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domingo, 22 de dezembro de 2024
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Opinião

O Marco Regulatório dos Criptoativos

Sou da opinião que o conceito de fraude, pirâmide e gestão temerária fosse pormenorizadamente estabelecido na lei, nesse caso, sob pena de se gerar um estado de terror nos empreendedores desse mercado e, consequentemente, um desincentivo ao mercado em gera

Postado em 23 de maio de 2022 por Alexandre Paes

O chamado Marco Regulatório dos Criptoativos não regula, na verdade, os criptoativos em si, apesar de trazer algumas definições sobre o tema, mas, sim, as exchanges ou bolsas de cripto. Ou seja, regula as entidades onde algumas operações com criptoativos são realizadas. O projeto, portanto, não regula as operações peer to peer, ou seja, operações de “A” diretamente para “B”, sem um intermediário.  

Dentro desse contexto, vale lembrar que as exchanges são marketplaces digitais. Nelas, os seus clientes compram e vendem criptoativos e essa compra normalmente é feita por meio da moeda corrente do país, também conhecidas como Fiat Money. Nada impede, porém, de que a aquisição de criptoativos seja feita com outros criptoativos quando o cliente já tem uma conta custodiada pela própria Exchange ou tem outros criptoativos em uma carteira digital. 

É importante destacar, também, que boa parte das regras já são atendidas por boa parte dos exchanges globais em decorrência de uma autoregulação do mercado. O conceito de autorregulação é intrínseco à descentralização e princípio da liberdade do mercado de criptoativos.  

Feita essa ressalva, destaco alguns pontos do Projeto de Lei n. 3825/2019:  

Condiciona o funcionamento da exchange à prévia autorização do Banco Central do Brasil. Acredito ser essa uma boa medida, mas me preocupa logisticamente, tendo em vista que o Banco Central certamente não será rápido nesses processos, a exemplo do que acontece hoje com as autorizações para as instituições de pagamento. As exchanges que já existem hoje terão vantagens, pois já estão em funcionamento e, na minha opinião, não poderão ter suas atividades suspensas. Nesses casos, certamente, serão concedidos prazos para adequação à nova regulação;  

Traz diretrizes gerais ao mercado de criptoativos;  

Enumera os requisitos necessários para a autorização das exchanges, como, por exemplo, justificativa fundamentada para o funcionamento; identificação dos donos dos exchanges; origem dos recursos para o empreendimento. Na minha opinião, essa preocupação é importante, mas não é fundamental para a saúde sistêmica, já que a lei determina separação do patrimônio da exchange e dos clientes;    

Na minha opinião, deixa claro que um criptoativo pode ou não ser um valor mobiliário, na medida em que estabelece que a sua oferta pública será regulada pela CVM quando essa oferta gerar direito de participação, parceria ou de remuneração cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. Ou seja, não inova, tendo em vista que a Lei que regula os valores mobiliários já trazia essa definição;  

Como dito, criam um patrimônio de afetação, separando o patrimônio das exchanges do patrimônio do cliente. Essa medida me parece acertada, já que evita os chamados Ponzi Schemes;  

Exige as exchanges manterem ativos de liquidez imediata equivalente aos valores em reais aportados pelos clientes em conta de movimentação sob sua responsabilidade. Essa exigência ratifica a preocupação acertada do legislador em evitar os esquemas de pirâmides, protegendo seus usuários, já que não existe um fundo garantidor para os exchanges.  

Exige que os exchanges façam o devido KYC (Know You Client) dos seus clientes. Ou seja, segue a prática global de atribuir aos agentes intermediários do mercado, em especial do mercado financeiro, a obrigação em auditar seus clientes e, principalmente, a origem dos fundos para que seja evitada lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas, terrorismo, etc;  

Requer que as exchanges deixem claro aos seus clientes os riscos envolvidos na compra dos criptoativos;  

Obrigam às exchanges informar à Receita Federal do Brasil todas as transações dos seus clientes. Julgo essa regra importante para fins de arrecadação. O parágrafo único do artigo 12, porém, tem um problema de extraterritoriedade da Lei, na medida em que requer que exchanges domiciliadas no exterior envie esse tipo de informação. Para que essa regra seja aplicada, será necessária a celebração de acordos de cooperação, como ocorreu com o FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act).    

 Delega ao Banco Central do Brasil o poder para editar normas sobre o tema, o que é normal nesse tipo de regulação;  

Analisando a justificativa do Projeto de Lei, talvez a maior preocupação do legislador é a questão penal de como punir aqueles que fradulentamente gerem os exchanges. A regra, porém, não define o que é fraude, além de aumentar a pena quando houver esquema de pirâmide. O conceito dessa disposição legal é positiva, no entanto, é preocupante, pois sem segurança jurídica em relação a esse tema, dificilmente empreendedores se arriscarão em ter exchanges no Brasil, portanto, a definição fechado do tipo penal é essencial para que o positivo intuito do legislador não seja um “tiro no pé”.

Sou da opinião que o conceito de fraude, pirâmide e gestão temerária fosse pormenorizadamente estabelecido na lei, nesse caso, sob pena de se gerar um estado de terror nos empreendedores desse mercado e, consequentemente, um desincentivo ao mercado em geral. Regulação não pode se confundir com restrição de liberdade e isso precisa ser muito bem-posto pelo legislador.  

De uma forma geral, julgo como positivo o Projeto de Lei, pois desmistifica a legalidade das operações com criptoativos. Essa medida certamente ajudará no desenvolvimento do mercado dos criptoativos. É preciso, contudo, não “pesar a mão” na intervenção, nem deixar abertas as hipóteses legais de crime, seja porque o excesso regulatório é sempre negativo, principalmente em mercados que naturalmente são autorregulados, como é o caso dos criptoativos, seja porque tipos penais abertos resultam quase sempre em acusações injustas para empreendedores sérios e liberdade para empreendedores criminosos.

Por Samuel Gaudêncio, doutor em Direito Tributário

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