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segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
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Opinião

O Dia da Democracia e o voto no Brasil 

Celso Ramos é professor universitário e historiador

Postado em 26 de outubro de 2022 por Redação

Quarta-feira, 15 de novembro de 1989. Centenário da Proclamação da República. Após 39 anos os brasileiros finalmente podiam escolher o seu presidente. A última vez tinha sido no distante 3 de outubro de 1960, quando o paulista Jânio Quadros foi eleito. Depois dessa eleição vieram os anos sombrios da ditadura, a longa e arrastada abertura política e os intermináveis cinco anos de governo Sarney. O cidadão ficou quase quatro décadas sem poder dizer quem ele queria para dirigir o seu país.  

Quase não dá para acreditar nisso. É como se você, cidadão ou cidadã, adulto, responsável, pagador dos seus impostos, fosse considerado uma criança incapaz de cuidar de si mesma. Você mora e trabalha, tem toda sua vida no País, mas não pode opinar como quer que ele seja conduzido nos próximos anos. É a usurpação de um direito inalienável de todos nós. 

E ainda há aqueles que, hoje, às vésperas da eleição presidencial mais acirrada desde a redemocratização, voltam a falar em golpe de Estado, fechamento de Congresso e ditadura… Sem chance! Não dá para abrir mão desse direito. 

Como se vê, a trajetória do voto e da democracia de forma geral no Brasil, até aqui, não foi fácil. Aliás, continua não sendo fácil.  

Um pouquinho de história talvez ajude a darmos mais valor a essa preciosidade que é o direito cívico do voto.     

Durante todo o período colonial, de 1500 a 1822, havia eleições apenas para cargos municipais, como o de vereador, juiz e tesoureiro. Os ocupantes eram chamados de “homens bons”. E, para poder se candidatar, o indivíduo tinha que ser maior de 25 anos, católico, alfabetizado, ser pessoa de posses e ter sabida influência na região. 

Como se vê, não era para qualquer um não, já que a grande maioria da população era composta por escravos, analfabetos ou não tinha nem as posses nem o poder de influência na cidade, necessários para se candidatar a um desses cargos. Mulheres, nem pensar. O Brasil era uma colônia de uma monarquia absolutista europeia. O rei não tinha cidadãos, tinha apenas súditos. 

Com a independência em 1822, as coisas mudaram um pouco, mas bem pouco mesmo. O Brasil continuou a ser uma monarquia, aliás, um império. E, para dar ares mais modernos ao seu regime, o imperador, no caso Dom Pedro I, outorgou uma Constituição, a de 1824. Novos cargos eletivos foram criados, como o de deputados para as províncias (os Estados na época) e para a Corte Imperial, no Rio de Janeiro, além das Câmaras Municipais que já existiam. Porém, para poder participar dos pleitos, seja como eleitor, seja como candidato, era preciso ter comprovada uma renda mínima, que variava conforme o cargo. Quanto mais alto o cargo, maior a renda. 

E os senadores e juízes? Simplesmente eram indicados pelo Imperador, sem maiores conversas. 

O regime imperial brasileiro durou até a Proclamação da República, em 1889. Esse modelo de participação eleitoral extremamente restritivo se chama de “voto censitário”, isto é, exige da pessoa uma renda mínima anual para poder participar. Além disso, escravos, não católicos, analfabetos e as mulheres continuavam impedidos de votar. Nem sombra de participação popular, portanto. 

Mas, finalmente a República. Enfim, a “liberdade abriu suas asas sobre nós”. Quem nos dera! 

Considerando apenas o período da chamada República do Café com Leite, isto é, de 1889 até 1930, quem comandava as votações eram os coronéis, os poderosos de cada localidade. O coronel era o responsável por todo o processo eleitoral, desde a arregimentação de eleitores, a segurança nos locais de votação, até a realização das eleições e a feitura das atas das zonas eleitorais. E, vale destacar que, naquela época, não havia uma Justiça Eleitoral para aplicar os pleitos de forma imparcial. 

Como se vê, as eleições precisavam acontecer por mera formalidade, porque os resultados já eram sabidos de antemão. E tem mais, mesmo nessa situação farsesca, mulheres e analfabetos não votavam. O voto era de “cabresto” e cada coronel mandava e abusava no seu “curral” eleitoral.  

A Revolução de 1930 prometia acabar com esses desmandos e, em parte, acabou. Mas impôs outros tão terríveis quanto. Governando de forma ditatorial durante a maior parte do tempo da chamada Era Vargas (1930 a 1945), o presidente Getúlio só convocou eleições muito de vez em quando. As três instâncias do Poder Legislativo municipal, estadual e federal ficaram fechadas na maior parte do tempo, partidos políticos foram cassados e os ocupantes dos cargos executivos eram indicados pelo ditador.  

Avanços formais aconteceram, de fato. O voto se tornou secreto, as mulheres passaram a ter direito a votar e serem votadas e foi criada a Justiça Eleitoral. Pena que todo esse avanço quase nunca saiu do papel. 

A redemocratização que se seguiu à deposição de Vargas deu novo ânimo à cidadania no Brasil. As liberdades democráticas voltaram a ser asseguradas por lei, e as conquistas do período anterior foram mantidas. Porém, a festa durou pouco. Tivemos apenas quatro eleições presidenciais até o espírito autoritário assombrar novamente a democracia brasileira e afugentar o povo da possibilidade de escolha do seu próprio presidente. 

Em 1964 teve início a ditadura que se prolongaria até 1985. Partidos fechados, juízes destituídos dos cargos, imprensa e artistas censurados, opositores aprisionados, exilados ou mortos. Vigorava um silêncio sombrio no país dos generais. 

Mas a sementinha da esperança, que levou tanto tempo germinando, finalmente brotou. Desde 1989 voltamos a poder escolher nossos representantes. A democracia ainda continua a ser uma plantinha frágil, então “há que se cuidar do broto”, mas sabemos que é “uma nova autora a cada dia”. E, no próximo dia 30, vamos para as urnas com um “coração de estudante” no peito. 

Celso Ramos é professor universitário e historiador

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