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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Opinião

Capitalismo e progresso da humanidade

A polêmica da vez pode até ser a compra ou não do Twitter por Elon Musk

Postado em 18 de julho de 2022 por Redação

Felipe Leonard

A polêmica da vez pode até ser a compra ou não do Twitter por Elon Musk. Mas em janeiro de 2019 foi outro bilionário, Bill Gates, o protagonista de milhares de threads na plataforma. O motivo? Um tweet sobre “melhora na qualidade de vida nos últimos dois séculos”. No infográfico do Our World In Data que ilustrava o post havia informações impressionantes: em 1820, dizem os números, mais de 89% da população mundial vivia em extrema pobreza. Isto é, com menos de US$ 1,90 por dia. Em 2015, esse total havia caído para menos de 10%.

Não demorou para que o post se tornasse um debate polarizado, furioso. De um lado, estavam os que associam tal avanço à ascensão e ao fortalecimento do capitalismo, bem como da globalização em si. Isso porque ambos podem semear (inclusive já ocorre há várias décadas) uma razoável paz global e uma integração comercial cada vez maior entre as nações – e isso justifica a preocupação deste grupo com a escalada recente de tensões entre o Oriente, em particular a Rússia, e potencialmente a China, com o Ocidente. Na outra ponta, em particular nos grupos que se opõem ao capitalismo e à globalização, houve alertas sobre a vulnerabilidade dos parâmetros divulgados, incluindo o valor base para classificação de pobreza adotado pelo Banco Mundial na época (hoje estimado em US$ 2,15 ao dia).

Estas são perspectivas antagônicas sobre uma tríade desafiante, composta pelo  modelo econômico vigente, a integração econômica e seus impactos sociais. E aí existem pontos importantes a serem considerados. No entanto, há também vícios bem conhecidos. Um deles é o da polarização automática, que demoniza um processo e romantiza seu oposto – como se, aliás, tamanhas questões pudessem ser reduzidas de forma simplista. 

Outro é o da “gritaria” frenética das “arenas sociais”, especialmente no ambiente online, que impulsionam embates e repelem debates, sendo que estes são realmente necessários. Dessa forma, os acontecimentos deixam de ser analisados com objetividade e método científico: quais ideias, afinal, têm funcionado na prática? E quais não? Qual é a correlação entre a posição das nações no ranking de “liberdade econômica” e a prosperidade de suas populações, bem-estar geral e paz social? Que países têm aplicado agendas de combate ao capitalismo e livre mercado? E, para além disso, qual foi o resultado para o progresso e prosperidade das maiorias, bem como para o fortalecimento dos direitos humanos e individuais e também das liberdades civis?

Com a perda das diretrizes que embasam o conhecimento, apresenta-se um suposto vilanismo dos players que compõem o mercado ao mesmo tempo em que se deixa para segundo plano uma análise mais aprofundada de como negócios podem impulsionar as comunidades, combater desigualdades e ajudar a construir uma economia global de progresso. Nesse sentido, vale lembrar uma máxima do presidente americano Ronald Reagan: “Acredito que o melhor programa social é um emprego”.

Há muitas pesquisas que reforçam esse pensamento dual e contraditório. Por exemplo, há dois anos, na 20ª edição da Edelman Trust Barometer, 56% dos entrevistados disseram que o capitalismo seria mais prejudicial do que benéfico ao mundo, ficando claro que haveria ajustes urgentes a serem feitos. Todavia, extinguir, anular ou pleitear a substituição do sistema não era cogitado para a maior parte dos 34 mil participantes, residentes de 28 países, que fizeram parte do estudo.

Em outro viés, em um levantamento da mesma instituição divulgado em março deste ano, 61% dos entrevistados disseram confiar mais em empresas do que nos seus próprios governos. Em segundo lugar apareceram as organizações não-governamentais, com alto grau de confiança, para 59% das pessoas.

Parece confuso e contraditório. No entanto, há um quadro importante sendo desenhado aí, no exato momento em que uma retomada pós trauma pandêmico ainda ganha impulso. Nas entrelinhas, nota-se que o modelo econômico com base no livre mercado, autônomo, competitivo e autorregulado é aceito como o indicado para reduzir os níveis de pobreza, embora exista uma tendência “politicamente correta” a criticá-lo. Pense comigo: qual outro sistema tem funcionado para criar prosperidade para as maiorias, sem cercear direitos individuais básicos?

Por outro lado, não se pode ignorar que há arestas proeminentes a serem aparadas. E que o capitalismo pode desenvolver cada vez mais orientação social, sendo capaz de promover maior equidade, assim como o uso sustentável dos recursos e da natureza. Isso, claro, sem perder as suas melhores virtudes (construir a riqueza e ganhar a batalha contra a pobreza). Não se trata apenas de desejo, mas sim de necessidade, no que diz respeito a uma coexistência sustentável com o planeta.

Em 2021, aliás, uma pesquisa da Toluna mostrou que dois em cada três consumidores globais se preocupam com os impactos sociais, éticos e ambientais de suas escolhas; e que 59% deles levam em consideração, no momento das suas compras, o comprometimento de marcas e empresas no que diz respeito a esses tópicos.     

É preciso fazer a diferença e aperfeiçoar a ideia do lucro como finalidade máxima e efetivamente complementa-la com o senso de buscar o bem comum nas relações entre empresas, sociedade, meio ambiente e, também, na perspectiva por uma economia integrada globalmente. Isso é algo que se tornou ainda mais nítido, entre erros e acertos, nas negociações em torno das vacinas contra a Covid-19; e nos desdobramentos do conflito entre Rússia e Ucrânia, incluindo os rearranjos comerciais para tentar conter escaladas de preços ou a escassez de diferentes produtos e insumos.  

Estamos prontos para adotar movimentos integradores como propósito cotidiano, muito além de momentos críticos?

A Organização das Nações Unidas (ONU) já destacou, via pronunciamento do secretário-geral António Guterres, que o comércio é essencial para relações internacionais e que, além disso, o multilateralismo seria a resposta tanto para impasses diplomáticos como para desafios tecnológicos, mudanças climáticas e segurança. Um olhar crítico para o capitalismo, sua história, práticas e mesmo a possibilidade de desconstruir seu conceito é um ponto-chave hoje.

Essa proposta é defendida até mesmo por Nick Hanauer em uma participação poderosa no TEDSummit 2019. Ele, um empresário que se define como “capitalista impenitente, porém crítico”, defende que preceitos da Teoria Econômica precisam ser revistos sob a ótica de diferentes disciplinas, inclusive Psicologia e Antropologia. Algo que reflete o caráter dinâmico e evolutivo do próprio capitalismo de mercado. 

“A prosperidade surge através de um ciclo entre a inovação e a procura crescente do consumidor. A inovação é o processo pelo qual resolvemos os problemas humanos, e a procura dos consumidores é o mecanismo a partir do qual o mercado seleciona inovações úteis. À medida que resolvemos estes problemas, tornamo-nos mais prósperos”, disse ele. 

Veja só: a pobreza na África não mudou drasticamente desde 1960, apesar da região ter recebido mais de US$ 1 trilhão em doações e ajuda social. Fica evidente que, em linha com a afirmação de Hanauer, a falta de políticas, legislações e um sistema que garanta liberdade econômica nessas regiões – que inclua a luta contra a corrupção, justiça, igualdade perante a lei, respeito pela propriedade privada – parece ser a causa da sua estagnação.

Por um lado, o Homo Economicus – figura que, no processo de gerar prosperidade para si, acaba inevitavelmente gerando prosperidade para a sociedade –, segundo o processo capitalista clássico descrito por Adam Smith, está demonstrando ser insuficiente para encarar os desafios da agenda global e planetária no século XXI. Ele é meramente racional, egoísta e centrado em resultados com máximo proveito. Não podemos nem devemos extingui-lo, o que seria um retrocesso, porém ele precisa evoluir e abarcar outras variáveis na sua jornada, sendo a “sustentabilidade” uma das mais urgentes.

Por outro viés, avançam em várias latitudes e também na cabeça de políticos ao redor do mundo as tentativas de impor governos de caráter totalitário. Embora as “Ditaduras de Mercado” – como no caso da China ou da Rússia – possam ter conseguido bons resultados na melhoria da prosperidade e luta contra a pobreza nas últimas décadas, no longo prazo elas também podem implicar em sérios riscos e retrocessos para a liberdade e dignidade humana, tanto dentro das suas fronteiras como a nível global. E isso acabaria tendo um impacto negativo sobre a paz, felicidade e o próprio processo de construção da prosperidade.

Afinal, qual pode ser a nossa contribuição em meio a estes embates, debates e tendências? Acima de tudo, comecemos, dentro e fora das corporações, a evoluir também para o Homo Dialogicus, assim como para o Homo Sustentabilis e Homo Fraternus. Só então avançaremos com disposição, diálogos inteligentes, informações precisas e objetivos calibrados.

Felipe Leonard é diretor executivo e presidente de empresa referência mundial em implantes dentários

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