Limites para processo de seleção: discriminação perversa quando genérica
O período de experiência revela-se mais preocupante pois, numa sociedade em que a rotatividade de mão de obra é constante, poucos são os empregados
Paulo Sergio João
Ingo Wolfgang Sarlet observa que “a dignidade da pessoa humana parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão-somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado” (in “Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988”, 7ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, ed. 2009, p. 43).
Todavia, conceituar de modo efetivo e jurídico o que seja dignidade da pessoa humana nos leva a assumir que é mais fácil dizer o que ela não é do que extrair um conceito efetivo.
Deste modo, seguindo a toada da identificação do que não é convergente com a dignidade humana, ocorreu-nos o tema da admissão de trabalhadores e dos processos de seleção. É usual que sejam exigidos dos trabalhadores além de cartas de referência e período de experiência anterior, certidão de antecedentes criminais. As cartas de referência dizem respeito aos relacionamentos passados e servem como forma de avaliação do candidato por indicação, confirmando que a perda do emprego anterior não fora maculada por atuação profissional inadequada em todos seus aspectos.
O período de experiência revela-se mais preocupante pois, numa sociedade em que a rotatividade de mão de obra é constante, poucos são os empregados que conseguem acumular períodos de trabalho que efetivamente possam representar experiência para o cargo por absoluta ausência de experiência capaz de transmitir confiança no processo de seleção.
Tudo isso tem a ver com inclusão social e a forma de atender ao respeito à garantia constitucional da realização da dignidade humana.
Claro que levado o trabalho à sua condição máxima de oportunidade de que, por meio dele, possa o trabalhador se realizar e exercer sua cidadania, as condições impostas mereceriam revisão de forte flexibilização de suas exigências.
Do outro lado, há uma exigência frequente que tem excluído trabalhadores do mercado de trabalho de forma inexorável: a tal da certidão negativa de antecedentes criminais.
O primeiro questionamento que se faz é de saber qual seria a justificativa de sua exigência numa sociedade tão desigual e injusta, que marginaliza o ser humano e, ainda, se tal condição não estaria servindo como fator excludente de inclusão social de trabalhadores vítimas muitas vezes de uma sociedade injusta e de um Estado que não respeita os direitos humanos.
Em 21/7/22, o sítio do TST publicou a seguinte notícia: “Exigência genérica de certidão de antecedentes criminais por supermercado é ilícita”, informando que a 8ª Turma, revertendo decisão do regional, condenou empresa a pagamento de danos morais por exigir, para admissão, antecedentes criminais para seleção de empregados. O acórdão é da lavra da ministra Delaíde Miranda Arantes, que admitiu, de acordo com o incidente de recursos repetitivos, julgado pela SDI-1 que fixou a tese de que se aplicaria a exigência quando se tratasse de fidúcia especial.
Trata-se de decisão e de jurisprudência que demonstra a relevância de oportunizar emprego e trabalho sem restrições a todo trabalhador e que atende ao respeito da dignidade da pessoa humana, especialmente diante de uma sociedade desigual socialmente e economicamente.
Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo