Mulheres negras se engajam no combate à intolerância religiosa
12ª edição do Latinidades – Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha, segue até sexta (27), com debates, oficinas e uma feira voltada para empreendedores negros
Mulheres negras evangélicas, católicas e candomblecistas apresentaram, na terça-feira (23) durante a 12ª edição do Latinidades – Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha, no Centro Cultural São Paulo, suas experiências de resistência ao racismo a partir da prática religiosa. Ao participar de debate que discutiu as “Ancestralidades como pertencimento”, as mulheres reafirmaram a necessidade de combater a intolerância religiosa que, no Brasil, se expressa, sobretudo, no ódio às crenças de matriz africana.
A advogada Juliana Maia, da Comunidade Batista de São Gonçalo e pesquisadora do movimento pentecostal no Brasil, destacou, a partir da historiografia mundial, exemplos de levantes e atos de resistência negra que partiram da espiritualidade. Entre eles, ela citou o vudu no Haiti, no contexto de independência e libertação dos escravos; o islamismo na Revolta dos Malês, na Bahia, no século 19; o movimento rastafári na Jamaica; e o cristianismo na luta abolicionista e contra a segregação racial. “E no Brasil as casas de candomblé, os terreiros de matriz africana como espaço de resistência e de luta”, disse.
A candomblecista Iyá Karen D’Osún, de Tradição Africana, em São Paulo, destacou o papel que a espiritualidade teve na resistência do povo negro escravizado. “Ainda estamos na batalha, cada dia, para falar, orientar, ir em mesas fazer palestras para divulgar a nossa religião e vencendo o preconceito. Temos muitas Iyás dedicadas à religião e que não desistiram”, disse.
Educação
Ekedi Sinha, do Terreiro da Casa Branca, em Salvador, disse que os terreiros são espaços de acolhimento. Para ela, a educação é o caminho para superar a intolerância religiosa. “Briga sempre houve, mas o problema é respeitar o outro. É educação. O que fazemos aqui e devemos fazer sempre é reafirmar a nossa fé e educar o povo. Educação é o caminho para alcançar a paz”, disse.
Uma experiência de educação religiosa é promovida pela igreja católica por meio da Irmandade do Rosário dos Pretos, também em Salvador. “Este ano tivemos palestras com Mãe Jaciara, um dos ícones em Salvador na luta contra a intolerância religiosa, para pensar alternativas e construir uma educação para a diversidade religiosa. Até mesmo na nossa irmandade tem irmãos que parecem estar do lado do opressor. Por isso esse diálogo é muito importante”, disse a professora e pesquisadora Analia Santana, integrante da irmandade.
Resistência evangélica
Juliana Maia, da Igreja Batista, disse que a comunidade evangélica é a que mais cresce no País. “Cresce muito alavancado pela presença dos pentecostais e a gente precisa fazer um recorte racial e de classe. A igreja pentecostal brasileira é preta, periférica e pobre e não sabe que o pentecostalismo brasileiro tem na sua origem na figura de um pastor negro americano, William Seymour, que nasce de uma dissidência nos Estados Unidos”, disse.
Juliana explicou que Seymour nasce como contracultura no contexto de segregação racial estadunidense. “Ele começa um movimento em Los Angeles inspirado na passagem dos atos dos apóstolos de Pentecostes. Era um pastor negro, um culto com a presença de mulheres celebrando culto, falando sobre Deus, o divino, e foi duramente reprimido e criminalizado”, disse.
Para a advogada, essas histórias de resistência são invisibilizadas nas igrejas. “A espiritualidade e a religiosidade são muito potentes porque podem criar, pelo capital simbólico que elas carregam, novas realidades, novas perspectivas de vida, principalmente pra gente, o povo negro. Quando essa narrativa é controlada, quando tenho irmãos negros que estão se convertendo e não sabem a tradição de resistência de outras pessoas negras cristãs, eu limito as possibilidades de luta antirracista e vou criando desarticulações”, disse.
O Festival Latinidades segue, até sexta (27), com debates, oficinas e uma feira voltada para empreendedores negros. (Agência Brasil)