das mulheres, ele
destaca que a solução pode ser mais viável que um emprego com horário rígido,
já que muitas delas têm de fazer a chamada jornada dupla.
“O dilema da mulher é entre a necessidade de trabalho e de
cuidar da criança, da casa. O empreendedorismo tem se mostrado um grande
caminho de conciliação. Quem quer fazer carreira em uma empresa tem que lidar
com a disciplina dos horários, o que não facilita”, comenta.
Ele lembra que um número grande de brasileiras é
responsável, sozinho, pelo sustento da família e pela organização do lar. “Há a
mulher como arrimo de família. Elas são a única fonte de renda e ainda têm que
cuidar da atividade doméstica. Então, a atividade de empreendedora em casa
facilita muito. A maioria caminhou para isso por necessidade. Essa pesquisa
trata do mercado formal, mas você tem um monte de mulheres por conta própria na
informalidade”, destaca.
Mais suporte
Marcelo Minutti, professor de empreendedorismo e inovação da
Faculdade de Economia e Finanças Ibmec, vê como positiva a maior presença
feminina nos negócios novos. Ele acredita que isso é resultado do empoderamento
das mulheres e avalia que, com o tempo, crescerá também o número das que estão
à frente de negócios estabelecidos há mais tempo.
“A gente percebe, nos últimos anos, uma tendência forte para
a mulher empreender. Inclusive, esses percentuais de crescimento atual resultam
de uma defasagem muito grande [da presença delas nos negócios anteriormente].
Isso estava represado. Como esse empoderamento tem ganhado força apenas nos
últimos anos, isso reflete, porque os negócios são mais novos também”, afirma.
Minutti destaca, contudo, que ainda há dificuldades a
enfrentar para garantir equidade no mundo dos negócios. “Por mais que seja uma
notícia positiva o fato de as mulheres ocuparem espaço maior, a gente tem
algumas dificuldades. O preconceito dificulta muito as relações, ainda mais em
ambientes majoritariamente masculinos. Por isso, só pedir para as mulheres se
esforçarem não é suficiente. Precisa de política pública, que as empresas se
adaptem à rotina das mulheres”.
No estudo do Sebrae e do IBPQ, técnicos também enumeram
obstáculos apontados por mulheres empreendedoras e recomendam maior suporte.
“[As mulheres] conseguem criar novos negócios, porém enfrentam dificuldades
para fazer seus empreendimentos prosperarem. Tal fenômeno pode estar associado
às condições relatadas, como preconceito de gênero, menor credibilidade pelo
fato de o mundo dos negócios ser mais tradicionalmente associado a homens,
maior dificuldade de financiamento e dificuldade para conciliar demandas da
família e do empreendimento. Essa situação aponta para a necessidade de maiores
investimentos para dar suporte”, ressalta a pesquisa.
Ajuda da família
Em março do ano passado, a turismóloga Mariana Alves
Carvalho David, 32 anos, decidiu arriscar-se no mundo dos negócios.
Desempregada, ela juntou a necessidade ao desejo antigo de ter o próprio
negócio e abriu o restaurante Piccolo Emporium, na Asa Sul, zona central de
Brasília.
“Na verdade, foram duas coisas. Meu pai vem desse ramo [de
restaurantes] há muitos anos e eu tinha vontade de abrir alguma coisa. Aí,
fiquei desempregada. Eu tinha um dinheiro e meu pai entrou comigo”, explica.
Casada e mãe de dois filhos, ela tem a sorte de poder contar com a ajuda da
família para conciliar a vida doméstica com a rotina de empresária.
“Eu não tive tanta dificuldade, pois meu marido já sabia como
ia funcionar. Nós tínhamos conversado antes. E o fato de o meu pai estar junto
comigo e a gente conseguir dividir [as tarefas do restaurante] facilitou muito.
Se não fosse isso, realmente seria um pouco mais difícil”, diz.
Áreas de atuação
Além de enfrentar mais obstáculos para manter o negócio
funcionando, as mulheres que decidem empreender atuam em menos áreas que os
homens. Segundo a pesquisa do Sebrae e do IBPQ, em 2016, enquanto 49% das
empreendedoras iniciais concentravam-se em quatro atividades, 50% dos homens
começando a empreender estavam em nove segmentos.
Elas distribuíam-se nos setores de serviços domésticos (13,5
%) , cabeleireiros ou tratamento de beleza (12,6 %) , comércio varejista de
vestuário e acessórios (12,3 %) e catering e bufê (10,3%).
Por sua vez, os homens estavam em todas as áreas ocupadas
pelas mulheres, com exceção do serviço doméstico, e ainda na construção (14,8
%), restaurantes (7,7 %), manutenção de veículos (7,4 %), comércio varejista de
hortifrutigranjeiros (3,2 %), atividades de serviços pessoais (2,8 %) e
comércio varejista de cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal (2,4
%) .
Para Marcelo Minutti, as barreiras do mundo corporativo e a
própria formação cultural podem explicar a concentração das mulheres empreendedoras
em áreas associadas ao universo feminino. “Ela pode se concentrar no espaço
onde há mais facilidade para ela. Há uma carga cultural também, referente a
como o homem é criado e a como a mulher é criada. Tem que começar um trabalho
de base, desde que as meninas estão lá na escola até chegar à idade de
empreender”, defende.
Agência Brasil