Mortes por arma de fogo dobram em 10 anos, em Goiás
Crimes devem aumentar ainda mais se Senado decidir flexibilizar o acesso à arma de fogo

Igor Caldas
Especial para O Hoje
De acordo com o último levantamento feito pelo Atlas da Violência 2019, o número de homicídios no estado de Goiás quase dobrou em 10 anos. As mortes foram contabilizadas no período entre os anos 2007 até 2017. É provável que esses números voltem a crescer se o Senado decidir manter o decreto que flexibiliza o uso de armas de fogo no Brasil. A sessão plenária que vai decidir sobre o decreto está pautada para a tarde de hoje.
O Decreto 9.785/2019 assinado pelo Presidente Jair Bolsonaro regulamenta o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) para dispor sobre a aquisição, cadastro, registro, posse, porte e comercialização de armas de fogo e munições. O decreto dá liberação de limites de compra de armamento e munições e permite o deslocamento de colecionadores, atiradores e caçadores com arma municiada. Ele também aumenta o número de categorias que têm o direito ao porte de armas.
As balas disparadas podem atingir qualquer pessoa. O estudante de 32 anos, Dan Pimentel, trombou com a morte de bicicleta na madrugada da Páscoa, deste ano. Por sorte, ele conseguiu sobreviver para contar a história. O jovem saiu do trabalho de bicicleta e estava pedalando da região central para uma casa noturna no Setor Sul, quando foi surpreendido por um carro que se aproximou dele para realizar um assalto. Ele levou um tiro que atravessou seu braço e atingiu o abdômen.
Naquela madrugada ele havia acabado de fazer uma recarga de telefone em uma farmácia na Avenida 10 e em seguida pegou a rua 94, no Setor Sul. “Eu comecei a subir a rua do Hospital Santa Helena para ir à uma casa noturna. De repente, veio um carro correndo para o meu lado. Um cara pulou do banco de trás do carro e deu voz de assalto. Eu não consegui frear a tempo e passei por cima dele. Não foi uma reação pensada, minha bicicleta é uma Monark de 1977 e só freia quando eu pedalo para trás”, conta o estudante.
Confronto físico
Ele afirma que tudo aconteceu muito rápido, mas se lembra de ter entrado em confronto físico com o assaltante porque achou que a arma era de brinquedo. “Quando eu levantei, o cara estava muito afobado porque era muito menor que eu. Daí, pediu minhas coisas e perguntou se eu não tinha medo de morrer. Nessa hora ele tentou atirar três vezes, mas arma não disparou. Nisso, eu pensei que era de mentira e perguntei: ‘Você é louco? Está tentando me roubar com arma de brinquedo?’ Aí, eu fui para cima dele e o empurrei no chão”.
Com o assaltante caído, Dan subiu na bicicleta para sair de cena. Foi nesse momento que ele escutou o barulho do tiro e percebeu que havia sido baleado. “Do jeito que eu montei na bicicleta, escutei o barulho do tiro. Não senti dor, não parei e não caí. Mas percebi que tinha sido baleado porque meu braço estava sangrando muito. Atiraram pelas costas. Eu perdi muito sangue. Só escutei o tiro, o bater da porta e o cantar do pneu do carro saindo na direção contrária”.
Depois de ter sido atingido, o estudante voltou para a farmácia onde havia efetuado a recarga para pedir ajuda. Ele foi atendido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e levado para o Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO). “Acho que a ambulância demorou de 40 a 50 minutos para chegar. Mas é difícil falar ao certo porque o tempo dilata muito por causa do medo de morrer. Para mim foi muito demorado, ainda mais porque eu já havia percebido que a bala tinha atravessado meu braço e atingido minha barriga. A dor já tinha começado”.
Dan deu entrada no HUGO às 2h20 da manhã e esperou mais 40 minutos até ir para a mesa de operação. A bala atingiu seu estômago, intestino delgado e fígado. Para conter o alto risco de infecção, os médicos tiveram que abrir sua barriga para retirar a bala e realizar uma limpeza antisséptica. O incidente marcou o estudante. Ao lado do buraco da bala em sua barriga, ficou uma cicatriz dos 30 pontos de sutura que foram feitos após a cirurgia. “Fiquei 30 dias de atestado e 10 dias sem sair de casa. A primeira coisa que fiz foi voltar para a faculdade”.
Liberação de armas de fogo aumenta crimes violentos
Existem vários estudos, inclusive um consenso na comunidade científica de que a flexibilização do posso de armas está diretamente ligada ao aumento de crimes violentos. O maior estudo sobre o efeito de flexibilização de armas nos Estados Unidos foi publicado em abril deste ano pela Universidade de Standford. Neste trabalho, os autores se basearam numa metodologia que usa estudos matemáticos e estatísticos para capturar a causalidade do efeito da flexibilização da lei. A conclusão foi o aumento de crimes violentos entre 13% a 15% em 10 anos nos EUA.
Em 2017, um dos mais importantes periódicos científicos internacionais de medicina, o The Journal Of The Amercian Medical Association (JAMA), publicado desde 1883, produziu um editorial que fez um resumo das conclusões de décadas de pesquisa para conclamar a sociedade americana no combate à epidemia da violência armada. Eles apontaram que a disponibilidade de armas de fogo é o principal elemento que propicia suicídios, homicídios e assassinatos em massa.
De acordo com o Atlas da Violência, em 2016, 56 pesquisadores brasileiros e estrangeiros, que produziram e publicaram pesquisas sobre os efeitos causados pelo aumento das armas de fogo na sociedade foram unânimes ao afirmarem que o relaxamento da legislação atual [o Estatuto do Desarmamento] sobre o controle do acesso às armas de fogo implicará em mais mortes e ainda mais insegurança no país.
No Brasil, desde 2002 pelo menos oito escolas brasileiras sofreram atentados em que os próprios alunos ou ex-alunos armados atiraram contra estudantes e funcionários. As ações deixaram um total de 28 mortos e 41 feridos. De acordo com o Instituto Sou da Paz, em metade desses casos, os atiradores utilizaram armas que estavam armazenadas em suas próprias casas. O episódio mais recente no Estado foi em abril deste ano na Escola Estadual Valparaíso de Goiás. Um aluno de 17 anos matou o coordenador a tiros após uma discussão.