“Toda a mulher que venceu seus obstáculos se tornou forte”
Apesar dos desafios, mulheres passam a ocupar cargos geralmente destinados a homens
GABRIELLA STARNECK*
Em um período repleto de manifestações em favor dos direitos das mulheres e ao combate ao assédio sexual, tratar de temáticas como a ocupação das mulheres em cargos geralmente destinados a homens se torna relevante – principalmente diante da desigualdade de gênero que ainda é visível. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, que analisa a igualdade entre homens e mulheres em 144 países, o Brasil ocupa a 90ª posição do ranking no quesito equidade de gênero.
Mas, apesar de ser notória a disparidade entre homens e mulheres no critério de igualdade salarial e ocupação de cargos de chefia, algumas figuras femininas vão na contramão e realizam grandes feitos, como Silvana Rosa de Jesus Ramos – primeira mulher a assumir um comando regional da PM goiana. No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a coronel assumiu, na última sexta-feira (2), o 8º Comando Regional da Polícia Militar de Rio Verde. “Assumo essa missão com muita alegria e dedicação”, destacou Silvana.
De acordo com o Índice Global de Desigualdade de Gênero 2017, apresentado no Fórum Econômico Mundial, o Brasil está na 129ª posição, em relação à igualdade salarial, sendo a diferença entre homens e mulheres em cargos executivos superior a 50%. Quando se trata da participação feminina no cenário político a situação fica ainda mais crítica, empurrando o Brasil para baixo no ranking. No subíndice ‘Empoderamento Político’, o Brasil caiu da 86ª posição para 110ª no ano passado. Dos 513 deputados federais, apenas 51 são mulheres (10% do total). No Senado, elas representam 13 das 81 cadeiras (16%).
O relatório ainda aponta que a renda média da mulher corresponde a 58% da recebida pelo homem. Segundo a doutora em Antropologia Social e diretora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), Izabela Tamaso, “há um conjunto de fatores que justificam essa realidade”. A professora aponta, por exemplo, a existência de um perfil conservador, sexista e preconceito em relação à mulher – principalmente no ambiente de trabalho, já que, muitas vezes, a mulher é vista como menos capaz.
Outro aspecto que Izabela destaca é o fato de a mulher ter tripla jornada de trabalho. Em cargos de chefia, em que é exigido mais disponibilidade do líder, a mulher acaba tendo que ficar muito tempo longe dos filhos. Por esse motivo, o período que elas têm disponível dedicam à maternidade, tendo menos tempo de criar sua rede de contatos nos trabalho. “Essas questões são importantes para o trabalho, e a mulher, às vezes, não consegue participar de forma ativa dessa parte mais social por conta das outras atividades. Os homens estão culturalmente habituados a justificar a ausência no lar por questões trabalhistas”, afirma a antropóloga.
O relatório do Índice Global de Desigualdade de Gênero, que analisa a conjuntura nas áreas de trabalho, educação, saúde e política, mostra que a desigualdade de gênero voltou a crescer no mundo, em 2017, pela primeira vez após uma década de avanços. O estudo, que é realizado anualmente desde 2006, aponta que, mantido o atual ritmo, serão necessários 100 anos para acabar com a distância global entre homens e mulheres em escala mundial.
Mudança
Segundo a antropóloga, para reverter esse cenário de desigualdade entre homens e mulheres é necessário que cada um se posicione contra os preconceitos ainda existentes. “Acho que cada um, no seu espaço, deve estar atento para que práticas de machismo e sexismo não venham acontecer. “Precisamos nos posicionar, questionar, se indignar e saber dizer o que não é correto. Hoje já temos leis que nos amparam, a maneira de contribuir para mudar essa realidade é não se conformar”, afirma Izabela.
A professora ainda destaca a educação como um dos caminhos de mudança: “Como educadora temos um papel muito importante em relação a essa realidade. Tanto em sala de aula como no congresso, nós percebemos que as mulheres não são as primeiras a se manifestarem quando ocorre um debate – em geral os homens são os que mais falam. Então precisamos incentivar que as mulheres se expressem, e precisamos transmitir segurança a elas para que essa voz se torne mais democratizada”.
A antropóloga ressalta para reverter esse cenário depende exclusivamente das mulheres. “Existe uma cultura em que as mulheres desconfiam de si mesma, elas não dão credibilidade quando uma figura feminina recebe uma oportunidade de assumir um cargo mais alto. É necessário que haja a questão do entendimento do outro. Por isso ela destaca a importância do termo ‘sororidade’ – união entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum. Para a professora, quando esse conceito é posto em prática, ele se torna um facilitador até nas questões trabalhistas, “porque, se uma mulher assume um cargo de liderança, quando outra estiver no período de licença-maternidade, por exemplo, será mais compreendida”.
Silvana Rosa de Jesus Ramos tem 52 anos e está na Polícia Militar há 32 anos, tendo ingressado na a primeira turma de soldados femininos em 1986. Empossada pelo secretário de Segurança Pública, Irapuan Costa Júnior, e o comandante-geral da corporação, coronel Sílvio Vasconcelos, Silvana destaca a importância de assumir o cargo de coronel para outras mulheres: “Assumir essa patente estimula outras mulheres, principalmente da área militar, a correrem atrás do que querem e a trabalhar cada vez mais para ocuparem cargos como esse”.
A coronel afirma que, ao longo da sua carreira, ela enfrentou adversidades: “Me deparei, às vezes, com situações complicadas, principalmente pela sensibilidade que a gente tem. Muitas vezes, não estamos preparadas para ver e sentir algumas coisas, mas isso deixa marcas na nossa história, momentos que de vez em quando eu relembro e fazem parte desse ciclo”. Silvana ainda diz que vê com bons olhos o fato das mulheres ocuparem cargos como o de coronel: “A gente tem muito trabalho a fazer e acredito na força da mulher pela sua sensibilidade em alavancar coisas que ainda não são feitas”.
Festividade
O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, teve origem durante a Primeira Guerra Mundial com as manifestações das mulheres russas por melhores condições de vida e trabalho (1917). O protesto, que contou com mais de 90 mil russas, ficou conhecido como “Pão e Paz”, sendo este o marco oficial para a escolha do dia, embora a data só tenha sido oficializada em 1921.
Por muito tempo, o Dia da Mulher caiu no esquecimento, e a data só foi recuperada com o movimento feminista na década 1960. A Organização das Nações Unidas, por exemplo, só foi reconhecer o Dia Internacional da Mulher em 1977. Atualmente, além do caráter festivo e comemorativo, a data ainda continua servindo como conscientização para evitar as desigualdades de gênero em todas as sociedades.
A antropóloga Izabela lembra que, apesar de o Dia da Mulher ser “todo dia”, é importante instituírem uma data específica, porque nesse período ações são praticadas em prol das mulheres, a mídia coloca em pauta essa temática, e a sociedade levanta debates acerca dos direitos das mulheres. Contudo a professora reforça: “O Dia da Mulher não é uma data apenas para celebração, mas sim um momento para dizer que ainda há muita coisa para ser mudada; é o dia de lutarmos para reverter essa realidade desigual!”. A coronel Silvana também deixa um recado para o público feminino: “Que elas sejam fortes, que não desistam no primeiro desafio. Toda a mulher que venceu seus obstáculos se tornou forte!
*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação
da editora Flávia Popov