O vinho é poesia engarrafada, o viver, é a filosofia da vida
O melhor vinho não é necessariamente o mais caro, mas o que nós compartilhamos
Por Edna Gomes
‘O Banquete’, livro escrito por Platão por volta de 380 a.C em forma de diálogos cujo personagem principal é seu mestre Sócrates. Considerado o mais importante filósofo da história da civilização ocidental, a narrativa discute de forma central a natureza e as qualidades do amor. Não é esse o tema deste artigo, entretanto, vinho e filosofia andam de mãos dadas. Obviamente há limites. O próprio Platão noutro momento, ao se referir às leis de uma cidade ideal, impunha sanções à bebida, estabelecendo a linha tênue entre a sobriedade e a bebedeira. Mesmo assim, considerava o vinho muito importante para a sociedade.
Os primeiros registros de vinho na Grécia datam de 2,5 mil anos a.C., embora a bebida já existisse, conforme jarros de cerâmica encontrados há cerca de 5,4 mil anos a.C. E hoje?, quem nunca filosofou à beira de um bom cabernet sauvignon? Ou então degustando um malbec encorpado acompanhado de um excelente churrasco à beira da praia ou da piscina, degustando um sauvignon blanc ou um frutado chardonnay? Sim, o vinho continua sendo propício às filosofias da vida, ao pensamento, às reflexões. Para ser melhor, boas companhias sempre ajudam. Apesar de que eu, particularmente, considero o vinho a melhor companhia!
Poucas vezes paramos para refletir: afinal, por que sentimos tanta falta das pessoas do nosso convívio? “A razão da nossa falta é não saber como funciona aquilo que, para nós, ainda é desconhecido e que encaramos como ameaça. É a perda daquele lugar aconchegante que faz falta. Eu abro uma reflexão sobre um tema que afeta a todos nós: a culpa, o tédio, a ansiedade, nossas dificuldades de agir, entre outros tópicos. O mundo para nós é uma construção. Nós sentimos falta porque temos uma tendência a criar familiaridade e segurança com aquilo que a gente conhece não é mesmo? Porque em volta de uma boa taça de vinho, as amizades se fortalecem, lágrimas se enxugam, dores passam, amores se amam. Ele faz de cada refeição uma ocasião, cada mesa mais elegante, cada dia mais civilizado e afoga todos os pesares.
De acordo com Carl Jung, o que a maioria de nós leva para os relacionamentos não é a plenitude, mas a carência. A carência implica uma ausência dentro de si mesmo. A solidão é uma força poderosa capaz de criar ilusões fortes. Ninguém pode realmente entrar dentro de você e substituir a peça que está faltando. Não podemos deixar que um único ser nos falta, e fica tudo deserto. Somos a companhia mais importante para nós mesmos. Crie sua própria história com alguém ou sozinha. O importante é procurar fazer de sua vida um livro cheio de histórias empolgantes com começo, meio e fim. Sirva todos os dias uma taça de vinho e faça do seu dia o melhor e sinta-se abraçada.
Nos Estados Unidos, Benjamin Franklin (1706 – 1790), filósofo e político dizia: “O vinho é prova constante de que Deus nos ama e nos deseja ver felizes”. Outros filósofos e pensadores em algum momento fizeram citações sobre o vinho e a vida, porém o mais importante é saber que na verdade, ao longo da história, o homem ama a vida e o vinho, não porque está acostumado a eles e sim porque quer amor, colo, aconchego, paz, felicidade.
Encerro este texto com a visão equilibrada de Kant (1724-1804) que, sem deixar quase nunca sua pequena cidade alemã onde viveu, repetia que é impossível conhecer as coisas em si mesmo (o ser em si). Só conhecemos as coisas tal como as percebemos (o ser para nós). Esta posição de Kant significa uma síntese entre idealismo e realismo, espírito com que a vida “pode” e “deve” ser encarada.
Leitores: existe sim, um senso comum de avaliação para os vinhos e a vida que independe de sexo, idade e cultura. O vinho é algo com que se vive de acordo, e também se vive de acordo com uma ideia. Bebido na ocasião certa, no lugar certo e na companhia certa, o vinho é o caminho para a meditação e o arauto da paz. Ele melhora o convívio humano e tem o poder de colocar o amor e o desejo a uma distância que os torna passíveis de ser discutidos. Ou seja, todos os homens avaliam raramente que existem opiniões discrepantes quando grupos degustam vinhos nas mesmas condições. Assim, então, o vinho não viola a razão, mas convida-nos gentilmente a uma agradável alegria. Parafraseando Descartes, “Bebo vinho, logo existo”.
O melhor vinho não é necessariamente o mais caro, mas o que nós compartilhamos, porque ele tem o poder de encher a alma de toda a verdade, de todo o saber. Como diz Fernando Sabino: “Cristo não consagrou a água, o leite ou a Coca-Cola: consagrou o pão e vinho como alimento do corpo e do espírito.” (Especial para O Hoje)