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terça-feira, 24 de dezembro de 2024
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Mesmo tardia, legislação de proteção à mulher no Brasil é avançada

A Lei Maria da Penha demora, mas vem com uma vantagem: se inspirou no que há de melhor nas outras leis

Postado em 1 de março de 2019 por Suzana Ferreira Meira
Mesmo tardia
A Lei Maria da Penha demora

Com um
texto bem elaborado, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) permitiu que
vários tipos de violência contra a mulher fossem denunciados, embora tenha
vindo tardiamente, se comparada à legislação instituída em outros países,
segundo a pesquisadora Wânia Pasinato. Uma das principais estudiosas do
assunto, a socióloga afirmou que o atraso na publicação da lei foi uma espécie
de trunfo para o Brasil.

“A Lei Maria da Penha demora, mas vem com
uma vantagem: se inspirou no que há de melhor nas outras leis. Traz uma
legislação que não é só do âmbito penal, mas que tem também um conjunto de
diretrizes para orientar a política pública, que é a Política Nacional para
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres”, explica.

A Finlândia, por exemplo, desenvolve políticas
de prevenção da violência contra a mulher desde 1998. Levantamento do país
revelou que mais da metade (53%) das mulheres do país nórdico já foi vítima de
violência física a partir dos 15 anos de idade. País onde o índice chega a um
quinto (20%) das mulheres, a Áustria instituiu uma lei voltada a proteger as
vítimas de violência doméstica em 1997.

Assessora técnica da Entidade das Nações
Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU
Mulheres), Wânia lembra que conceber melhoramentos às leis de proteção aos
direitos das mulheres levou tempo no Brasil.

“As leis eram muito voltadas à proteção
da família, não se tinha um olhar muito cuidadoso para a situação das mulheres,
das meninas. Isso começa a mudar a partir dos anos 2000. Revisa-se a legislação
e, com isso, passa-se a mostrar que a desigualdade é a causa estruturante dessa
violência. Era preciso abranger também a situação das mulheres no ambiente
doméstico e familiar”, afirmou.

Falhas

Para a socióloga, as ações do Estado têm falhado, no que tange à
prevenção da violência. “A gente aprova lei, muda discurso, mas a gente
não consegue fazer com que estados e suas instituições se comprometam. Não
consegue criar estruturas novas, fazer com que as instituições mudem seus
padrões de comportamento e trabalhem em conjunto com a Justiça, em vez de fazer
com que ela [a Justiça] aja sozinha, como se fosse a única entidade capaz de
responder ao problema da violência”, disse.

A pesquisadora Ana Paula Portella, especialista há duas décadas na área
de gênero, diz que se impressiona, até hoje, com a longevidade do ciclo de
violência contra as mulheres.

“Sempre me impressiono muito com a durabilidade desse ciclo e como,
de fato, prende as mulheres. Fica em torno de um conjunto de valores. Quando
ele [o companheiro] a agride, dizem que ela não tem motivo para reclamar, que
aquilo é o preço que tem que pagar para ter uma família, cuidar dos filhos, ter
um marido provedor.”

Pesquisa do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP) e do Instituto Datafolha mostrou que a 
violência
perpetrada por um parceiro íntimo
 ainda persiste em todo o país.

De acordo com o estudo Visível
e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil
, cônjuges cometeram 23,9%
das agressões e ex-cônjuges, 15,2%. Também figuram como autores irmãos da
vítima (4,9%), amigos (6,3%) e pais (7,2%).

A vida de quem fica

“Até um tempo atrás, eu falava que o feminismo não me representava.
Depois de algumas situações pelas quais eu mesma passei, comecei a abrir meus
olhos para isso.” A afirmação é da contadora Bruna Spitzner, prima de
Tatiane Spitzner, que foi encontrada morta no dia 22 de julho de 2018.

As suspeitas são de que o marido de Tatiane, o biólogo Luís Felipe
Manvailer, a arremessou do 4º andar do prédio onde o casal morava, em
Guarapuava, interior do estado. Os indícios são de que ele a arrastou, já sem
vida, para dentro do apartamento, tendo fugido em seguida, pela BR-277, onde
foi preso por policiais, após adormecer ao volante e perder o controle do carro
que dirigia.

