Quadrinhos do cerrado
Com o aumento de histórias em quadrinhos de super-heróis, as produções regionais estão crescendo no mercado
Guilherme Melo*
A Marvel Studios se tornou a produtora mais rentável de filmes de super-heróis, com produções como ‘Avengers: Endgame’ (2019) de 2,8 bilhões de dólares e ‘Black Panther’ (2018) com 1,5 bilhão, o estúdio lidera o ranking de maiores bilheterias do mundo. Com o grande sucesso do gênero, os heróis acabaram migrando a sua ‘popularidade’ para as histórias em quadrinhos (hqs), sua mídia de origem. Desde X-Men em 1999, os filmes vêm fomentando cada vez mais as produções de quadrinhos.
Para o colecionador de hqs Faina, o gibi é uma oportunidade de expandir a ‘mitologia’ de um personagem. “Os filmes acabam custando muito caro. Com grandes efeitos, locações, atores de renome, cenários e grandes figurinos, uma produção audiovisual pode ficar inviável para a produtora. Com isso, eles acabam investido também nas histórias em quadrinhos como uma mídia para explorar aquele personagem”, comenta Faina, que trabalha em uma loja da hqs da cidade.
O apaixonado cita que os leitores de quadrinhos, ou mesmo aqueles que não acompanham, mas gostam da arte, vem percebendo um aumento da produção no cenário nacional e regional. “Isso acontece por meio de divulgação em páginas especializadas ou mesmo sendo lançados em algumas bancas. Além disso, a mídia é uma forma de representar aquela realidade que o leitor tanto gosta, de uma maneira mais aprofundada”, explica o funcionário da Mandrake Comics.
Lugar para o alternativo
Com o objetivo de retratar a realidade e o aumento de tiragens nas hqs de super-heróis, uma outra vertente tem ganhado cada vez mais espaço, os gibis regionais. Para a quadrinista Cátia Ana Baldoino, as hqs são uma forma natural de representar a sociedade. “Queremos sempre trabalhar com assuntos que gostamos. Meus quadrinhos, por exemplo, quase sempre tratam de temas como feminismo, animais e adolescência, mas isso flui de maneira natural nunca foi meu objetivo retratar isso no meu trabalho”, revela a profissional.
Formada em design gráfico, Cátia se aventura no universo das hqs há quase 10 anos, e já produziu cerca de 17 histórias. “Comecei em 2010, com uma amiga, fazendo ‘O Diário de Virginia’ como uma disciplina da faculdade. Conseguimos fazer a produção da revista de maneira própria, ou seja, pagamos as tiragens. Com o passar do tempo eu fui modificando o estilo de narrativa e os desenhos”, lembra a quadrinista, que é responsável pela produção do roteiro e dos desenhos.
Assim como no início da carreira de Cátia, hoje a publicação de um quadrinho continua com algumas dificuldades. “Já aconteceu de publicações minhas saírem do meu próprio bolso, do financiamento coletivo e da Lei Municipal de Incentivo, mas isso depende muito da sua proposta de roteiro. Mas mesmo assim, hoje é difícil viver só como quadrinista”, comenta. A profissional orienta que a melhor alternativa, ainda é a publicação de maneira independente e alternativa.
Método que a estudante universitária Ana Maranhão, de 20 anos, utilizou para publicar suas hqs. “Sempre quis publicar, uma história com as minhas ilustrações, mas como sei que é complicado, optei por publicar meus quadrinhos em formato de Zine, que são um trabalho auto-publicado em pequena circulação de textos e imagens originais. A zine foi também uma forma de explorar a minha poética. Eu faço ilustração, o meu forte é desenho. Eu estava com pouca grana e as pessoas não têm o costume de comprar produtos artísticos, e ilustrações são mais caras. Já a zine é um produto mais acessível”, comenta a jovem.
Uma linguagem poética que a jovem revela ter adquirido na infância. “Diferente da maioria dos quadrinistas, eu não lia gibis de super-heróis e da Turma da Mônica quando eu era criança, gostava mais de ler os livros do Ziraldo. Acho que isso me ajudou a adquirir uma linguagem mais poética”, lembra a jovem.
Depois de produções de quadrinhos clássicos, zines e quadrinhos sem fala, o jovem de 24 anos Yan Lucas abre ainda mais o leque de possibilidades com a produção de mangás goianos. “Sempre gostei do gênero, desde criança. Então durante as férias da minha faculdade do ano passado, decidi montar um mangá com as minhas ilustrações e uma história própria”, revela. Atualmente, Yan é o único quadrinista com mangá publicado em Goiás. “Hoje a maioria dos mangás do centro oeste são produzidos em Brasília, o pessoal lá tem mais incentivo”, comenta o profissional, que optou por publicar suas histórias online.
Nas escolas
Segundo a superintendente de Ensino da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), Giselle Faria, existe uma parceria entre as escolas e os artistas. “Os gibis são um recurso literário que vem de geração, rico em linguagem, em recursos linguísticos e imagens. O professor tem mais facilidade em ensinar por meio desse método, pois o diálogo com a turma fica mais interativo. Hoje os alunos são tão podados de se expressar, e pode fazer isso em sala de aula é fantástico, pois incentiva mais os jovens”, comenta.
A superintendente ainda explica, que existem as leis de incentivo municipal e estadual, que auxiliam os quadrinistas. “As leis ajudam muitos profissionais em início de carreira, que precisam de espaço e tenham uma boa história que desenvolva um conteúdo cultural”, explica. O jornalista Francisco Costa conseguiu publicar suas hqs, com a Lei de incentivo. Hoje, com o quarto quadrinho nas bancas, ele comenta o processo. “Sempre quis publicar uma hq, então trouxe uma história que envolvesse um traço cartunesco e cores vivas, que funcionam como ‘start’ para novas histórias, ambientadas neste universo fantasioso, que mistura elementos de história e ficção”, revela.
Futuros projetos
Mesmo com a profissão incerta, muitos apaixonados pelo gênero estão se inserindo no mercado. Como o ilustrador Daniel Borges, que intercala seu tempo entre trabalhar com desenhos e produzir sua primeira história em quadrinho. “A hq é uma oportunidade de colocar nossa arte de maneira muito livre, seja no texto ou no desenho. Então estou planejando uma sequência de histórias de um personagem, que mescla o Batman, com o Wolverine e o Helboy, personagens que eu amava na infância”, comenta.
Daniel adianta que mesmo sendo um universo fantasioso, o gibi estabelece um diálogo com a realidade. “Fui percebendo que o quadrinho era voltado para problemas ambientais, de preservação, queimadas, verde no espaço urbano e preocupação com os animais, coisas que passamos no dia a dia”, explica. O desenhista explica que vai realizar seu sonho de ser quadrinista até no fim deste ano. “Como quero começar aos poucos, vou fazer a publicação online, mas penso em passar o quadrinho para o papel no futuro”, finaliza.
(*Guilherme Melo é estagiário do jornal O Hoje sob orientação da editora do Essência, Flávia Popov)