O jovem periférico está invisível nos programas políticos no Brasil
Kelly Lopes é empreendedora social e superintendente do Instituto da Oportunidade Social (IOS)
Kelly Lopes
Entre tantos desafios e urgências das quais o presidente que será eleito nos próximos dias terá no Brasil, um tema deveria ganhar um pouco mais de atenção: as juventudes da periferia e suas demandas tão solitárias.
Periferia e periférico são palavras em desuso nos planos de governo apresentados pelos candidatos à presidência da República e registrados na Justiça Eleitoral este ano. Um levantamento da Agência Mural indica uma queda no uso do termo “periferias” e “periférico” nos planos dos atuais candidatos à presidência do País, em relação ao contabilizado em 2018. Foram apenas 11 citações este ano contra as 53 da eleição anterior.
Coincidência ou não, esse é um reflexo do quão essa camada da população fica esquecida e solitária mediante a tantas outras questões que o presidente eleito será desafiado a enfrentar nos próximos anos. E devemos cobrá-lo ainda mais por isso.
Independentemente de partido ou ideologias políticas, o alerta aqui é para os injustiçados representantes do futuro, aqueles que lutam todos os dias para serem lembrados no presente: os jovens da periferia. Se a periferia toda está em esquecimento em planos de governo, quem dirá os jovens vindos dela? Este é o exemplar de ser humano mais esquecido e solitário, que sofre como ninguém neste país, os efeitos das injustiças promovidas pelos desequilíbrios sociais.
Os números comprovam isso. Atualmente, a população jovem é a maior da história do País, segundo o Atlas da Juventude. São mais de 47 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos no País. Porém, é também a parcela mais afetada pelo desemprego no Brasil e nem é difícil entender os motivos. A falta de políticas públicas que apoiem o desenvolvimento e a inserção do jovem no primeiro emprego é gritante. Esse tema deveria receber muito mais atenção porque dele deriva uma série de outras soluções para uma imensidão de problemas no País das desigualdades.
A juventude periférica ainda é mais atingida pelo esquecimento e pela falta de planejamento de um futuro do qual o País dependerá e em todas as instâncias. Tudo começa nos caminhos longos para esse jovem menos abastado alcançar uma educação de base de qualidade que provenha oportunidades de crescimento no mercado de trabalho. As desigualdades sociais penalizam com mais crueldade esses jovens, com menos oportunidades de desenvolvimento que outros.
O futuro deles começa mais tarde. Dos alunos que se formam no ensino médio, quase 90% vêm da rede pública de ensino, mas somente 18% deles conseguem entrar na faculdade. Isso porque, por ironia dessas injustiças das quais — infelizmente – já nos acostumamos, 74% das vagas de graduação do País estão disponíveis na rede particular de ensino. A maioria das vagas de ensino superior é para quem pode pagar e esses jovens só podem pagar por elas quando conseguem uma oportunidade de emprego para se manter nos estudos.
Para piorar tudo isso, as empresas insistem em querer contratá-los apenas depois de formados no ensino superior. Como se eles pudessem bancar os estudos em instituições particulares, por quatro ou cinco longos anos apenas estudando. Não. Definitivamente eles não podem. Na rede pública não sobram vagas para eles porque foram ocupadas por outra categoria de jovens, com muito mais recursos, acessos e privilégios para ocupá-las.
Ainda assim, de acordo com levantamentos do Instituto da Oportunidade Social (IOS), 17% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos já pagam suas contas e contribuem com a renda da família e 6% deles, ainda em idade de desenvolvimento, já sustentam integralmente as suas famílias. Uma carga bem pesada para pessoas ainda em formação. É sobre essa carga que estamos nos referindo. E sobre ela pesar menos para esses jovens se governos, empresas, ONGs de ensino profissionalizante atuarem juntos. Essa tríade pode e deve encurtar as distâncias para esse jovem acessar a carreira profissional com mais qualidade e oportunidades.
O modelo não é inovador. Já ocorre em muitos casos no País. Empresas estão precisando de profissionais qualificados, com softskills e prontos para o mundo corporativo. Algo que as universidades ainda não conseguiram fazer. Basta considerar essa força de trabalho como potência em construção.
É papel das empresas também pensar e agir para a inclusão dos jovens da periferia, sem preconceitos e visando ter – de fato – uma atuação focada em ESG. Porque atuar pela causa das juventudes periféricas é atuar pelo futuro do desenvolvimento socioeconômico do País.
Por isso, senhoras e senhores excelentíssimos candidatas e candidatos, muito além de comer pastel na feira em tempos de eleição, lembrem-se de trazer de volta essas “palavras mágicas” para seus planos e atuações de governo: jovens periféricos e jovens da periferia. Lembrem-se que mais de 2 milhões de brasileiros de 16 e 17 anos, que não são obrigados a votar, tiraram o título de eleitor e vão às urnas em 2022 se juntar aos demais jovens que já são maioria no País, votam e aguardam ansiosamente por soluções que vão torná-los mais visíveis e mudar o futuro deles, os de vocês e de todo um País.
Kelly Lopes é empreendedora social e superintendente do Instituto da Oportunidade Social (IOS)