O vinho, a arte e a filosofia há muito tempo andam juntos
O vinho é comparado à própria Beleza, nas contradições de sua completude
Se o vinho é a mais profundamente ocidental das bebidas, aquela que está na origem da tragédia, no culto ao deus Baco, assim como no Velho Testamento, na missa católica, na consagração dos navios, no casamento judaico, nas celebrações mais importantes e nos jantares mais íntimos, no dia a dia dos povos mediterrâneos e em incontáveis obras de arte, da pintura à escultura, da música ao teatro, além de infindáveis metáforas, bem como, naturalmente, em toda a história literária; em suma, se o vinho alimenta a memória e a alma ocidentais.
O vinho é comparado à própria Beleza, nas contradições de sua completude. E está neste entrelaçar de imagens contraditórias a verdade do vinho para mim: vertem-se céu e precipício, o bem e o mal. É o delírio báquico nas garrafas a dissolver a dor humana, assimilando e transformando-a, ora em paz, ora em dor. O vinho do divã é um só vinho, seja para apaziguar um remorso, evocar uma lembrança, afogar as mágoas ou construir um reconstruir pedaços de sua vida.
É preciso estar sempre construindo. Isso é tudo, é a única questão. Para não sentir o fardo horrível do tempo que esmaga nossos ombros e nos enverga para a terra, é preciso embriagar-se sem descanso. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à sua escolha. Mas embriague-se aos prazeres para além de certo entorpecimento imobilizador, é o convite à suspensão do tempo de vida do trabalho. Meus leitores, vocês estão convocados a sonhar acordado, a construir os próprios horizontes, a tornar-se autônomo através do vinho, da poesia ou da virtude, e não um escravo martirizado do Tempo.
A minha falta de sensatez é uma tomada de posição diante do mundo: como se lê um poema, bebe-se para aplacar uma sede da alma onde a humanidade se agita em tempestuoso ódio. Sou a poeta, que embriaga-se dos esplendores de minha própria virtude. A vida para mim tem inusitadas contraposições: um Deus para afogar o rancor das almas pequenas. O Homem então cria o vinho, que traz a glória ao povo se embriaga de amor.
Àqueles avessos ao vinho ou à poesia, me acharão, sem dúvida, uma indulgente: você inocenta a beleza da taça de vinho e personifica o crápula. Admito que diante do que estamos vivendo e vivenciando da postura de algumas pessoas, eu não tenho mais coragem de contar as queixas. Aliás, eu disse que o vinho era similar ao homem, e concordei que os seus crimes eram iguais às suas virtudes. Melhor não posso fazer. Mas afirmo uma coisa: se o vinho desaparecesse da produção humana, creio que ele faria um vazio à saúde e ao intelecto do planeta, uma ausência, uma imperfeição muito mais horrível que todos os excessos e desvios com que responsabilizam o vinho.
Um homem que não bebe senão água, tem um segredo a esconder dos seus iguais. O vinho é muito mais que uma mera bebida alcoólica, é também uma arte! Desde o plantio das uvas até a fermentação do líquido, o vinho é uma das coisas mais civilizadas e naturais do mundo que alcançou a maior perfeição. Eu amo tudo o que o vinho me proporciona: amigos, os tempos, os hábitos, os livros e os vinhos de reserva.
O sábio cientista francês Louis Pasteur definiu em poucas palavras, no século XIX, o que os filósofos gregos já sabiam há cerca de 2,5 mil anos: o vinho impulsiona a filosofia. E sabe por que? As grandes teorias filosóficas do mundo antigo e que chegaram até o mundo contemporâneo foram filosófadas à base etílica. Quem nunca filosofou à beira de um bom cabernet sauvignon? Ou então degustando um malbec encorpado acompanhado de um excelente churrasco? À beira da praia ou da piscina, degustando um sauvignon blanc ou um frutado chardonnay?
Sim, o vinho continua sendo propício às filosofias da vida, ao pensamento, às reflexões. Para ser melhor, boas companhias sempre ajudam. Apesar de que eu, particularmente, considero o vinho a melhor companhia! De todo jeito, em volta de uma boa taça de vinho, as amizades se fortalecem, lágrimas se enxugam, dores passam, amores se amam. E assim por diante. Aliás, quem estiver lendo este artigo, que tal abrirmos uma garrafa agora? Beba vinho, é tudo o que a juventude lhe proporcionará. É tempo de vinho, flores e amigos incríveis. Seja feliz nesse momento. Este momento é a sua vida.
Por Edna Gomes (especial para O Hoje)