Em entrevista realizada no dia em que a ocorrência completava sete
meses, Bruna contou, por telefone, como o fato a afetou. “Acho que ninguém
precisa passar por isso. Foram registrados muitos casos [de violência contra
mulheres]. Precisamos dar muito mais atenção a isso, fazer muito mais alarde. A
gente tem que se ajudar, estender a mão uma para a outra. Quando vê uma mulher
passando aperto na festa, na rua, tentar perder o medo de se meter, porque
geralmente as pessoas não se metem, se calam, fecham os olhos.”

Segundo a contadora, as reflexões sobre a violência contra mulher
surgiram quando ela mesma se viu em uma situação de abuso. “Percebi que
era abuso quando consegui sair do relacionamento, percebi que era
inferiorizada. Tive depressão pós-parto e, com a ajuda da terapeuta, consegui
ver que eu estava num relacionamento abusivo. É muito importante isso, porque,
às vezes, a gente não enxerga”, disse a contadora.

As redes sociais mencionou Bruna, acabaram se tornando um canal para que
vítimas compartilhassem com ela suas experiências.

“As pessoas sentem um carinho e vêm comentar, conversar, relatar as
coisas por que passaram. Não foi uma nem foram duas mulheres, foram dezenas que
disseram que tentaram fazer a denúncia, registrar a ocorrência, que dizem que
chegam à delegacia e os policiais falam: ‘Você tem certeza? Foi só um empurrão.
Você quer acabar com a vida dele [do agressor]?’. As mulheres estão muito
desacreditadas. Faltam profissionais que acolham. Eu penso que a pessoa já
passou por um trauma horrível, muitas vezes, por ameaças, e quando chega para
denunciar, tiram a vontade, falam que não vai adiantar, que o processo vai
ficar parado”, afirmou.

Autoestima

Para a
cientista social Anelise Gregis Estivalet, o amor-próprio é o elemento capaz de
preservar a mulher de agressões que vão do plano físico àquelas mais sutis,
como restrições no direito de ir e vir. “Se você tem meninas sabendo
diferenciar uma conduta normal de uma que agride é um grande passo. Parte disso
é a mulher entender que o mais importante é ela amar a si mesma e que ela tem
importância”, ponderou a professora.

Segundo Anelise, todo agressor trata a mulher
como objeto. “Feminicídio é quando você não vê a mulher enquanto pessoa, e
sim como objeto. Uma coisa que pode ser objeto de satisfação, de ciúme e de
relação de poder. Muitas mulheres imaginam que, se forem propriedade de alguém,
elas vão ser protegidas, e é exatamente o contrário, porque aí dão o direito de
que façam com ela o que quiserem”, argumentou.

De acordo com Ana Paula Portella,
diferentemente das mulheres que vivem nas cidades, as vítimas da zona rural
residem em lugares quase inabitados, o que dificulta a detecção do ciclo de
violência por parte de amigos, familiares e pessoas do seu círculo social.
Algumas delas, ressaltou, não chegam a ser mortas pelo companheiro, mas ficam
mais suscetíveis a crimes como estupro marital.

“Elas podem viver o casamento inteiro com
agressões físicas, sexuais, sem que necessariamente leve à morte, mas tem menos
possibilidade de sair da situação. Na área urbana, a mulher pode viver o mesmo
tipo de abuso, mas tem mais ferramentas, como delegacia, vigilância de amigos,
família e colegas de trabalho que podem detectar sinais para que procure
ajuda.”

Relacionamento tóxico

A Organização das Nações Unidas (ONU) publicou, na última
quinta-feira (21), uma lista com cinco recomendações para se
adotar na luta contra a desigualdade de gênero.

Entre as maneiras de romper com ciclos de
violência, a organização cita a mudança de linguagens que favoreçam a
perpetuação de estereótipos de gênero e o compartilhamento do cuidado com a
casa.

De acordo com dados do 12º Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, em 2017, 4.539 mulheres foram assassinadas,
taxa que representou um aumento de 6,1% em relação ao ano anterior. Do total de
ocorrências, 1.133 foram classificadas como feminicídios.

Ainda foram computados naquele ano 60.018
estupros, crime que apresentou aumento de 8,4% em relação a 2016. Ao todo,
houve 221.238 casos de lesão corporal dolosa enquadrados na Lei Maria da Penha,
uma média de 606 casos por dia. (Agência Brasil)

 

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